sábado, setembro 30, 2017

Bowie x 3

Be My Wife, Heroes e Boys Keep Swinging — três canções de David Bowie, respectivamente dos álbuns Low (1977), "Heroes" (1977) e Lodger (1979). Foram os temas que escutámos (e vimos) no SOUND + VISION Magazine, hoje na FNAC — de novo, para evocar a "Trilogia de Berlim".





Bowie, Berlim & etc.
— SOUND + VISION Magazine [hoje]

[ Masayoshi Sukita, 1977 ]

Estamos de regresso à FNAC do Chiado para revisitarmos David Bowie no tempo mítico do seu capítulo made in Germany, tendo como ponto de partida uma especialíssima reedição da 'Trilogia de Berlim'— a partir daí, propomos uma deambulação pela cidade, na música, no cinema, nas outras artes.

* FNAC: Chiado, hoje (18h30)

sexta-feira, setembro 29, 2017

"Purple Rain" pelos London Grammar

Hannah Reid [foto], Dominic 'Dot' Major e Dan Rothman, isto é, os London Grammar estiveram no Live Lounge da BBC Radio 1 para enfrentar um desafio nada simples: interpretar o clássico Purple Rain, de Prince — prevaleceram rigor e sobriedade.

O regresso de "Star Trek" (1/2)

2017
O universo Star Trek surge em mais uma derivação televisiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Setembro), com o título 'O universo "Star Trek" está de volta à televisão'.

A evolução de Star Trek, tanto em televisão como em cinema, é um labirinto de muitas personagens e histórias, nem sempre contadas por ordem cronológica. Simplificando (e simplificando muito), digamos que a interrogação recorrente será: mas afinal o que aconteceu depois das aventuras originais do capitão James T. Kirk e do humano/vulcano Spock (interpretados, respectivamente, por William Shatner e Leonard Nimoy)? Agora, chegou a altura de inverter a pergunta: o que aconteceu... antes? É essa a proposta da nova série Star Trek: Discovery, uma produção da CBS, disponível na plataforma Netflix [desde segunda-feira, dia 25].
1979
A aposta consiste em seguir as peripécias da USS Discovery, dez anos antes dos eventos protagonizados por Kirk e Spock na nave Enterprise da primeira série, originalmente emitida em 1966-69. O que, além do mais, obriga a um acerto de calendários que, antes mesmo da passagem do primeiro episódio, tem levado os fãs a trabalhos “forçados” para actualizar a linha temporal de Star Trek. O site Den of Geek, especializado em tudo o que seja temas e curiosidades da ficção científica, resume a situação através de três pontos essenciais: primeiro, Star Trek: Discovery passa-se por volta do ano 2255 (os tais dez anos antes da série original); segundo, isto significa que estamos cerca de 110 anos antes de Star Trek: The Next Generation (1987-1994), quando a Entreprise é liderada pelo comandante Jean-Luc Picard (Patrick Stewart); finalmente, tudo acontece um século depois de Star Trek: Enterprise (2001-2005), quando a nave tem o seu primeiro comandante, Jonathan Archer (Scott Bakula).
O mais rudimentar bom senso poderá levar a perguntar como é os espectadores se vão entender no meio de tantas referências cruzadas... A primeira resposta estará no próprio fenómeno de culto que envolve Star Trek. Duas referências emblemáticas enquadram tal fenómeno. Desde logo, a referida série original que, já lá vão 50 anos, foi um caso espectacular de popularidade (numa altura em que se destacavam outras séries como Missão Impossível ou Get Smart, ambas, curiosamente, também já adaptadas ao cinema). Depois, o facto de o cinema há muito ter emprestado nova vida ao universo Star Trek: o primeiro filme, intitulado Star Trek: The Motion Picture, dirigido por Robert Wise, foi lançado em 1979; depois, já surgiram mais doze títulos, o último dos quais, Star Trek: Além do Universo, de Justin Lin, teve estreia no Verão de 2016.

Contra os Klingons

Os criadores da nova série, Bryan Fuller e Alex Kurtzman, mostram-se conscientes da necessidade de lidar com essa amplitude temática e mitológica. Aliás, ambos apresentam currículo com passagem pelas derivações televisivas e cinematográficas de Star Trek: Fuller foi argumentista da série Star Trek: Deep Space Nine (1993-99), tendo escrito e produzido vários episódios de Star Trek: Voyager (1995-2001); por sua vez, Kurtzman participou nos argumentos de Star Trek (2009) e Além da Escuridão: Star Trek (2013), precisamente os dois títulos que relançaram a saga nas salas escuras, ambos realizados por J. J. Abrams — isto sem esquecer que Kurtzman dirigiu a nova versão de A Múmia (2017), com Tom Cruise.
2009
Star Trek: Discovery apresenta um conjunto de personagens em que, de acordo com a lógica deste universo, não há um herói individual que se destaque: o que mais conta é a dinâmica do colectivo, agora liderado por uma mulher, identificada como “Número Um”, interpretada por Sonequa Martin-Green (que ganhou notoriedade através da série The Walking Dead). Também aqui, tal como em muitas outras histórias de Star Trek, a Federação dos Planetas, de que a Enterprise se tornará o principal símbolo de vigilância e combate, tem como inimigo principal os Klingons, os humanóides extra-terrestres empenhados em convocar para a guerra as suas 24 “casas”.
Akiva Goldsman, vencedor do Oscar de argumento adaptado por Uma Mente Brilhante (2001), é um dos produtores da nova série. Em entrevista ao site oficial de Star Trek, falou do seu fascínio pela ficção científica, “um maravilhoso espelho carnavalesco da experiência humana”. E não deixou de sublinhar a actualidade simbólica de Star Trek, celebrando a “diversidade” e a “inclusão”. A série é sobre “ a coexistência de culturas, tema que sempre considerei intemporal mas que, agora, me parece de uma fundamental oportunidade”. Dito de outro modo: Star Trek: Discovery começa com 15 episódios, mas pode vir a gerar muitos mais.

