sábado, maio 03, 2014

O 25 de Abril e o tele-populismo

DAVID HOCKNEY
Retrato da Mãe
1988-89
Nos 40 anos do 25 de Abril, que balanço televisivo se fez da própria televisão e, sobretudo, dentro da televisão?... Zero — este texto foi publicado na revista "Notícias TV" do Diário de Notícias (2 Maio), com o título 'Filosofia de Abril'.

Qual a história da televisão em 40 anos de democracia? No balanço televisivo do 25 de Abril de 2014 procuro um sinal de tal interrogação e não o encontro. Surpresa? Nenhuma. São cada vez mais raros os que mostram alguma disponibilidade intelectual para reflectir sobre o tema, enfrentando, em particular, o triunfo do populismo televisivo. Direitas e esquerdas confundem-se na mesma cobardia intelectual, encarando a televisão como um instrumento “neutro” da vida pública e privada dos cidadãos — Vasco Graça Moura, em particular através das suas reflexões sobre o conceito de serviço público, era uma das raríssimas excepções.
As perguntas — democraticamente motivadas — vão-se acumulando. Há alguma razão que justifique a dominação económica, narrativa e simbólica da telenovela no espaço da ficção portuguesa? A classe política nunca pensou no assunto... Quais os efeitos sociais e geracionais do infantilismo de concursos e “talk shows”? A classe política encara a dinâmica social como expressão mágica dos textos legislativos... Enfim, que dizer da pornografia anti-humanista promovida pelo Big Brother e seus derivados? A classe política comete o erro histórico e ético de pensar que o “divertimento” é inquestionável...
O balanço filosófico dos 40 anos do 25 de Abril é, em termos televisivos, dominado pelo pitoresco. Dir-se-ia que, até 24 de Abril de 1974, Portugal foi um buraco negro em que nada de relevante aconteceu... Assistimos ao triunfo de um imaginário “revolucionariamente correcto” que, por sistema, desqualifica qualquer pensamento dialéctico sobre o “pré” e o “pós”.
Cheguei à conclusão que, afinal, quase todos os cidadãos da minha geração trabalhavam no mercado negro a vender discos de José Afonso! Nunca ouviram os Beatles, nem se atreveram a deixar crescer o cabelo... Parecem até acreditar que o maniqueísmo “revolucionário” é uma boa maneira de preservar a herança fascinante do criador das Cantigas do Maio. O “Reino da Estupidez” de que falava Jorge de Sena continua, assim, a alargar as suas fronteiras.