quarta-feira, novembro 30, 2016

Violência doméstica — um filme da Grécia

Miss Violence retrata de forma contundente uma situação de violência doméstica — esta nota foi publicada no Diário de Notícias (24 Novembro).

É bem verdade que o calendário do mercado cinematográfico português continua marcado por muitos desequilíbrios: o filme grego Miss Violence, por exemplo, tem data de 2013 e só agora chega às nossas salas. Em todo o caso, seria errado diminuir a sua importância temática e também as qualidades da realização de Alexandros Navras — foi, aliás, distinguido em Veneza/2013 com o prémio de realização, tendo o protagonista Themis Panou arrebatado um prémio de interpretação.
Trata-se de construir um olhar sobre a violência doméstica, não a partir de abstracções “sociológicas” mais ou menos “simbólicas”, mas sim de dar conta da paisagem íntima de uma família cujo pai (interpretado por Themis Panou, precisamente) mantém as mulheres de sua casa num regime de repressão e abuso sexual verdadeiramente dantesco — tudo através de um exacerbado culto das aparências. Contando com um leque de excelentes actores, Navras trabalha num registo de intenso realismo de que está ausente qualquer especulação gratuita ou sensacionalista.

terça-feira, novembro 29, 2016

"Northern Star" [canções]

HOLE
Northern Star
Celebrity Skin (1998)


Herzog, a Net e o nosso futuro

Werner Herzog faz o inventário da Internet, passado, presente e futuro — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Novembro), com o título 'Herzog interroga o mundo da Internet'.

Esta semana, no panorama das estreias, deparamos com uma opção sugestiva e feliz: a actividade da nova empresa Cinema Bold (ligada à distribuidora Alambique) arranca com o lançamento do filme de Werner Herzog, Eis o Admirável Mundo em Rede. O projecto de difundir filmes “não alinhados” (o rótulo de “independentes” talvez já não seja suficiente) que nos convoquem de forma original para os temas mais diversos, e também mais actuais, fica bem ilustrado por este documentário que nos faz ver que talvez ainda não tenhamos prestado a devida atenção ao novelo de temas, problemas e perplexidades que o mundo virtual contém ou suscita.
Afinal de contas, é bem verdade que a evolução fulgurante da Internet continua a atrair uma beatitude pueril, não poucas vezes sancionada pela retórica mediática. Por exemplo, como podemos descrever a muito badalada Web Summit para além dos entediantes lugares-comuns que a envolveram? Foi um grande acontecimento pelas ideias que atraiu, produziu e divulgou, ou apenas porque a linha verde do Metro duplicou o número de carruagens?...
Werner Herzog
Com a sua contagiante ironia, Herzog é o primeiro a reconhecer que a evolução das novas tecnologias envolve debates muito sérios e também fenómenos mais ou menos caricaturais. Um dos seus entrevistados é mesmo um criador de robots que jogam futebol, crente de que a sua equipa, um dia, reduzirá Cristiano Ronaldo a uma personagem banal... Porque não? O que importa reter é a evidência, também ela irónica, por vezes trágica, de que nada do que é humano está a escapar às convulsões deste admirável mundo em rede (ou do “mundo conectado”, traduzindo à letra a expressão que está no título original).
Em boa verdade, o documentário de Herzog segue uma lógica mais ou menos tradicional, combinando entrevistas com diversas personalidades (professores, investigadores, investidores) e uma voz off (do próprio realizador) que, com salutar distanciamento jornalístico, nos vai lembrando que o fascínio imediato dos factos da Internet pode e deve ser temperado pela interrogação mais extrema: através do mundo em rede, estamos a diversificar as conexões dos seres humanos ou, no limite, a transfigurar (e destruir) as mais ancestrais noções de humanidade e humanismo?
Escusado será sublinhar que estamos perante um filme de sedutora actualidade, confirmando a energia do olhar documental do veterano cineasta alemão (nascido em Munique, em 1942). E não deixa de ser irónico, também, que a sua obra se tenha afirmado através de títulos tão peculiares como Aguirre, a Cólera de Deus (1972) ou Nosferatu, o Fantasma da Noite (1979), em que a utopia, o sonho e o pesadelo funcionavam como caminhos de superação dos limites de qualquer existência normal. Dir-se-ia que Herzog redescobriu as delícias do fantástico através do didactismo do género documental.

segunda-feira, novembro 28, 2016

"Girlshapedlovedrug" [canções]

GOMEZ
Girlshapedlovedrug
How We Operate (2006)


Mike Watt — a solo e bem acompanhado

Nascido em Portsmouth, Virginia, em 1957, Mike Watt é um dos mais activos, influentes e talentosos dinossauros do rock. Ligado à história de diversas bandas alternativas, com destaque para Minutemen e Firehose, iniciou uma carreira a solo, em 1995, com o álbum Ball-Hog or Tugboat?, em que contou com a colaboração de notáveis como Dave Grohl, Eddie Vedder, Evan Dando, Thurston Moore ou Pat Smear (que interpreta uma espantosa e muito crua versão de Secret Garden, de Madonna). Vários deles integraram, então, a digressão de apresentação do álbum cujos registos surgem, agora, editados sob a designação "Ring Spiel" Tour '95 — são momentos emblemáticos de um post-punk temperado de grunge em que, por assim dizer, podemos escutar a síntese de muitas correntes em tudo e por tudo estranhas às lógicas dominantes do marketing musical.
Aqui ficam duas performances dessa época, magníficos exemplos da dinâmica agregadora de Watt, com Vedder, Grohl e Smear em evidência: primeiro, um registo de Habit, em palco; depois, o tema Big Train, interpretado em The Jon Stewart Show.