David Gilmour em Pompeia

Foi em 2016 que David Gilmour deu um concerto no anfiteatro de Pompeia, num acontecimento de peculiares ressonâncias simbólicas: Gilmour aí tinha estado, em 1972, como elemento dos Pink Floyd, para filmar Live at Pompeii, espectáculo tirando partido das especificidades sonoras do lugar, mas sem público. O regresso a Pompeia, igualmente intitulado Live at Pompeii, surge agora em CD, DVD e Blu-ray, celebrando a monumentalidade do evento, com milhares de pessoas a assistir — a NPR deu a conhecer o tema Run Like Hell (do álbum The Wall, 1979).


>>> Recordando o registo de 1972, eis Roger Waters, David Gilmour, Richard Wright e Nick Mason interpretando A Saucerful of Secrets, do álbum homónimo de 1968.

quinta-feira, setembro 28, 2017

Hugh M. Hefner (1926 - 2017)

Em 1953, com a edição nº 1 da Playboy
Criador da revista Playboy, o americano Hugh M. Hefner faleceu no dia 27 de Setembro na sua casa de Holmby Hills, Los Angeles — contava 91 anos.
Desde a publicação do primeiro número da Playboy — em Dezembro de 1953, com Marilyn Monroe na capa — até às suas recentes tomadas de posição em favor do casamento de pessoas do mesmo sexo, a história pessoal e profissional de Hefner cruza-se permanentemente com a história da cultura do sexo nos EUA. A consolidação da revista passou, obviamente, pela nudez das sua playmates, algumas famosas — Bettie Page (1955), Jayne Mansfield (1955), Stella Stevens (1960), Dorothy Stratten (1979), Shannon Tweed (1981), Pamela Anderson (1990), Jenny McCarthy (1993), etc. —, em paralelo com uma significativa abertura a discursos de vanguarda, do jazz à literatura, nomeadamente no período da chamada "contra-cultura" dos anos 60. Ficaram célebres, em particular, as entrevistas a personalidades como Miles Davis (1962), Ayn Rand (1964), Vladimir Nabokov (1964), Martin Luther King, Jr. (1965), Stanley Kubrick (1968), John Lennon e Yoko Ono (1981), Bette Davis (1982) ou Steve Jobs (1985). Entre os colaboradores que publicaram ficção ou ensaios nas páginas da Playboy podemos encontrar, por exemplo, Saul Bellow, John Updike, Joyce Carol Oates, Vladimir Nabokov, Michael Crichton, John le Carré, Kurt Vonnegut, Yevgeny Yevtushenko, David Mamet, Haruki Murakami e Margaret Atwood. Na área da ilustração, por lá passaram cartoonistas como Harvey Kurtzman, Jack Cole e Jules Feiffer.
Tamanha diversidade de conteúdos gerou uma ironia que sempre acompanhou a vida pública da Playboy: o leitor chic ou, pelo menos, moralmente prudente tende a proclamar que procura a revista "por causa dos artigos"... Em 2016, a Playboy decidiu deixar de publicar fotografias com nudez — a decisão foi anulada no número de Março-Abril de 2017.

>>> Entrevista a Hugh Hefner na revista Time (2008).


>>> Obituário no New York Times.

quarta-feira, setembro 27, 2017

LCD Soundsystem na BBC

Continuamos a escutar o magnífico American Dream, dos LCD Soundsystem, a banda que... não acabou. Tonite já tinha um teledisco, agora surge numa performance na BBC, no programa de Jools Holland — a escutar de novo, sem esquecer a excelência da realização televisiva.

"A Fábrica de Nada" — elogio da política

O que é um filme político? E um filme político em Portugal, 2017? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Setembro), com o título 'Uma fábrica muito portuguesa'.

Será que “este” filme vai salvar o cinema português? Ao longo de décadas, tenho ouvido esta pergunta nas mais diversas formulações, as bem intencionadas e as outras. Como sempre, a pergunta só pode ampliar um equívoco: o de confundir o cinema com um exercício de redenção religiosa, supostamente sancionado pelas forças cegas do mercado.
Vejo agora A Fábrica de Nada, de Pedro Pinho (em exibição), e pergunto-me que é feito das vozes que gostam de proclamar que há filmes portugueses que “apenas” servem para os festivais internacionais. Desapareceram essas vozes (tais como as que difamavam a obra de Manoel de Oliveira, mesmo sem saberem identificar um único dos seus filmes). Convenhamos que este seria um alvo preferencial: até finais de 2017, o filme estará presente em mais de meia centena de festivais, além de ter estreia assegurada numa boa dezena de países, incluindo França, Reino Unido e China.
Há uma velha e básica lição que importa relembrar: quando um filme tão visceralmente português — sobre a crise vivida numa fábrica que a respectiva administração tenta encerrar — obtém tais ecos, isso significa que a sua dimensão regional envolve um fortíssimo apelo universal. Os filmes não têm de ser todos assim, nem se espera (muito menos exige) que a ousadia criativa de A Fábrica de Nada possa gerar qualquer unanimismo cinéfilo e mediático. Acontece que estamos perante um objecto que arrisca lidar com o mundo do trabalho (tantas vezes reduzido a retóricas de esquerda e paternalismos de direita), inventando uma linguagem plural para encenar as suas convulsões.
Plenamente consciente do labirinto de informações com que, hoje em dia, lidamos com o mundo laboral, A Fábrica de Nada entra nesse labirinto para ver e sentir as suas diferenças e contradições. Por vezes, sobretudo na primeira parte, sentimo-nos vaguear no interior de um testemunho quase documental, de alguma maneira sugerido pelo grão das imagens, registadas com a “velha” película de 16mm. A certa altura, porém, percebemos que tal efeito de “reportagem” vai sendo contrariado, ou melhor, contraposto a cenas de respiração surreal e até a alguns momentos típicos de cinema musical.
Estamos, enfim, perante um filme capaz de nos confrontar com um tempo presente em que a reavaliação do próprio conceito de trabalho questiona os valores colectivos e as certezas individuais. Filme político, sem dúvida, desde logo porque não vemos nem ouvimos os protagonistas da cena política a lidar com este misto de desencanto e alegria.

segunda-feira, setembro 25, 2017

Charlotte Gainsbourg — teledisco de "Rest"

Já conhecíamos a canção-título do novo álbum de Charlotte Gainsbourg (a lançar em Novembro): Rest chega agora em teledisco, combinando de forma inventiva algumas imagens que vão criando tempos diferentes através da sua própria repetição — entre os autores de cinema convocados, estão Charlie Chaplin, Luis Buñuel e Claude Chabrol.

