sexta-feira, julho 14, 2017

Directed by Fred Zinnemman [1952]

Julie Harris e Ethel Waters
FRANKIE E O CASAMENTO (1952)
Um grande acontecimento cinéfilo: a possibilidade de (re)descoberta de um belíssimo filme esquecido de Fred Zinnemann — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Julho), com o título 'O cinema maior que a vida'.

Os canais TVCine & Séries têm vindo a assumir um interessantíssimo papel na revisitação das memórias clássicas do cinema. Não só pela diversidade de filmes “antigos” que apresentam, mas também pela excepcional qualidade da maior parte das cópias que programam.
Assim acontece com um verdadeiro diamante esquecido, actualmente a passar no TVCine2. Produzido em 1952, chama-se The Member of the Wedding e adapta o romance homónimo de Carson McCullers, publicado em 1946, centrado na jovem Frankie, de 12 anos, que vive as suas muitas formas de inadaptação através de uma exuberante pose masculina (uma típica figura de um “tomboy”, no tradicional dizer anglo-saxónico). O filme está a passar como Frankie e o Casamento, título da tradução portuguesa do romance (ed. Relógio d’Água).
Frankie é uma daquelas personagens maiores que a vida, cuja energia, misto de pudor e sensualidade, instinto e racionalismo, está muito para além da mera ambivalência sexual (e não será necessário sublinhar que Frankie é uma “emenda” do seu verdadeiro nome, Frances). Num misto de ironia e drama, as suas convulsivas emoções surgem agravadas pelo facto de o irmão mais velho não aceitar que Frankie o acompanhe... na lua de mel. Em todo o caso, não há nada de pitoresco ou anedótico em tais atribulações — esta é uma aventura íntima, poética e dilacerada, sobre uma cristalina demanda de amor.
Na história do cinema, eis um filme admirável, capaz de nos ajudar a corrigir algumas ideias feitas sobre a idade de ouro de Hollywood. Desde logo através da sublime composição de Julie Harris na personagem central. Proeza radical, importa lembrar: afinal de contas, ela tinha 27 anos quando interpretou Frankie, sem que isso coloque qualquer problema de verosimilhança. Porquê? Sem dúvida porque a verdade mais íntima de cada personagem passa, aqui, pela textura das palavras, provenientes da versão do romance para os palcos da Broadway, escrita pela própria autora. Além de Harris, o elenco integra os nomes principais do elenco teatral, incluindo Ethel Waters e Bradon De Wilde.
Carece de revisão, por isso, a ideia de que Julie Harris foi “apenas” o par de James Dean em A Leste do Paraíso (1955), de Elia Kazan. Enfim, lembremos também que a realização é de Fred Zinnemann, quase sempre citado apenas pelos clássicos que assinou antes e depois: O Comboio Apitou Três Vezes (1952) e Até à Eternidade (1953). Depois de vermos Frankie e o Casamento, compreendemos que ele é ainda mais importante do que poderíamos pensar.