O sr. Zuckerberg e o sr. Trump

FOTO: Under30CEO
Afinal, algumas televisões que proclamavam o Facebook como um imaculado milagre de civilização, estão preocupadas com a possibilidade de os circuitos de Mark Zuckerberg não terem sido exactamente neutros na eleição de Donald Trump... A sério? — este crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (25 Novembro), com o título 'Quem tem medo do Facebook?'

Subitamente, o Facebook tornou-se assunto de debate em muitas televisões, com resultados que envolvem um misto de perturbação e ridículo. Não quero cair em generalizações fáceis, quanto mais não seja porque a abundância de canais torna impossível qualquer avaliação definitiva. Em todo o caso, registo: dos dois lados do Atlântico, canais de diferentes conteúdos e sensibilidades parecem estar genuinamente preocupados com o facto de as notícias falsas publicadas no Facebook em torno do candidato Donald Trump (p. ex.: o apoio que teria recebido do Papa Francisco) terem contribuído decisivamente para a sua eleição para a Casa Branca.
O assunto é grave. E exige formas de reflexão muito sérias, em particular porque o Sr. Mark Zuckerberg proclamou (numa célebre carta aos investidores do Facebook, em 2012) que as redes sociais podem trazer “mais responsabilização aos executivos e melhores soluções para alguns dos maiores problemas do nosso tempo”. Como recorda um recente editorial de The New York Times (19 Novembro), “nada disso irá acontecer se ele continuar a deixar mentirosos e vigaristas tomar conta da sua plataforma.”
O que é que isto tem a ver com as televisões? Tem tudo a ver. Muitos discursos televisivos, combinando indiferença e futilidade, gostam de celebrar as redes sociais — com destaque para o Facebook — como um oráculo divertido e juvenil, dispensado de qualquer forma de responsabilidade e responsabilização. Em muitos canais, a atitude dominante face ao Facebook sempre foi de lamentável ligeireza, não poucas vezes citando os seus conteúdos como fonte inquestionável de informação. Que, agora, esses mesmos canais convoquem especialistas, estatísticas e apresentadores de olhar inquieto para nos dizerem que vem aí o lobo... eis uma farsa que dá que pensar: andavam apenas distraídos ou estão a gozar com os espectadores?

domingo, novembro 27, 2016

OK Go à velocidade da luz

Se há banda contemporânea cuja história musical se identifica, antes do mais, por uma história visual, essa banda é OK Go, de Chicago. Os seus telediscos definem mesmo um capítulo à parte na saga dos clips musicais, distinguindo-se por um sentido da performance que se confunde com as cumplicidades mais extremas entre coreografia e tecnologia. A sua mais recente proeza chama-se The One Moment — a canção, do álbum Hungry Ghosts (2014), é transfigurada e reinventada numa realização absolutamente surreal de Damian Kulash, vocalista e guitarrista da banda. O mínimo que se pode dizer é que tudo acontece à velocidade da luz, sendo depois remontado para a duração própria de uma canção. That's entertainment!

Moana, Vaiana & etc.

Decididamente, os padrões narrativos dos estúdios Disney estão em crise — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Novembro), com o título 'O particular e o universal'.

A abundância de herdeiros não garante a vitalidade de uma tradição. Veja-se, entre nós, a agonia do fado: quanto mais os fadistas “nascem das pedras da calçada” (para utilizar a linguagem de um delicioso momento de humor de Os Contemporâneos, em 2008, na RTP), mais os representantes dessa tradição são “obrigados” a assumir um modernismo postiço. Dir-se-ia que algo de semelhante está a acontecer com os desenhos animados e, em particular, com os estúdios Disney.
A estreia de Vaiana é sintomática, para mais surgindo assombrada por um conflito legal que, em vários países, incluindo Portugal, levou a mudar o título original Moana (marca registada de alguns produtos de perfumaria). O problema de fundo envolve a generalização dos recursos digitais, mesmo se nela não se esgota. É verdade que, por vezes, tais recursos tendem a criar imagens de uma “limpeza” simplista, em que já ninguém se distingue pela singularidade do corpo — compare-se com o velho Pinóquio (1940) e avaliem-se as diferenças. Acima de tudo, parece ter-se perdido o gosto pela criação de personagens que não se reduzam a um “simbolismo” simplista e, em boa verdade, decidido desde as primeiras cenas.
Moana ou Vaiana é a menina que vai, obviamente, fazer-se ao mar para lá do limite estabelecido pelo pai (a barreira de recife), mobilizando o semi-deus Maui para salvar o seu mundo paradisíaco... A possível dimensão épica de tudo isto é limitada por um método de banal acumulação de “números”, em que a canções de Lin-Manuel Miranda (na sua versão original, bem entendido) talvez constituam o trunfo mais elaborado e estimulante. O certo é que a preocupação de contar histórias “universais” faz perder os particularismos dramáticos — convenhamos que a tradição Disney é melhor que isso.