Kingsman, a sequela

* KINGSMAN: O CÍRCULO DOURADO, de Matthew Vaughn
[ DN, 21-09-2017 ]

Será que os “blockbusters” já só são pretextos para produzir... sequelas? Mesmo os exemplos mais brilhantes parecem não resistir ao flagelo das “continuações” por qualquer preço. Lembremos o brilhante Kingsman: Serviços Secretos (2014), uma realização de Matthew Vaughn, com Colin Firth e Taron Egerton, brincando inteligentemente com as convenções dos filmes de espiões mais ou menos ligados à tradição de James Bond. Pois bem, todos eles regressam em Kingsman: O Círculo Dourado para fabricar um daqueles objectos que confunde espectáculo com a acumulação de cenários destruídos... Julianne Moore é a “má da fita” que quer dominar o mundo através das drogas — e custa sempre ver um tão grande talento tão mal aproveitado; resta Elton John a fazer a sua própria caricatura, fingindo estoicamente que se está a divertir.

domingo, setembro 24, 2017

João Ferreira-Rosa (1937 - 2017)

Celebrizado pela sua interpretação do Fado do Embuçado, João Ferreira-Rosa faleceu no dia 24 de Setembro, no Hospital de Loures — contava 80 anos.
Muito para além do Embuçado, foi acima de tudo um intransigente e coerente defensor da tradição do fado, resistindo a contaminações fáceis, mais ou menos impulsionadas pela lógica mercantil da chamada "world music". A sua criatividade traduziu-se também nos poemas que escreveu para vários fados, incluindo os belíssimos Triste Sorte [video], Fado das Mágoas e Pedi a Deus. Em 1966, criou em Alfama a Taverna do Embuçado, durante as duas décadas que se seguiram um lugar emblemático do fado tradicional. Ontem e Hoje (1996), gravado no Palácio Pintéus, Loures (para cuja preservação e restauro a acção de Ferreira-Rosa foi determinante), é normalmente apontado como o álbum que melhor faz a síntese das suas qualidades de intérprete.

Ando da vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu.
Duma noite menos fria,
E em que não sinta a agonia
Dum dia a mais que morreu.

Vou cantando amargurado,
Mais um fado e outro fado
Que fale do fado meu.
Meu destino assim cantado
Jamais pode ser mudado
Porque do fado sou eu.

Ser fadista é triste sorte,
Que nos faz pensar na morte
E em tudo o que nós morreu.
E andar na vida à procura
Duma noite menos escura
Que traga luar do céu.


>>> Obituário no Diário de Notícias.

sábado, setembro 23, 2017

"Avatar" no pequeno ecrã

E se alguma verdade de um filme como Avatar ganhasse em ser vista num ecrã televisivo? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Setembro), com o título 'Na encruzilhada de “Avatar"'.

Oito anos depois do lançamento nas salas de Avatar (foi no Natal de 2009), reencontro o filme de James Cameron na televisão por cabo (TVCine & Séries). E não posso deixar de reconhecer que esta redescoberta me compele a reavaliar a minha relação relutante com o filme.
Peço alguma indulgência do leitor. Não se trata de reactivar um banal conflito de juízos de valor, polarizado entre o “bom” e o “mau”; aliás, perante objecto tão singular, é normal (parece-me mesmo salutar) que Avatar suscite os maiores contrastes entre os respectivos espectadores. E também ninguém pretende escamotear o lugar nuclear que o filme ocupa na dinâmica industrial e comercial do cinema da última década — com a sua utilização “pioneira” do 3D (sem esquecer que as três dimensões marcam a história do cinema desde a década de 1950), Avatar será mesmo, muito provavelmente, o filme mais influente de todo o século XXI.
James Cameron
Dito isto, confesso o meu escasso entusiasmo pela “novidade” tecnológica. É bem certo que, depois, foram aparecendo alguns (poucos) filmes que, a meu ver, utilizam o 3D de forma subtil, com inevitável destaque para dois títulos de 2011: As Aventuras de Tintin: O Segredo do Licorne, de Steven Spielberg, e A Invenção de Hugo, de Martin Scorsese. Ainda assim, a memória mais forte que tinha de Avatar ligava-se menos às proezas técnicas e mais à sua estrutura de aventura ecológica (esquemática, mas eficaz, um pouco à maneira dos mais nobres clássicos de série B), opondo os humanos ao povo azul do planeta Pandora.
Ora, a revisão de Avatar num ecrã caseiro de televisão envolve uma paradoxal revelação: não só o 3D se torna insolitamente irrelevante, como a composição das imagens (enquadramentos, movimentos e, sobretudo, a espantosa paleta de cores) surge depurada e valorizada. No limite, apetece dizer que a concepção visual de Cameron, resultante de um longo e paciente trabalho de produção (o primeiro esboço de argumento de Avatar surgiu em 1994), é “apenas” tradicional, aplicando e exibindo o 3D como um “gadget”... dispensável.
São sinais e dúvidas de toda uma encruzilhada expressiva, sintomática da complexa conjuntura audiovisual em que vivemos. Por um lado, o 3D, aproximando os filmes de algumas componentes dos jogos de vídeo, tem sido um elemento forte na recuperação de receitas cinematográficas; por outro lado, está ainda por provar a sua pertinência criativa. O que nos conduz a este curioso “absurdo”: Avatar pode ser mais interessante sem 3D, visto num tradicional ecrã caseiro.

