segunda-feira, janeiro 09, 2012

Herzog: o cineasta e a sua gruta

Como filmar a lendária Gruta Chauvet, no sul de França, na zona do rio Ardèche? E, mais do que isso, como fazê-lo em 3D? O alemão Werner Herzog tem respostas simples e radicais — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Janeiro), com o título 'Odisseia no espaço pré-histórico'.

Provavelmente, na história do cinema moderno, não há filme como 2001: Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, para ilustrar esse paradoxo muito humano que se joga entre o que somos e a imensidão daquilo que desconhecemos. Dito de outro modo: a identidade humana, pelo menos tal como a vivemos e pensamos na agitação tecnológica das últimas décadas, já não existe enraizada numa noção estável ou segura de Natureza. Em boa verdade, o “natural” é uma categoria em permanente reconversão, desafiando as nossas acções e a imaginação que nelas investimos.
Werner Herzog é um cineasta há muito marcado por tal dialéctica. Basta lembrar o seu Fata Morgana (1972), filme “documental” sobre o continente africano cuja gestação está ligada a um projecto de ficção científica. Não admira, por isso, que o seu estranho e envolvente A Gruta dos Sonhos Perdidos nos faça revisitar a pré-história como se vivêssemos uma aventura de uma fantasia quase táctil (e “quase” porque não é permitido tocar nas paredes da Gruta Chauvet).
As pinturas executadas há vinte ou trinta mil anos possuem uma verdade material que Herzog regista como uma suave promessa espiritual. É uma visão cinematográfica alheia a modas, e tanto mais quanto este é um exemplo de sábia utilização das imagens a três dimensões. Não se trata, aqui, de exibir a versatilidade técnica do cinema, mas de encontrar uma dimensão visual capaz de favorecer uma sentida comunhão com os traços legados pelos nossos antepassados.
Talvez que o melhor do documentário contemporâneo passe, cada vez mais, por esta capacidade de recusar a “dramatização” televisiva, reconquistando o gosto primordial de contar histórias. Gosto da Idade da Pedra, sem dúvida.