* * * * *

PS [1] - O site oficial de Moana está em movies.disney.com/moana. O certo é que quando tentamos aceder a esse site, vamos parar a disney.pt; observe-se: movies.disney.com/moana — aliás, isto acontece já há algum tempo com todas as produções do estúdio. Na prática, a Disney impede o espectador português interessado em conhecer os sites dos seus filmes, impondo-lhe a entrada numa loja online. Escusado será dizer que tal dispositivo, além de deselegante, apenas contribui para manchar a imagem de marca dos estúdios e, em última instância, o prestígio do seu património. A globalização é o contrário desta mercantilização.

PS [2] - Exemplo ainda mais chocante — veja-se o que acontece quando tentamos aceder ao site oficial de uma obra-prima como Pinóquio: movies.disney.com/pinocchio.

A IMAGEM: Burt Glinn, 1959

BURT GLINN
Fidel Castro - Havana, Cuba, 1959
MAGNUM: A Life in Pictures

sábado, novembro 26, 2016

David Hamilton (1933 - 2016)

FOTO: Wikipedia
As suas imagens ilustram uma certa noção de erotismo, típica da década de 1970: o fotógrafo inglês David Hamilton foi encontrado inconsciente no seu apartamento de Paris, no dia 25, vindo a falecer pouco depois — contava 83 anos.
De acordo com a agência Reuters, fonte policial terá admitido tratar-se de um suicídio (que, em qualquer caso, não foi oficialmente confirmado). A morte de Hamilton ocorreu pouco tempo depois de Flavie Flament (n. 1974), apresentadora da rádio francesa que para ele pousou na adolescência, o ter acusado de a violar aos 13 anos, dizendo saber de outras mulheres que passaram por experiências semelhantes. Hamilton negou a acusação, tendo ameaçado processá-la por difamação — a sua declaração ocorreu no dia 22, três dias antes da morte.
Através das suas fotografias de raparigas nuas, em poses quase sempre registadas com filtros difusores, Hamilton foi um dos símbolos de uma certa revolução iconográfica que marcou a década de 70, em particular nas revistas dedicadas a audiências masculinas ou em algum cinema "libertador" da imagem da mulher — Emmanuelle, por exemplo, surgiu em 1974, impondo Sylvia Kristel como símbolo desse fenómeno indissociavelmente cultural e comercial. Ele próprio exprimiu-se através do cinema, sendo Bilitis (1977), centrado na iniciação sexual de uma jovem durante as férias de Verão, a sua realização mais conhecida; alguns dos seus filmes, incluindo Bilitis e Tendre Cousines (1980), deram origem à edição de álbuns fotográficos homónimos. 
Formatada e repetitiva, a "estética" de Hamilton pode (e deve) ser contextualizada na época da sua afirmação, um tempo marcado de forma plural e contraditória pela herança das ilusões libertárias da década de 60 — ele foi, afinal, arauto de um "feminismo" de grande maniqueísmo ideológico, em todo o caso muito mediatizado e sustentado por grandes fenómenos comerciais (contemporâneo de notáveis obras de cinema, como O Último Tango em Paris, lançado em 1972, capazes de discutir e superar os estereótipos sexuais do seu próprio presente).
A abordagem do trabalho fotográfico de Hamilton a pretexto de considerações posteriores (até aos nossos dias) sobre as redes e práticas de pedofilia corre o risco de escamotear a sua inserção, profissional e simbólica, numa paisagem de reconversão dos próprios conceitos de erotismo — em boa verdade, as imagens diáfanas, de um lirismo estereotipado, criadas por Hamilton tornaram-se prática corrente de muitas formas de publicidade, em particular de produtos de cosmética.

>>> Obituário: Reuters + The Guardian.

"American Pie" [canções]

MADONNA
American Pie
Music (2000)


A IMAGEM: Organizing for Action (2008 - 2016)

Organizing& Tee
ORGANIZING FOR ACTION / Barack Obama
2008 - 2016

"Ícone e tirano" [citação]

LE MONDE
26 Novembro 2016

Kate Bush, 1985



Há várias formas possíveis de apresentar uma narrativa com fulgor documental (o que, note-se, não impede um ponto de vista pessoal e uma abordagem artística). E em Cloudbusting Kate Bush deu-nos, além de uma assombrosa canção – numa dimensão em sintonia com a que cruza o alinhamento do tão desafiante quanto popular álbum The Hounds of Love – um retrato sobre o psicólogo e filósofo austríaco Wilhelm Reich (1897-1957).