Tricky, opus 13

Provavelmente, na paisagem de misticismos, monumentais ou irrisórios, por onde circula o trip hop de Tricky, o lançamento de um novo álbum de estúdio, identificado pelo assombrado nº 13, seria motivo para algum tipo de ritual de purificação moral ou purga estética. Podia até ser pretexto para uma demanda do mais ancestral realismo. Desenganemo-nos: dir-se-ia assumindo os 50 anos que se aproximam (Tricky, aliás, Adrian Nicholas Matthews Thaws nasceu a 27 de Janeiro de 1968, em Bristol, Inglaterra), Ununiform é apenas uma revisão da matéria dada. Apenas? No seu minimalismo intimista, capaz de integrar tanto a habitual colaboradora Martina Topley-Bird, como os rappers russos Smoky Mo e Scriptonite, sem esquecer as vozes singulares de Asia Argento e Avalon Lurks (esta numa versão do clássico Doll Parts, das Hole), Ununiform é isso mesmo: uma colecção de temas serenamente compactos, embora disponíveis para as atribulações do disforme, nele descobrindo novos equilíbrios melódicos ou cumplicidades rítmicas.
O teledisco que serve de cartão de visita ao álbum é um pequeno prodígio: realizado por Jenny Marie Baldoz, When We Die (com Martina Topley-Bird) devolve-nos a dor e poesia das ruas de Nova Iorque, através de um registo a meio caminho entre a frieza documental e a deambulação poética — talvez seja essa, afinal, a lógica primordial dos sons do trip hop.

sexta-feira, setembro 22, 2017

"A Fábrica de Nada" — Portugal, 2017

Um grande filme português, nacional e internacional, regional e universal — texto disponível no site do Diário de Notícias.

Chega finalmente às salas escuras o filme de Pedro Pinho, produzido pela Terratreme, A Fábrica de Nada. Nos últimos meses, mais precisamente desde Maio — quando ganhou um prémio FIPRESCI (crítica internacional) no Festival de Cannes —, tem sido o mais activo embaixador do cinema português no estrangeiro.
Magnífico paradoxo: o impacto internacional de A Fábrica de Nada enraíza-se, afinal, na sua dimensão visceralmente portuguesa. Como tem sido amplamente divulgado, nele se conta uma história que ecoa as mais recentes convulsões económicas vividas no nosso país. Tudo acontece, de facto, numa fábrica “assaltada” pela própria administração, retirando máquinas e matérias primas das instalações — adivinhando uma vaga de despedimentos, os trabalhadores decidem permanecer nos seus postos, tentando encontrar soluções para vencer o “nada” em que a situação ameaça desembocar...
O filme foi escrito por Pedro Pinho, Luísa Homem, Leonor Noivo e Tiago Hespanha, a partir de uma ideia de Jorge Silva Melo (decorrente da sua encenação da peça A Fábrica de Nada, de Judith Herzberg). Através do cruzamento de actores e não actores, assistimos, afinal, a um verdadeiro processo de interrogação, com o seu quê de “jornalístico”, de uma realidade complexa e multifacetada. E as perguntas que emergem são tão directas quanto incontornáveis. Que significa trabalhar? Quais as relações entre trabalho e dinheiro? Como viver num tempo que transformou trabalho e dinheiro em índices perturbantes de uma crise omnipresente?
Muito se tem falado do facto de, em determinado momento, A Fábrica de Nada se “desviar” para um registo musical, com as personagens a cantar e dançar. Em boa verdade, tal informação peca por simplismo. As matérias musicais são apenas um exemplo do jogo de contrastes que o filme ensaia, confrontando o tom “militante” de algumas cenas com o delírio surreal de outras, contrapondo o registo quase documental de certos momentos à assumida teatralidade de outros.
Tudo Vai Bem (1972), de Jean-Luc Godard, uma admirável reflexão sobre as mágoas herdadas de Maio 68, poderá ter sido (ou não) uma inspiração remota para o dispositivo de A Fábrica de Nada. Não se trata de encontrar “modelos” para um filme suficientemente ágil e inteligente para construir a sua própria linguagem. O certo é que há um paralelismo que faz sentido evocar: em ambos os casos, somos confrontados com a urgência dos problemas sociais e, ao mesmo tempo, com a necessidade, de uma só vez estética e política, de repensar os modos de tratamento cinematográfico de tais problemas.
A Fábrica de Nada é, enfim, um filme sobre a dificuldade de olharmos e compreendermos o mundo à nossa volta: o que nele acontece não se esgota num relatório “objectivo”, já que com ele percebemos que as imagens (e os sons) não reproduzem o mundo, antes o recriam de forma mais ou menos singular, eventualmente gerando novas hipóteses de olhar, sentir e pensar. Nessa medida, este é o mais político dos filmes. Porquê? Porque dispensa a retórica dominante na cena política, ousando celebrar o prazer de ver (e escutar) através do cinema.

terça-feira, setembro 19, 2017

Detroit — um retrato de Kathryn Bigelow

Will Poulter e Kathryn Bigelow
— rodagem de DETROIT
Kathryn Bigelow evoca os motins de Detroit, em 1967, naquele que é um dos filmes maiores de 2017 — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Setembro), com o título 'Kathryn Bigelow revisita convulsões dos anos 60'.

