quarta-feira, março 08, 2017

Um "toque" de Lubitsch (1/2)

A obra do genial Ernst Lubitsch (1892-1947) está em foco ao longo dos meses de Março e Abril na Cinemateca — este texto foi publicado no Diário de Notícias (5 Março).

Quando evocamos os autores clássicos de Hollywood que nasceram na Alemanha, quase sempre ficamos por aqueles que criaram universos de intenso dramatismo, como é o caso de Fritz Lang. Enfim, convenhamos que Lang é um dos maiores cineastas de toda a história do cinema... Em todo o caso, importa contrariar essa tendência “séria” e voltar a valorizar o génio de Ernst Lubitsch, mestre absoluto das nuances da comédia. É isso mesmo que podemos fazer através do ciclo “Lubitsch americano” que a Cinemateca apresenta ao longo de dois meses (filmes sonoros em Março, produções mudas em Abril).
Aliás, as próprias coordenadas do género cómico não bastam para caracterizar a pluralidade criativa de Lubitsch. Desde logo porque o primeiro e essencial capítulo da sua formação foi como actor, na companhia de Max Reinhardt — como a sua obra amplamente demonstra, ele possuía um “feeling” especial para as nuances da representação, sabendo reconhecer e exponenciar as singularidades dos seus actores e actrizes.
Nascido em Berlim, a 29 de Janeiro de 1892, acabaria por se impor no cinema como realizador, nomeadamente através de alguns títulos em que dirigiu a lendária Pola Negri, como Carmen (1918) ou Madame DuBarry (1919). Filmes como estes, a par do épico A Mulher do Faraó (1922), com Emil Jannings, deram-lhe uma imagem de marca de competência técnica e versatilidade narrativa, de tal modo que, quando se estreou nos EUA, dirigindo Mary Pickford em Rosita, Cantora das Ruas (1923), era apelidado o “Griffith europeu” (na altura, D. W. Griffith já tinha dirigido as super-produções O Nascimento de uma Nação e Intolerância, respectivamente em 1915 e 1916).
Parada de Amor (1929), recriando a ligeireza das comédias românticas e alguns filmes-opereta europeus, terá sido o momento da consagração plena. Centrado no par Jeanette MacDonald/Maurice Chevalier (que Lubitsch viria a dirigir diversas vezes, incluindo no célebre A Viúva Alegre, 1934) valeu-lhe a primeira de três nomeações para o Oscar de melhor realização que nunca ganhou — veio a receber um prémio honorário da Academia de Hollywood, em Março de 1947, apenas poucos meses antes do seu falecimento, a 30 de Novembro.
Ao longo da sua carreira, mesmo tendo passado por vários dos maiores estúdios de Hollywood (Warner, Paramount, Fox), foi desenvolvendo uma obra tão pessoal quanto coerente que, a certa altura, lhe valeu o reconhecimento de um “toque” muito especial: “the Lubitsch touch”.