A canção (ou o retrato, como preferirem), é-nos contada do ponto de vista do filho, Peter, transportando-nos a memórias de Organon, a quinta onde viviam e na qual estavam montadas máquinas de fazer chuva (às quais chamava, em inglês, cloudbusters, daí o título da canção), que usavam supostamente a energia “orgónica” presente na atmosfera, assim o defendia Wilhelm Reich.

Baseada em A Book of Dreams, memória do filho de Wihelm, Peter (num claro exemplo das relações literárias expressas na obra de Kate Bush), a canção teve depois um teledisco concebido por Terry Gilliam e realizado por Julian Doyle, no qual Donald Sutherland interpreta a figura de Reich, cabendo à própria Kate Bush o papel do filho Peter. É uma das obras-primas do teledisco de meados dos anos 80, servindo de forma perfeita uma canção maior na obra da cantora.

Quando a guerra se desmorona
sobre quem a não fez


Ver a guerra pelo ponto de vista de quem a perdeu. Não é um espaço comum, mas também não se trata de nada inédito. Afinal, e focando a II Guerra Mundial (que é do que falamos) já Rosselini o tinha mostrado, ainda a quente, em Alemanha, Ano Zero (1948). Mais recentemente, em A Queda (2004), de O. Hirschbiegel, acompanhámos o desmoronar do regime a partir do bunker de Hilter, no coração de Berlim. Em Lore (2012), um outro título absolutamente referencial, a realizadora Cate Shortland saía contudo de Berlim e entrava na Alemanha profunda para, através de cinco irmãos (que supomos filhos de uma alta patente das SS com papel no Holocausto), que ficaram sem casa, sem comida, sem conforto, sem poder, nos dar um retrato do que é um país derrotado. A Primavera de Christine, da austríaca Mirjam Unger, acrescenta agora um outro ponto a este conto.

A ação situa-se, também em 1945, mas agora na Áustria, território anexado pela Alemanha nazi bem antes da eclosão da guerra. Estamos por isso em terreno que corresponde ao grande reich anterior a 1939, mas num tempo em que a guerra está perdida, os cidadãos têm as suas casas demolidas pelos raides aéreos, maldizem a figura de Hitler e os feitos do regime e, com medo, esperam a chegada dos russos. Tal como em Lore, a realizadora escolhe alguém que não tem ainda idade para compreender as complexidades da guerra para nos colocar naquele tempo e lugar. E, tal como os irmãos que corriam pela floresta negra em busca de novo porto seguro, também aqui a pequena Christine irá compreender melhor os jogos em questão, mostrando contudo uma abordagem diferente aos conceitos de amigo e inimigo. Não os procura na identidade que a farda ou berço traduzem. Mas no modo como com ela se relacionam.

Baseado num romance autobiográfico de Christine Nöstlinger, o filme toma como centro para a acção uma villa aristocrática onde as diferenças de classe entre patrões e empregados se dissipam perante a luta pela sobrevivência. A mesma villa na qual um comandante do exército russo escolhe para instalar o seu quartel provisório. Tal como em Lore, o filme não procura traçar uma parábola coletiva. Evita o uns contra os outros, não funciona no preto e branco dos bons e dos maus. Porque há cinzentos em todo o lado. Desenvolve sobretudo as personagens, a sua relação entre si, o processo de progressiva tomada de consciência daqueles que ali moram sobre o que se passou antes e, depois, quem são os que entretanto chegam. O ponto de vista da pequena protagonista habita o tutano da história. Mas não vamos reduzir A Primavera de Christine a uma visão inocente de uma guerra, do seu desfecho e das trocas de poder que o balanço de vencedores e vencidos comporta. Está tudo lá. E para olhos de crescido ver.

Elementos dos Duran Duran fazem canção
para campanha solidária

Durante os últimos meses John e Roger Taylor, respetivamente baixista e baterista dos Duran Duran, têm estado a colaborar com o Road Recovery, um programa de apoio a jovens em risco. Durante esse tempo trocaram riffs e ideias. E quando os Duran Duran passaram por Nova Iorque, durante a Paper Gods Tour, foram a estúdio e gravaram a canção na qual tinham trabalhado. Agora No Rewind servirá para recolha de fundos para esse mesmo programa.

Podem ouvir aqui o tema:

sexta-feira, novembro 25, 2016

Na noite de Tom Ford

TOM FORD
Depois de Um Homem Singular (2009), Tom Ford assina mais um filme admirável — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Novembro), com o título 'A arte do assombramento'.