Na actual conjuntura de Hollywood, o novo filme de Kathryn Bigelow, Detroit, é a excepção que confirma a regra. Dito de outro modo: a regra dos grandes estúdios tende a privilegiar a produção e promoção de aventuras mais ou menos escapistas, vividas em cenários de outras galáxias; a excepção aposta no poder, eminentemente clássico, de o cinema nos confrontar com o mundo em que vivemos, das suas memórias às convulsões do presente.
Mas não simplifiquemos. É uma excepção relativa, se assim nos podemos exprimir — e que reflecte, em particular, a vitalidade de alguns sectores da chamada produção independente (neste caso, os estúdios Annapurna Pictures). Neste contexto, Bigelow, ela sim, está consagrada como uma das mais emblemáticas excepções: o seu Oscar de melhor realizadora por Estado de Guerra (2008) continua a ser o único dessa categoria alguma vez atribuído a uma mulher.
Abordando o envolvimento americano no Iraque, em Estado de Guerra, ou a perseguição a Osama Bin-Laden em 00:30, a Hora Negra (2012), Bigelow tem sido uma genuína artista política — e da política —, apostada em problematizar temas e situações em que os valores fundadores da identidade americana se confrontam com as suas próprias ambivalências e recalcamentos.
O caso de Detroit é, de novo, exemplar. Trata-se de evocar os motins que abalaram a cidade de Detroit, em 1967. O disparo acidental de uma arma (aliás, uma pistola de pólvora seca usada para os sinais de partida das provas desportivas) num motel da cidade, de nome Algiers, vai desencadear uma intervenção brutal da polícia. Mais exactamente: os agentes brancos da polícia lidam com os negros envolvidos no incidente através de um processo de crescente humilhação, violência e, por fim, homicídio.
Também aqui, importa não ceder a simplificações. O que aconteceu no Algiers, aliás amplamente investigado ao longo das décadas (em particular no livro de 1968, The Algiers Motel Incident, de John Hersey, jornalista então já distinguido com um prémio Pulitzer), está longe de ser tratado por Bigelow como um “fait divers” capaz de “simbolizar” o tema do racismo. Antes disso, o filme gasta o tempo necessário e suficiente para nos apresentar toda uma conjuntura social — ligada às lutas pelos direitos civis na América da década de 60 — em que a segregação dos negros surge como uma componente transversal. Nesta perspectiva, o filme Eu Não Sou o Teu Negro, de Raoul Peck, sobre o escritor James Baldwin (há pouco lançado em DVD), pode ser um complemento muito útil para compreender a conjuntura nacional em que ocorreram os factos abordados por Bigelow.
Sem nunca perder de vista tal conjuntura, Detroit é um filme tanto mais admirável quanto sabe elaborar uma complexa teia de personagens e relações que integra uma envolvente pulsação realista e “documental”. Recusando qualquer maniqueísmo que oponha “heróis” a “anti-heróis”, a sua narrativa desemboca, curiosamente, na odisseia (também ela verídica) do grupo vocal The Dramatics — para compreendermos as encruzilhadas da história colectiva, é preciso um pouco de tudo, incluindo a música [All Because of You, The Dramatics].

Cinema + sexo + "psicologia"

Una - Negra Sedução é um significativo exemplo de um pequeno grande filme pouco ou nada defendido pelas lógicas dominantes do mercado — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Setembro).

O mercado cinematográfico tem agravado um perverso contraste: de um lado estão os poucos filmes que desfrutam de grandes campanhas promocionais; do outro os muitos que, quase sem apoio publicitário (para mais ocupando um número reduzido de ecrãs), correm o risco de a sua existência nem sequer ser conhecida dos potenciais espectadores.
Como é óbvio, não há nenhuma relação, directa ou indirecta, entre as qualidades específicas de um filme e a sua promoção — nenhum filme é “mau” por ter grande cobertura publicitária, nenhum filme é “bom” por ser menosprezado pelos valores dominantes do marketing (ainda que isso não nos impeça de reconhecer que muitas linguagens desse marketing ignoram a pluralidade imensa, temática e estética, da produção cinematográfica contemporânea).
Benedict Andrews
Assim, há objectos cinematográficos que, mesmo quando se distinguem por uma singular ousadia temática, não conseguem surgir nas linhas da frente do mercado. É verdade que um “tema” forte, seja ele qual for, não faz um filme. Mas não é menos verdade que não é todos os dias que podemos descobrir um filme como Una – Negra Sedução, de Benedict Andrews, colocando em cena a relação sexual de um homem de 40 anos com uma menina de 12.
A personagem que dá pelo nome de Una (Rooney Mara) é a mulher que, quinze anos depois, regressa para confrontar Ray (Ben Mendelsohn) com aquilo que aconteceu. É uma revisitação de um trauma profundo que envolve uma perturbação tanto maior quanto a dimensão monstruosa daquela relação não exclui uma interrogação visceral. A saber: como viver sem os gestos do amor?
Nenhum resumo meramente factual pode condensar a pudica vibração de um filme que, além do mais, encontra no seu elenco uma expressão exemplar — Rooney Mara tem mesmo uma composição digna de Oscar, sem esquecer a talentosa Ruby Stokes que assume a personagem de Una com 12 anos. O modo de “mostrar” aquilo que aconteceu surge transfigurado em algo mais radical: baseado na peça Blackbird, de David Harrower (também responsável pela adaptação ao cinema), este é um filme que sabe preservar as intensidades próprias da palavra, quer dizer, a dificuldade imensa de conseguir dizer aquilo que realmente foi vivido por Una e Ray.
Estamos, então, perante um exemplo modelar de um cinema sem complexos de ser “psicológico”? O adjectivo é discutível, mas toca num ponto essencial: as forças dominantes dos mercados interessam-se pouco pelos corpos e desejos de personagens humanas, favorecendo antes os heróis digitais de outras galáxias.

segunda-feira, setembro 18, 2017

3 curtas portuguesas no cinema Ideal

Pedro Borges à porta do Ideal, na rua do Loreto
[FOTO: Orlando Almeida / DN]
Três curtas-metragens portuguesas foram lançadas pela Midas Filmes. Pedro Borges, director da distribuidora, também responsável pelo cinema Ideal, em Lisboa, comenta o evento — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (13 Setembro), com o título '“As curtas-metragens são para inventar, inovar, surpreender"'.

A comemorar três anos de existência, o cinema Ideal apresenta "3 Novas Curtas Portuguesas".É mais uma proposta da Midas Filmes, distribuidora, exibidora e produtora — Pedro Borges, fundador e director da empresa, faz o ponto da situação.

