sábado, dezembro 23, 2017

Woody Allen & Vittorio Storaro (2/2)

WOODY ALLEN e VITTORIO STORARO
— rodagem de Roda Gigante
Woody Allen conta-nos uma história de amor e desamor vivida nos anos 50, com destaque para mais uma admirável interpretação de Kate Winslet — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Dezembro), com o título 'Il signore Storaro'.

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Pergunta de algibeira: qual a relação do novo filme de Woody Allen, Roda Gigante, com Apocalypse Now (1979), de Francis Ford Coppola, Reds (1981), de Warren Beatty, e O Último Imperador (1987), de Bernardo Bertolucci? Pois bem, todos eles têm direcção fotográfica do italiano Vittorio Storaro — e são “apenas” os três que lhe valeram outros tantos Oscars.
Nascido em Roma, em 1940, Storaro é um senhor da luz e da cor, com o seu nome há muito inscrito nos mais nobres capítulos da história do cinema — a par do americano Gregg Toland, director de fotografia de O Mundo a Seus Pés (1941), de Orson Welles, ou do também italiano Giuseppe Rotunno, responsável pelas imagens de O Leopardo (1963), de Luchino Visconti. O que Storaro faz em Roda Gigante é tanto mais esplendoroso quanto, em algumas cenas, a iluminação surge tratada, não como elemento “fixo” da acção, antes como matéria orgânica que se pode transfigurar através do desenvolvimento dessa própria acção.
Num tempo em que se cultiva a admiração beata por efeitos especiais que não são mais que a aplicação impessoal de programas de computador, Storaro, obviamente com a cumplicidade de Woody Allen, cria um singularíssimo universo visual. Em Roda Gigante, a luz, mais do que um instrumento informativo, existe como matéria orgânica em permanente interacção com os outros elementos do filme, a começar pelos corpos dos actores.
Escusado será dizer que, face à banalização das imagens (observem-se as rotinas de muitos circuitos de telemóveis e da Internet), a arte de Storaro tende a ser ignorada, ou mesmo menosprezada, pelos valores instantâneos da aceleração “informativa”. Seja como for, através das suas imagens, podemos desfrutar as componentes mais genuínas do trabalho cinematográfico.