Há um lugar-comum que promove o espectáculo cinematográfico como misto de artifício e pompa vivido na sala escura. O lugar-comum é verdadeiro (até porque ver filmes em ecrãs de computador faz parte do nosso mais triste masoquismo cultural), mas francamente insuficiente. Um grande filme não se define apenas pelo seu grau de surpresa — um grande filme entranha-se na consciência, avisando-nos que temos um inconsciente onde se travam as guerras de uma cruel economia afectiva e simbólica.
Animais Nocturnos é um desses grandes filmes. E tanto mais quanto a arte narrativa de Tom Ford nos projecta no labirinto da escrita, a mais poderosa linguagem que os humanos inventaram (muito antes de se lembrarem de ligar uma imagem com outra, chamando ao evento qualquer coisa como “cinematógrafo”).
Repare-se na transparência dramática de Susan (Amy Adams, a justificar dois Oscars, um pela presença, outro pela abstracção). Quando ela começa a ler o romance do ex-marido Edward (Jake Gyllenhaal), assistimos a quê? Acontece que a escrita se vai insinuando como “coisa” que desafia a evidência do corpo e a nitidez do pensamento: Susan descobre que a escrita, uma palavra a seguir a outra, uma frase enredada na frase seguinte, existe como espelho glorioso do desejo — e também do seu pressentimento da morte.
Se Susan nos vai parecendo tão desamparada, isso decorre do facto de ela ser também um espelho, neste caso da insensatez do espectador. Porque o espectador, mesmo avisado das convulsões insolúveis de cada história que se conta, cai no erro de desejar um final, se não feliz, pelo menos redentor. No caso de Animais Nocturnos, sentimos que o filme decide não acabar, preferindo insinuar-se como assombramento privado — resta saber se somos dignos do medo que isso faz.

quinta-feira, novembro 24, 2016

"The Night They Drove Old Dixie Down"
[canções]

THE BAND
The Night They Drove Old Dixie Down
Carter Barron Amphitheater, Washington DC, July 17th 1976 (2014)


quarta-feira, novembro 23, 2016

Silêncio... que chegou Scorsese!

"Rezo, mas estou perdido. Será que estou a rezar para o silêncio?"
Há quem considere que o novo filme de Martin Scorsese — Silêncio, sobre a odisseia dos padres jesuítas portugueses no Japão do século XVII, baseado no romance de Shusaku Endo — pode ser o derradeiro e decisivo título a destacar-se na corrida para os Oscars. Com estreia americana agendada para 23 de Dezembro, chegará aos ecrãs portugueses a 19 de Janeiro de 2017 — para já, temos um trailer!

Regina Spektor em tom intimista

O sétimo álbum de Regina Spektor, Remember Us to Life, teve como primeiro tema de divulgação o magnífico Bleeding Heart, um delicado exercício de intimidade:

[...] How long must I wait till you learn that it's not too late
How long must I cry till you know that you really tried
How long must I try till you learn that dreaming's hard
How long must I dream till you heal your bleeding heart
Never mind your bleeding heart

Agora, temos o teledisco de Bleeding Heart, dirigido pelo marido da cantora, Jack Dishel, combinando uma panóplia de cenários digitais com fotografias e filmes de família — o resultado envolve uma introspecção plena de emoção e ironia.

terça-feira, novembro 22, 2016

Distribuição / cinema / espectadores

TEMPOS MODERNOS (1936)
A distinção do cinema Ideal com um prémio internacional e o aparecimento da nova distribuidora Cinema Bold justificam uma especial atenção — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Novembro), com o título 'Que relação com os espectadores?'.

Tempos houve em que a descrição jornalística (?) do mercado cinematográfico se reduzia, muitas vezes, a um maniqueísmo moralista: os americanos de um lado, os independentes do outro. Que as coisas são, inevitavelmente, mais complexas, eis uma lição que foi resultando da diversidade do próprio mercado — e sem que seja legítimo reduzir a situação a um mero jogo de “bons” e “maus” filmes, seja qual for a sua origem de produção ou chancela de distribuição.
Isto para dizer que tem havido sinais muito interessantes de um real empenho na pluralidade da oferta e, em particular, na reconquista de franjas de público que se afastaram das salas escuras. Trata-se, afinal, de contrariar o esvaziamento cognitivo de uma cultura narrativa dependente dos mais poderosos formatos televisivos (novelas, novelas, novelas...) e também de mobilizar os que, de forma mais ou menos distraída, vêem o cinema como um fenómeno exclusivo (?) da Internet.
Duas notícias recentes são especialmente estimulantes. A primeira tem a ver com a aposta da distribuidora Midas Filmes, de Pedro Borges, relançando o cinema Ideal como lugar de culto do consumo cinematográfico em Lisboa e, mais do que isso, como modelo possível de uma programação movida por critérios visceralmente cinéfilos. A sua distinção com o prémio anual “Melhor Empreendedor”, atribuído pela associação Europa Cinemas (a entregar na próxima quinta-feira), decorre do reconhecimento de que importa continuar a experimentar outras formas de dar a ver os filmes.
Em boa verdade, tais formas começam nos próprios contrastes que os filmes celebram. Para as próximas semanas, a Midas anuncia, por exemplo, Eu, Daniel Blake, de Ken Loach (Palma de Ouro em Cannes), ou Hitchcock/Truffaut, um estudo documental assinado por Kent Jones, sem esquecer a reposição de Tempos Modernos (1936), de Charlie Chaplin.
Entretanto, a Alambique, de Luís Apolinário, vai lançar uma nova marca de distribuição — Cinema Bold —empenhada em filmes menos “óbvios” e, mais do que isso, em modos de promoção/difusão capazes de desafiar rotinas e ideias feitas. Uma das suas apostas principais envolverá a aproximação (ou mesmo a coincidência) das datas em que determinados títulos estarão disponíveis em sala, em DVD ou nas diversas plataformas virtuais. Curiosamente, o seu primeiro lançamento será Eis o Admirável Mundo em Rede, de Werner Herzog, sobre o misto de fascínio e medo inerente à evolução da Internet.
Digamos, para simplificar, que já todos os agentes do mercado compreenderam que a distribuição/exibição de filmes está longe de poder ser vista como uma mera acumulação de “blockbusters” americanos, aqui e ali pontuada por desvios mais ou menos pitorescos. Desde logo, porque o cinema americano é muito mais interessante do que isso. E também porque a relação com os espectadores não pode ignorar a dinâmica social dos padrões de consumo.