As curtas-metragens tornaram-se raras no actual sistema de distribuição/exibição. Que razões levaram a Midas Filmes a arriscar na apresentação deste programa com Cidade Pequena [Diogo Costa Amarante], Coelho Mau [Carlos Conceição] e Farpões Baldios [Marta Mateus]?
A estreia de uma curta-metragem foi sempre uma excepção e quase sempre "colada" a uma longa. Muito raramente correu bem. Esta ideia de juntar três filmes e dar-lhes um estatuto de "filmes à séria" surgiu da sua própria circunstância: três filmes muito bons, um Urso de Ouro de Berlim, ao mesmo tempo que duas curtas em Cannes e depois uma delas a receber o Grande Prémio de Vila do Conde. E a vontade de uma afirmação política clara numa altura em que o cinema português que interessa e o seu Instituto viveram uma dramática tentativa de assalto e privatização. Quer dizer, mostrar que há um cinema português que vem do Cinema Novo dos anos 60 (e que à excepção de Oliveira, sabia que tudo o resto que houve antes era abominável) e que foi passando o testemunho: estes jovens cineastas (e outros como eles) são dignos herdeiros dessa linhagem, têm um talento mais que evidente e uma vontade de fazer cinema muito estimulante. As curtas-metragens não são para macaquear a televisão nem para contar historietas, são para inventar, inovar, surpreender. Estas "3 Novas Curtas Portuguesas" são isso mesmo e a sua estreia é apenas a "continuação da (mesma) guerra por outros meios"…

Há um contraste evidente entre o número de curtas que se vão fazendo em Portugal e as que, efectivamente, são exibidas nas salas — para além deste exemplo concreto, que medidas se poderiam tomar para dar mais visibilidade aos filmes?
Não creio que seja uma circunstância exclusivamente portuguesa. E hoje em dia há todo um circuito em que os filmes circulam e são mostrados que tem um valor próprio: todos os dias do ano estão a acontecer por esse mundo fora umas centenas de festivais de cinema de todo o género e feitio que convocam milhões de espectadores. É outra coisa que não cinema, mas é também uma maneira de os filmes serem vistos.

Esta estreia no cinema Ideal acontece pouco depois da reposição de dois musicais clássicos de Jacques Demy, outro modelo de espectáculo pouco frequente nas salas — as apostas deste género vão continuar?
Hoje em dia tudo está disponível em todo o lado ao mesmo tempo. Se não contrariarmos esta ideia feita e não nos reinventarmos todos os dias, estaremos condenados. Estamos sempre a pensar em cem anos de filmes e a ver o que se está a fazer de novo.

A Midas mantém, em paralelo, um importante sector de edições em DVD. Do ponto de vista comercial, como funciona essa relação? O DVD pode ser decisivo ou é sempre a exibição em sala que define a performance de um filme?
Embora os cinemas estejam a morrer, a verdade é que só os filmes que existem nos cinemas é que verdadeiramente existem. Não economicamente — os resultados da sala de cinema são quase negligenciáveis —, mas como trabalho para durar no tempo. Porque os filmes que duram dois meses, já nascem mortos… Os filmes que interessam acabam sempre por ter uma vida saudável no cinema e depois no DVD e em todas as plataformas em que hoje em dia se vê cinema. Mas as salas de cinema são e serão sempre decisivas para que os bons filmes se dêem a conhecer e vivam.

Três anos depois da abertura do Ideal, que balanço se pode fazer da sua actividade? Estamos perante um relançamento do modelo tradicional das salas de "arte e ensaio"?
Creio que um pouco de estatística é importante: estreámos quase 200 filmes e só um terço deles era distribuição da Midas. Um quarto do total foram portugueses: 48 filmes. E documentários foram 44 e reposições 14. O nosso grande falhanço foi que, ao fim de três anos, apenas mais um cinema parecido com o Ideal reabriu (no Porto, o Trindade). Devia haver por esse país fora mais uma ou duas dúzias de cinemas assim. Não seremos nós a fazê-los, mas alguém deveria fazê-lo. Assim houvesse uma política pública para o cinema...

domingo, setembro 17, 2017

Soderbergh ou o gosto da independência (2/2)

Steven Soderbergh está de volta com um filme que celebra a pura alegria do espectáculo, relançando o seu gosto da independência — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Setembro), com o tíyulo 'Soderbergh celebra as aventuras dos "maus da fita"'.

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Descobrir um filme como Sorte à Logan é uma festa (enfim, descontando o título português...). Apetece dizer que Steven Soderbergh possui a audácia necessária e suficiente para merecer a sorte que tem. Quando surgiu no Festival de Cannes, em 1989, contava 26 anos, ninguém sabia de onde vinha aquele independente “made in USA” — o certo é que trazia um cartão de visita com um título de muitas ressonâncias simbólicas, Sexo, Mentiras e Vídeo, e... arrebatou a Palma de Ouro.
Depois, já o vimos a dirigir coisas magníficas como Erin Brockovich (2000), Traffic (2000) ou O Bom Alemão (2006) e o certo é que, mesmo quando teve à sua disposição orçamentos consideráveis (Ocean’s Eleven custou 85 milhões de dólares), continuámos a encará-lo como símbolo exemplar da mesma independência. Porquê? Porque a sua estratégia não consiste em demonizar os grandes estúdios, mas em trabalhar para que o seu sistema acolha a diversidade criativa que ele próprio personifica como poucos.
O caso de Sorte à Logan é duplamente exemplar: primeiro, porque não é todos os dias que descobrimos um cineasta com tão sofisticado talento narrativo a fazer um filme com verdadeiras personagens, sustentadas por talentosos actores, sem depender de confusões visuais fabricadas por departamentos de efeitos especiais; depois, porque, desta vez, Soderbergh apostou em distribuir o seu filme no mercado americano também de forma independente (tendo mesmo criado uma empresa, Fingerprint Releasing, para tal fim). Do ponto de vista financeiro, os resultados são, para já, interessantes, sem serem espectaculares. Seja como for, o gesto de Soderbergh envolve um desafio que, sendo comercial, é também visceralmente artístico: Hollywood pode não ser um rótulo, mas sim um modelo de criatividade.

