terça-feira, outubro 25, 2011

Tintin por Spielberg (+ Peter Jackson)

Com a chegada de As Aventuras de Tintin: O Segredo do Licorne, Tintin encontra dois cúmplices ligados à evolução digital do cinema: Steven Spielberg e Peter Jackson — este texto resulta de uma mesa redonda com os dois realizadores, durante a primeira apresentação de imagens do filme, no passado mês de Julho, em Paris (foi publicado no Diário de Notícias, no dia 23 de Outubro).

Produtores de As Aventuras de Tintin: O Segredo do Licorne, Steven Spielberg e Peter Jackson defendem o seu projecto para além de qualquer egoísmo. Lembram mesmo que, depois de arrancarem com a produção de uma série de filmes (talvez três) baseados nos álbuns de Hergé, demoraram uns bons “dois anos” a decidir quem iria dirigir o primeiro.
No caso de Spielberg, realizador deste primeiro título (estreia quinta-feira, dia 27), os desenhos de Hergé há muito que o seduziam: “Parecem verdadeiros storyboards, prontos a filmar.” Mas a sua riqueza não se esgota aí: “Hergé tinha sempre uma história para contar. Não se limita a criar situações cómicas ou multiplicar surpresas sem motivação. No fundo, ele funcionava como um argumentista que sabia ilustrar os quadros e aplicar a montagem como se tivesse uma câmara.” O grande desafio, resume Jackson, era a “passagem” para o meio cinematográfico: “Como passar das duas dimensões para um mundo visual com uma certa profundidade e texturas específicas?”
Por um lado, lembra Jackson, os herdeiros de Hergé apoiaram o projecto desde o começo: “Deixaram-nos mesmo consultar o seu enorme arquivo e, em particular, toda a documentação (desenhos, mapas, etc.) que acumulou para construir as suas histórias – ironicamente, Hergé viajou muito pouco.” Por outro lado, para Spielberg, era importante não perder a “inocência” das histórias originais: “Nunca vi ninguém como Tintin, tão puro e moralmente correcto, lutando contra o tipo de crime que era popular nas aventuras dos anos 30 e 40.”
Seja como for, a utilização da nova tecnologia digital (“motion capture”) implicou inevitáveis mudanças na realização. Afinal de contas, tratava-se de filmar actores no vazio do estúdio para depois, na pós-produção, refazer as suas figuras, inserindo-as em cenários virtuais. Spielberg sublinha as diferenças: “Normalmente, grande parte do meu trabalho consiste em dirigir actores. Mas é um facto que esta nova tecnologia me libertou em muitos aspectos: em diversos momentos, pude funcionar como homem das luzes, operador de câmara, até mesmo como maquinista que controla a grua.”
Tendo sido um decisivo impulsionador dos novos recursos digitais, em especial através do impacto de Parque Jurássico (1993), Spielberg encara-os como uma renovação radical: “Num certo sentido, esta tecnologia levou-me a fazer cinema como uma arte de pura criação. Com uma componente fascinante: mais do que nunca, eu podia estar muito perto dos actores, quase como um encenador teatral.” Ao mesmo tempo, os resultados nunca estão garantidos: “Não é nenhuma solução mágica, vai depender sempre dos artistas, individualmente. E acho que os que forem realmente criativos vão encontrar usos interessantes para esta registo a meio caminho entre a imagem real e o desenho animado.”
Estaremos, então, a assistir a uma “continuação” das aventuras de Indiana Jones (cujo primeiro filme, Os Salteadores da Arca Perdida, surgiu em 1981, relançando a “grande aventura”)? Mesmo reconhecendo as eventuais cumplicidades, Spielberg não aceita que se inverta a cronologia: “Não, não é Indiana Jones outra vez. Aliás, acontece um pouco o contrário: pode dizer-se que foi Tintin que antecipou Indiana Jones.”