SOUND + VISION Magazine / FNAC
— especial LEONARD COHEN [hoje]

Memórias de Leonard Cohen (1934-2016), canções e emoções: vamos ouvir e comentar a herança do bardo canadiano em mais uma sessão do nosso Magazine na FNAC; sem esquecer alguns destaques da actualidade musical e cinematográfica — hoje, terça-feira, no forum da FNAC/Chiado, às 18h30.

"Spook" [canções]

ADULT JAZZ
Spook
Gist Is (2014)


segunda-feira, novembro 21, 2016

Pró ou contra Donald Trump?

Um artigo de Michael Wolff em The Hollywood Reporter (acompanhado por um video da CNN) propôs um balanço contundente das relações dos media com (a vitória de) Donald Trump — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (18 Novembro).

Cerca de 24 horas depois de conhecidos os resultados das eleições americanas, o jornalista e ensaísta Michael Wolff publicava em The Hollywood Reporter um artigo com um título eloquente: ‘A vitória de Trump expõe as falhas e a presunção dos media’. Publicidade, sondagens, apoio de celebridades... Não só um importante sector dos media se enganou “em quase tudo”, como foi contra aquilo que ele representa que o “partido de Trump” votou.
Num país como o nosso, em que escasseia o pensamento sobre a dimensão política de qualquer forma de jornalismo — a começar pelo jornalismo televisivo —, poderá pensar-se que, como os comentadores do futebol a avaliar a “justiça” dos golos, Wolff está a tentar distribuir “culpas”. Nada disso: o seu artigo é uma reflexão sobre o modo como qualquer discurso jornalístico, mesmo na mais patética ignorância, existe como veículo de uma determinada visão do mundo.


Crise filosófica do jornalismo? Sem dúvida. Mas mais do que isso: assistimos à “falha das técnicas do moderno jornalismo”, vivemos “o dia em que a matéria informativa morreu”. Porquê? Porque “todo o dinheiro gasto por uma indústria mediática em crise na produção de sondagens e análises de sondagens serviu para zero”. De tal modo que se “gerou uma narrativa atraente e poderosa que era, afinal, o oposto do que estava a acontecer”.
A caricatura de tudo isto vêmo-la, todos os dias, em televisões de todos os países, com jornalistas a repetir frases ou números expostos em gigantescos ecrãs, como se ter um ecrã de grafismo “modernaço” fosse um oráculo indesmentível. Em boa verdade, muitas vezes, a utilização de tal aparato é sintoma de uma visceral incapacidade para olhar o mundo à nossa volta. O problema não está, nunca esteve, num mero “pró” ou “contra” Donald Trump, mas sim na existência desse olhar — e na exigência ética que o fundamenta.

Ewan McGregor adapta Philip Roth

Ewan McGregor, Jennifer Connelly e Dakota Fanning
Um belo acontecimento de cinema: o romance Pastoral Americana, de Philip Roth, revisto e reinventado por Ewan McGregor — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Novembro), com o título 'Filmando a herança do Sonho Americano'.

