terça-feira, setembro 10, 2013

A felicidade segundo Todd Solondz (2/2)

Todd Solondz, símbolo tenaz da produção independente americana, reaparece nas salas portuguesas com Diários de um Falhado, um melodrama sarcástico, mas não muito feliz — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Setembro), com o título 'Melodrama virado do avesso'.

[ 1 ]

Em Diários de um Falhado, Todd Solondz filma um par não demasiado romântico que vive um melodrama virado do avesso: ele é uma trintão instalado no seu patético infantilismo; ela acumula depressões com a dedicação de uma menina mimada que colecciona bonecas... Solondz pratica uma espécie de realismo assombrado em que as ilusões de felicidade da classe média americana são metodicamente sujeitas a uma desmontagem que tem tanto de observação metódica como de delírio fantasista. Como sempre no seu cinema, tal dispositivo não se limita a uma encenação criteriosa de personagens, uma vez que envolve um peculiar e muito incisivo sentido de casting.
Seria grosseiro dizer que Solondz escolhe também actores “falhados” (até porque há neles uma subtileza que, em boa verdade, nem sempre encontramos nas grandes estrelas). O certo é que, num filme como Diários de um Falhado não é indiferente que as personagens nucleares sejam interpretadas por nomes tão “marginais” como Jordan Gelber e Selma Blair. Ele é um actor de sofisticada formação teatral, tendo-se mantido como um regular da televisão e uma figura muito secundária do cinema (participou, por exemplo, no admirável Antes que o Diabo Saiba que Morreste, derradeiro filme de Sidney Lumet, lançado em 2007); ela tem a sua imagem associada a séries cinematográficas como Gritos ou Hellboy, parecendo condenada a uma iconografia eternamente adolescente. Solondz encena-os como corpos estranhos a qualquer modelo corrente, sendo o seu carácter inclassificável uma das matérias primordiais deste cinema em que o mais familiar arrisca sempre confundir-se com o mais monstruoso.
Há uma ironia bizarra em tudo isto. De facto, Solondz, símbolo exemplar da produção independente, valoriza, assim, um princípio eminentemente clássico: a elaborada construção de cada personagem, seus afectos e motivações. O melhor efeito especial é, como sempre, o factor humano.