Queer Lisboa — um belo filme de Francis Lee

A 21ª edição do Queer Lisboa começou com a exibição de God's Own Country, longa-metragem de estreia do veterano actor e encenador Francis Lee. Podemos resumi-la através de uma sinopse muito simples: esta começa por ser a história da vida monótona, vazia de sentidos, de Johnny Saxby (Josh O'Connor) numa quinta de Yorkshire; tudo vai mudar quando a chegada de Gheorghe Ionescu (Alec Secareanu), trabalhador proveniente da Roménia, o expõe às convulsões do amor.
Na relação dos dois homens podemos detectar as matrizes clássicas do género melodramático. Assim é, de facto, embora seja importante acrescentar que a sua subtileza e eficácia passa, neste caso, pela preservação dos valores (também clássicos) do grande realismo britânico. Nesta perspectiva, a verdade dos corpos e dos gestos vai a par da metódica encenação da vida rural — especialmente impressionante no modo como o filme integra na ficção todas as fases de tratamento das ovelhas da quinta —, numa dialéctica de grande delicadeza emocional e rigor dramático. Em resumo, uma verdadeira revelação, infelizmente, pelo menos para já, sem perspectivas de exibição comercial no mercado português.

Aventuras de Thom Yorke num elevador

Thom Yorke entra num elevador e parece nunca mais poder chegar ao seu destino... Realista na ambiência, surreal na ficção, assim é o teledisco de Lift, desconcertante e envolvente aventura filmada por Oscar Hudson — a canção é uma das novidades incluídas no alinhamento de OKNOTOK, a edição comemorativa dos 20 anos de OK Computer.

This is the place
Sit down, you’re safe now
You’ve been stuck in a lift
We’ve been trying to reach you, Thom
This is the place
It won’t hurt ever again

The smell of air conditioning
The fish are belly up
Empty all your pockets
Because it’s time to come home

This is the place
Remember me?
I’m the face you always see
You’ve been stuck in a lift
In the belly of a whale
At the bottom of the ocean

The smell of air conditioning
The fish are belly up
Empty all your pockets
Because it’s time to come home

The smell of air conditioning
The fish are belly up
Let it go

Today is the first day
Of the rest of your days

So lighten up, squirt

sábado, setembro 16, 2017

Harry Dean Stanton (1926 - 2017)

Actor lendário, mil vezes secundário, parecendo sempre principal, o americano Harry Dean Stanton faleceu no dia 15 de Setembro, no Cedars-Sinai Medical Center de Los Angeles — contava 91 anos.
A sua apurada formação musical parecia encaminhá-lo para uma carreira que não seria exactamente cinematográfica. É certo que manteve sempre alguma actividade musical com a sua banda (em 2014, publicou o álbum Partly Fiction, ligado a um documentário homónimo), mas acabou por se impor como um brilhante secundário, tão discreto quanto complexo.
Estudou artes dramáticas na Pasadena Playhouse, na Califórnia. Depois da Segunda Guerra Mundial (ocupou um posto de cozinheiro durante a batalha de Okinawa), começou uma carreira regular que, em cinema e televisão, o levaria a participar em mais de duas centenas de títulos. Entre as suas personagens mais famosas incluem-se o frágil Brett que, em Alien - O Oitavo Passageiro (1979), de Ridley Scott, é esmagado pelo monstro, ou Travis, o homem errante de Paris, Texas (1984), de Wim Wenders, à procura das suas raízes familiares.
Vimo-lo em Duelo na Poeira (1973), de Sam Peckinpah, O Padrinho: Parte II (1974) e Do Fundo do Coração (1981), ambos de Francis Ford Coppola, A Última Tentação de Cristo (1988), de Martin Scorsese, Um Coração Selvagem (1990), de David Lynch (um dos cineastas que o dirigiu mais vezes), The Green Mile/À Espera de um Milagre (1999), de Frank Darabont, Este é o Meu Lugar (2011), de Paolo Sorrentino, etc., etc.
Sempre de postura contida, Harry Dean Stanton sabia criar presenças em que sentíamos, ou pressentíamos, algo mais para além dos olhares e dos gestos — foi um minimalista de génio. Um dos seus derradeiros papéis ocorreu na nova série Twin Peaks (2017), retomando, aliás, a personagem de Carl Rodd que Lynch já lhe entregara em Twin Peaks: Os Últimos Sete Dias de Laura Palmer (1992).

>>> A morte de Brett em Alien + Travis na abertura de Paris, Texas (música de Ry Cooder) + Harry Dean Stanton cantando no Festival de Cinema de Los Angeles (2013).






>>> Obituário no New York Times.
>>> Os 90 anos de Harry Dean Stanton na revista Interview.

quinta-feira, setembro 14, 2017

John Carpenter — "Christine" em teledisco

John Carpenter tem andado a arrumar, e editar, as suas memórias musicais — afinal de contas, ele é autor de várias bandas sonoras dos seus filmes. Assim, está agendado para 20 de Outubro o lançamento de Anthology: Movie Themes 1974-1998, ou seja, abrangendo o período que vai de Dark Star (1974) a Vampiros (1998), incluindo, entre outros, Assalto à 13ª Esquadra (1976), porventura o seu tema musical mais conhecido, O Nevoeiro (1980) e Christine (1983). Recordando Christine, precisamente, brilhante adaptação do livro de Stephen King, Carpenter realizou um delicioso teledisco, retomando a imagem do "carro assassino" (era o subtítulo português) e propondo uma perversa variação romântica — com Rita Volk e... adivinhem quem.

>>> Teledisco de Christine + abertura do filme Christine + 6 temas do novo álbum.






>>> Site oficial de John Carpenter.