De que falamos quando falamos de classicismo? Simplifiquemos, isto é, não esqueçamos o essencial. Falamos de um cinema que não se ilude com as suas próprias proezas técnicas e que, obviamente não as renegando, se mantém atento à fascinante pluralidade do factor humano. Falamos de filmes que sabem respeitar a complexidade de cada personagem sem ocultar o movimento histórico, social e simbólico a que a sua história pertence. Falamos, por exemplo, de Uma História Americana.
É pena que o título português não se limite a traduzir o original, chamando-lhe Pastoral Americana, afinal o título do romance de Philip Roth em que se baseia (editado em Portugal pela Dom Quixote). Dir-se-á que é um pormenor... Em qualquer caso, está longe de ser secundário. É através dele que se sugere a dimensão quase religiosa da saga da família Levov, na América de finais da década de 1960. O pai, conhecido na sua comunidade como “Swede” (“Sueco”, por causa do seu cabelo invulgarmente louro) dirige uma próspera fábrica de luvas; a mãe, Dawn, foi consagrada na juventude como “miss” de um concurso de beleza; enfim, Merry, a filha, é a herdeira do ideal de felicidade que, socialmente, os pais representam. Em resumo, os Levov parecem destinados a existir como uma encarnação perfeita do “Sonho Americano”.
Há, no entanto, um primeiro desvio a tão cândida utopia: Merry gagueja de forma compulsiva, a ponto de as suas dificuldades de articulação serem vistas (e até diagnosticadas) como sinal de uma desordem subconsciente que funciona no sentido de contrariar o peso excessivo da “pureza” que o casal Levov está, por assim dizer, condenado a viver. As coisas tornam-se inevitavelmente menos transparentes e mais perturbantes quando Merry, já adolescente, envolvida em muitos protestos de cariz político (em particular contra as políticas de Lyndon Johnson no Vietname), surge como suspeita de um atentado à bomba...

O passado e o presente

Uma História Americana pertence a um modelo nobre de Hollywood, com raízes nas obras de grandes autores dramáticos e melodramáticos como Elia Kazan ou Otto Preminger, infelizmente pouco praticado na actual produção — Clint Eastwood é, claramente, uma das excepções. A sua matéria nuclear será a amarga distância que as personagens descobrem (e nós com elas) entre um certo imaginário familiar, poético e redentor, e as convulsões muito concretas de um quotidiano em que todos os valores tradicionais estão a ser postos à prova.
Deparamos, assim, com a presença transversal de temas emblemáticos dos anos 60, desde os protestos contra a guerra do Vietname até às dramáticas derivas de uma intensa contra-cultura, para utilizarmos o termo consagrado por Theodore Roszak (no seu livro The Making of a Counter Culture, editado em 1969). Merry é a ambígua ilustração de tal dinâmica, com tanto de heroína como de vítima, arrastando os pais para terrenos de intimidade e introspecção que, em boa verdade, desmentem o seu próprio projecto de vida.
Para explicar as peculiares emoções de Uma História Americana, talvez seja fundamental lembrar que se trata de um filme dirigido por um actor. É mesmo uma estreia: Ewan McGregor assina, aqui, a sua primeira realização, ancorando o seu trabalho na rigorosa gestão de um elenco dominado por ele próprio, no papel do pai, e Jennifer Connelly, compondo a figura da mãe como um fantasma das tradicionais matriarcas do cinema clássico americano (John Ford é o contraponto que vem à memória), vivendo a tragédia da filha como uma viagem entre a lucidez e a loucura. Isto sem esquecer, precisamente, a singular personagem da filha, interpretada por Dakota Fanning (e, nas cenas da infância e da adolescência, por Ocean James e Hannah Nordberg, respectivamente).
Será preciso acrescentar que este é também um filme de inusitada actualidade política? Não “pró” ou anti” Trump — evitemos os simplismos da moda. Nele deparamos com uma América de identidade dolorosamente esfrangalhada, com as suas gerações separadas de modo radical. São temas e sinais com 50 anos, mas interiores ao nosso presente.

"God Gave Me Everything" [canções]

MICK JAGGER
God Gave Me Everything
Goddess in the Doorway (2001)


domingo, novembro 20, 2016

As mentiras no Facebook [citação]

>>> O Sr. Zuckerberg já se referiu demoradamente ao facto de as redes sociais poderem melhorar a sociedade. Numa carta de 2012 aos investidores, disse que elas poderiam "gerar um diálogo mais honesto e transparente em torno do governo, diálogo capaz de dar mais poder às pessoas, mais responsabilização aos executivos e melhores soluções para alguns dos maiores problemas do nosso tempo."
Nada disso irá acontecer se ele continuar a deixar mentirosos e vigaristas tomar conta da sua plataforma.

THE NEW YORK TIMES [direcção editorial]
19 Novembro 2016

sábado, novembro 19, 2016

Tori Amos ou a guerra da intimidade

Boys for Pele (1996), terceiro álbum de estúdio de Tori Amos, faz vinte anos e tem direito a edição especial — oportunidade para descobrir ou redescobrir uma belíssima colecção de canções capazes de transformar a noção de intimidade em belicismo poético. Aqui fica a memória de Talula.

sexta-feira, novembro 18, 2016

A IMAGEM: J. C. Duffy, 2016

J. C. DUFFY
The New Yorker (22 Abril 2016)

Skolimowski em Portugal (2/2)

DEEP END (1970)
O seu nome ocupa um lugar central na história do moderno cinema polaco: Jerzy Skolimowski passou por Portugal, tendo feito parte do júri do Lisbon & Estoril Film Festival — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 Novembro), com o título 'Em nome do sagrado'.

