segunda-feira, abril 08, 2013

Para redescobrir "Taxi Driver" (1/3)

Martin Scorsese e Robert De Niro
FOTO: Steve Schapiro (Taxi Driver, ed. Taschen, 2010)
O relançamento de Taxi Driver (1976), de Martin Scorsese, é um grande acontecimento comercial e simbólico, numa palavra, cultural: recupera-se um título fulcral do cinema americano da década de 70 e criam-se condições para uma ou mais gerações de espectadores o poderem descobrir numa sala escura — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Abril), com o título '"Taxi Driver" ou o pesadelo da grande metrópole'.

Durante os anos 70, o cinema americano viveu um processo multifacetado de transfiguração: o fim do sistema tradicional dos grandes estúdios, a par do desaparecimento dos mestres clássicos, coexistiu com a afirmação de cineastas ligados a novos temas e conceitos narrativos. Taxi Driver, de Martin Scorsese, lançado no EUA a 8 de Fevereiro de 1976 (a estreia portuguesa ocorreria a 15 de Abril do ano seguinte), é um símbolo exemplar de tal dinâmica. E não deixa de ser curioso assinalar que 1976 foi também o ano em que dois daqueles mestres assinaram os seus filmes finais: Alfred Hitchcock (Intriga em Família) e Elia Kazan (O Grande Magnate).
Agora, um dos acontecimentos marcantes da actual temporada cinematográfica chama-se... Taxi Driver! O filme regressa ao circuito comercial português, numa reposição que já não é feita na tradicional película de 35 mm, mas sim em suporte digital. Trata-se da versão restaurada cuja estreia mundial ocorreu no Festival de Berlim de 2011, assinalando o 35º aniversário da sua produção e antecipando o respectivo lançamento em DVD e Blu-ray.
A nova cópia de Taxi Driver é feita no formato 4K (com cerca de 4 mil pixels em cada linha horizontal da imagem). Considerando que muitas cópias produzidas para o circuito digital são ainda de 2K, isto significa que há um ganho significativo nos elementos constituintes de cada imagem, de acordo com um rigoroso respeito das componentes cromáticas do original. Scorsese e o director de fotografia, Michael Chapman, foram consultores de todo o processo, desde o “scanning” das imagens até à limpeza, fotograma a fotograma, do negativo.
A fidelidade à imagem está longe de ser uma questão meramente técnica, já que a paleta de cores de Taxi Driver (tirando partido de películas mais sensíveis que, na altura, se estavam a generalizar) é decisiva para a definição dramática das ruas da grande metrópole novaiorquina e, em particular, para a detalhada iconografia das suas muitas cenas noturnas. A odisseia do motorista de taxi interpretado por Robert De Niro confunde-se, assim, com a tragédia obscura (literal e simbolicamente) de um pesadelo urbano em que passou a ser difícil encontrar um recanto de inocência.
No ano do seu lançamento, Taxi Driver encontrou de imediato defensores entusiastas, mas não foi um grande fenómeno comercial: no mercado americano, na lista de receitas de 1976, acabou por se situar num razoável mas modesto 17º lugar, superado por títulos como a nova versão de King Kong (7º), Os Homens do Presidente (4º) e o fenómeno internacional que foi Rocky (1º). Curiosamente, a consagração do filme começou na Europa, com a conquista da Palma de Ouro do Festival de Cannes, nesse ano em que o presidente do júri foi o dramaturgo americano Tennessee Williams. Para a história, o reconhecimento oficial da sua importância “cultural, histórica e estética” ocorreu em 1994, quando Taxi Driver foi seleccionado para integrar o lote de filmes preservados pela Biblioteca do Congresso dos EUA.