Fernanda Borsatti (1931 - 2017)

Actriz de sóbria versatilidade, com uma longa carreira em teatro, televisão e cinema, Fernanda Borsatti faleceu no dia 14 de Setembro, no Hospital da CUF, em Lisboa, vítima de doença prolongada — contava 86 anos.
Com uma carreira que se desenvolveu ao longo de seis décadas, foi a televisão que a transformou numa figura muito popular, desde 1957, ano do início das emissões da RTP — aí participou em emissões pioneiras de teatro, muitas delas emitidas em directo. Embora com um genuíno talento dramático, terá sido através da comédia que se inscreveu no imaginário popular [veja-se o video, aqui em baixo, de um sketch de Borsatti, com Raul Solnado, no programa Zip-Zip]; depois, surgiu também em programas como Eu Show Nico, Lá em Casa Tudo Bem ou Residencial Tejo (este na SIC).
Começou no teatro em meados dos anos 50, representando em todos os registos e contracenando com Raul Solnado, Artur Semedo, Armando Cortez, Eunice Muñoz, Ivone Silva, etc. Integrou o elenco de O Vison Voador, protagonizado por Raul Solnado, espectáculo de enorme sucesso em finais dos anos 60. Passou por mais de uma dezena de companhias, incluindo o Teatro Maria Vitória, a Companhia Laura Alves e a Casa da Comédia, tendo integrado o elenco do Teatro Nacional D. Maria II entre 1978 e 2001. Embora de forma menos regular, o cinema foi também pontuando a sua actividade, tendo surgido em filmes como Sangue Toureiro (1958), de Augusto Fraga, Pão, Amor e... Totobola (1964), de Henrique Campos, Domingo à Tarde (1966), de António de Macedo, A Vida É Bela?! (1982), de Luís Galvão Teles, A Mulher do Próximo (1998), de José Fonseca e Costa, e A Corte do Norte (2008), de João Botelho. Em 2007, Fernanda Borsatti recebeu a Medalha de Mérito Municipal (Grau Ouro), atribuída pela Câmara Municipal de Lisboa.


>>> Obituário no Diário de Notícias.

Frank Vincent (1939 - 2017)

Actor emblemático da série televisiva The Sopranos, o actor americano Frank Vincent faleceu no dia 13 de Setembro, em New Jersey, na sequência de uma operação ao coração — contava 80 anos.
Com apurada formação musical, foi na juventude um talentoso baterista. No cinema, começou a ser notado em O Touro Enraivecido (1980), de Martin Scorsese. Voltaria a ser dirigido por Scorsese em Tudo Bons Rapazes (1990) e Casino (1995). Surgiu também, por exemplo, em Não Dês Bronca (1989) e A Febre da Selva (1991), ambos de Spike Lee, Pensamentos Mortais (1991), de Alan Rudolph, O Lado Obscuro da Lei (1996), de Sidney Lumet e Copland (1997), de James Mangold, quase sempre assumindo personagens que acentuavam as suas raízes italianas. Em qualquer caso, foi a violenta personagem de Phil Leotard, em Os Sopranos (2004-2007), que o tornou conhecido das maiores audiências [video com uma cena da série]. Em 2006, publicou A Guy's Guide to Being a Man's Man, livro apresentado como uma reflexão irónica, em parte auto-biográfica, sobre os valores masculinos.


>>> Obituário no New York Times.
>>> Site oficial de Frank Vincent.

quarta-feira, setembro 13, 2017

Charlotte Gainsbourg — nova canção

Chama-se Rest e é o cartão de visita do novo álbum (homónimo) de Charlotte Gainsbourg, agendado para 17 de Novembro. Com produção de Guy-Manuel de Homem-Christo, a canção é uma deambulação, confessional e intimista, conjugando palavras francesas e inglesas — uma pérola de contenção e sensibilidade.

Prends-moi la main, s'il te plaît
Ne me laisse pas m'envoler
Reste avec moi, s'il te plaît
Ne me laisse pas t'oublier

We're walking in the air
 We're floating in the moonlit sky
 I'm finding I can fly
 So high above with you
Reste avec moi, s'il te plaît
Ne me laisse pas t'oublier
Prends-moi la main, en secret
Je te laisserai m'envoler

M'envoler
T'embrasser
Te toucher
Accepter
D'oublier
M'envoler
T'embracer
Te toucher

We're walking in the air
Riding in the midnight blue

[...]

Patti Smith em "The Tonight Show"

Antecipando um concerto de evocação e homenagem ao seu marido Fred "Sonic" Smith (1949-1994), a realizar no Central Park, Patti Smith foi convidada de Jimmy Fallon, em The Tonight Show. Interpretou o clássico People Have the Power, que ela compôs com Fred, em 1988. Contou com os filhos, Jesse Paris Smith (teclados) e Jackson Smith (guitarra), Tony Shanahan (baixo) e Questlove (bateria, de The Roots, banda residente do programa) — para incluir no top dos grandes momentos televisivos de 2017.

Peter Hall (1930 - 2017)

[FOTO: Martin Pope / The Telegraph]
Figura tutelar das últimas seis décadas do teatro britânico, Peter Hall faleceu em Londres, no dia 11 de Setembro — contava 86 anos.
A criação da Royal Shakespeare Company no começo da década de 60 e a direcção do National Theatre (1973-1988) bastariam para conferir a Hall um lugar único na história moderna do teatro, e tanto mais quanto toda a sua actividade foi no sentido de preservar um importante apoio público à actividade teatral, em particular, e ao domínio artístico, em geral. Para além disso, o seu historial como encenador é impressionante, incluindo a estreia mundial em língua inglesa de À Espera de Godot, de Samuel Beckett (em 1955, no Arts Theatre), e múltiplas abordagens de textos de Shakespeare, Tennessee Williams, Harold Pinter, Edward Albee, Jean Anouilh, etc., etc.
A ópera, o cinema e a televisão fazem também parte do seu currículo. Entre os seus filmes, para além de várias adaptações de Shakespeare, encontramos Three into Two Won't Go (1969), um drama pleno de sarcasmo capaz de expor as ambiguidades emocionais e morais dos usos e costumes da época — com Rod Steiger, Claire Bloom e Judy Geeson, foi lançado entre nós como A Rapariga do Auto-Stop [genérico de abertura].
Hall escreveu vários livros, incluindo a auto-biografia Making An Exhibition of Myself (2000) e ainda The Necessary Theatre (1990), Exposed by the Mask (2000) e Shakespeare's Advice to the Players (2003). Foi director artístico do Glyndebourne Festival Opera (1984–1990); em 1998, formou a Peter Hall Company. Twelfth Night, de Shakespeare, em 2011, no National Theatre, ficou como a sua derradeira encenação.


>>> Obituário no jornal The Guardian.
>>> Memória de Peter Hall no site da Royal Shakespeare Company.