quarta-feira, outubro 16, 2013

As abelhas e a economia global

Como filmar abelhas?... Poderia ser uma pergunta natural e naturalista. Mas não: é uma interrogação profundamente enraizada nos circuitos da economia global — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Outubro), com o título 'O existencialismo das abelhas'.

Na sequência do triunfo de Fahrenheit 9/11, de Michael Moore, no Festival de Cannes de 2004, o género documental aumentou significativamente a sua presença nas salas escuras e, de um modo geral, em todos os circuitos cinematográficos. Seja como for, o que mudou não se pode medir apenas pela quantidade de títulos disponíveis. De alguma maneira, os filmes foram mostrando e demonstrando que o olhar documental não se esgota numa mera “descrição” do que quer que seja, podendo desempenhar um papel eminentemente criativo, inevitavelmente político, na relativização das certezas mais correntes.
As abelhas, por exemplo. Não é verdade que a tradição nos leva a encarar esses insectos como um elemento natural da natureza (passe a redundância), eternamente entregues às complexas tarefas da polinização e produção de mel? Mais do que isso: não é também verdade que essa imagem mais ou menos paradisíaca da sua constante actividade resulta, em grande parte, de uma visão cinematográfica em que é a natureza é sempre uma entidade abstracta e redentora?
Pois bem, vendo um filme como Abelhas e Homens (há dias lançado no mercado português), somos levados a compreender que, mesmo sem querermos ofender todo um nobre património filosófico, há um existencialismo das abelhas que não pode ser reduzido a uma qualquer “essência”, determinista e inalterável. Desde as doenças que podem afectar os habitantes das colmeias até aos efeitos destruidores de determinados adubos, as abelhas vivem num tempo de muitas convulsões que, no limite, pode colocar em risco a sua sobrevivência, afectando de forma brutal as condições de vida todos os seres humanos.
Realizado pelo veterano suíço Markus Imhoof, Abelhas e Homens é, literalmente, um filme que supera fronteiras (sendo o candidato da Suíça à nomeação para o Oscar de melhor filme estrangeiro). Dos cumes alpinos aos pomares da Califórnia, passando pelas paisagens da China e Austrália, deparamos com uma cadeia de dramas que, em última instância, são de natureza económica – Imhoof consegue a proeza de ligar a observação dos fascinantes rituais no interior das colmeias com os fluxos da globalização, fazendo-nos ver que nem mesmo a mais recatada comunidade de insectos escapa aos efeitos da circulação do dinheiro.
E não deixa de ser irónico que Abelhas e Homens tenha chegado na mesma semana em que assistimos à estreia de Gravidade, o magnífico filme de Alfonso Cuarón sobre um homem e uma mulher à deriva na imensidão do espaço. Assim como Gravidade nos aproxima dos enigmas do infinitamente grande, Abelhas e Homens viaja pelos inusitados cenários do infinitamente pequeno. Num caso como noutro, a sofisticação dos meios técnicos de filmagem é cada vez maior e mais surpreendente, mas não constitui um fim em si mesma. Mesmo através do zumbido as abelhas, são as relações humanas que dominam a cena.