[ 1 ]

Por certo como muitos outros espectadores da minha geração, descobri Jerzy Skolimowski através de Deep End (1970), co-produção anglo-germânica sobre um rapaz de 15 anos que arranja trabalho numa piscina pública, apaixonando-se loucamente por uma mulher, dez anos mais velha, que toma conta das instalações. O filme convoca os clichés românticos da “paixão adolescente” (o que, aliás, se reflectiu no grosseiro e inadequado título português: Adolescente Perversa), mas funciona muito para além deles. Skolimowski consegue filmar a distância paradoxal, dir-se-ia carnal e metafísica, entre o imaginário do desejo e a imaginação trágica que preside à organização (ou desorganização) do dia a dia.
Em boa verdade, desde Deep End até ao genial 11 Minutos (2015), Skolimowski é um encenador de fábulas muito cruas sobre a revolta da realidade contra as ilusões que nela, ou a partir dela, construímos. Creio, por isso, que quando ele valoriza o facto de os filmes nos conseguirem “apanhar de surpresa”, não se trata, de modo algum, de enaltecer qualquer ilusionismo simplista das narrativas. A surpresa não provém de outro tipo de clichés (a bomba que rebenta inesperadamente, o monstro que se esconde atrás da porta...), mas sim do modo como a realidade se enrola nas suas próprias aparências, confrontando-nos com a fragilidade dos nossos desejos e os limites do nosso conhecimento.
Será preciso relembrar que tal visão das coisas e dos seres humanos confere a Skolimowski uma radical dimensão de modernidade? Na idade da omnipresença das mais pueris imagens televisivas, ele lembra-nos que a realidade não aceita submeter-se a qualquer representação definitiva — habitamo-la como precários figurantes e, se o soubermos merecer, o cinema pode ser a nossa réstia de sagrado.

quinta-feira, novembro 17, 2016

"What Is Life" [canções]

GEORGE HARRISON
What Is Life
All Things Must Pass (1970)


Leon Russell (1942 - 2016)

FOTO: David McLister / AllMusic
Ao longo de seis décadas, foi uma figura emblemática do rock made in USA: Leon Russell faleceu durante o sono, a 13 de Novembro, na sua casa de Nashville — contava 74 anos.
De Bob Dylan aos Rolling Stones, passando por Elton John, Russell esteve ligado a muitas figuras da música popular, interpretando, produzindo e compondo. As suas canções foram gravadas por gente tão diversa como The Carpenters, Ray Charles, Peggy Lee, Willie Nelson ou Christina Aguilera. O certo é que este homem que se deu sempre, generosamente, à música dos outros, foi também autor de várias dezenas de álbuns, desde a estreia com Leon Russell (1970), em que contou com a colaboração de Eric Clapton, Ringo Starr e George Harrison, até ao sereno balanço de Life Journey (2014).


>>> Dois registos de Leon Russell: It Takes a Lot to Laugh, It Takes a Train to Cry, de Bob Dylan, do álbum Leon Russell and the Shelter People (1971), numa performance de 1970; A Song for You, também do primeiro álbum, interpretada no programa Austin City Limits (PBS), em 2014.




>>> Obituário no New York Times.

Jon Stewart e o "efeito Trump"

Jon Stewart tem um novo livro sobre a sua experiência de 16 anos (1999-2015) como apresentador de The Daily Show — chama-se An Oral History e serviu de pretexto para a sua presença no programa CBS This Morning, onde foi entrevistado por Charlie Rose. São alguns breves minutos em que o "efeito Trump" na sociedade americana emerge como o tema incontornável. O resultado é exemplarmente pedagógico, apontando as diversas formas de hipocrisia que contaminam (ou podem contaminar) o espectro político made in USA.

Ver + ouvir: Archive, Driving in Nails



Um ano depois do relativamente discreto Restriction, os Archive apresentam um novo disco. O álbum tem por título The False Fundation e tem neste Driving in Nails um dos seus temas de apresentação.

Retalhos da vida dos Pink Floyd (parte 1)


Está em curso aquilo que parece ser a edição definitiva das obras dos Pink Floyd. Os álbuns estão a regressar às lojas em suporte de vinil em novas edições que traduzem não apenas um cuidado no corte e prensagem, mas no próprio tratamento prévio do som, remasterizado a partir das fitas analógicas originais.

Lançados segundo uma ordem cronológica, estes lançamentos já nos fizeram avançar até 1973, o ano de Dark Side of The Moon. É contudo para contar, ao mais pequeno detalhe, tudo o que aconteceu antes, que acabou de ser editada uma caixa (de volume e conteúdo impressionantes) que nos conta a história complementar ao que os álbuns nos deram a conhecer. The Early Years 1965-1972 junta uma CD, DVD, Blu-Ray, cinco singles em vinil e inúmeras reproduções de posters, flyers, bilhetes de concertos, recortes de imprensa, convidando-nos a uma viagem no tempo que define um novo paradigma pelo qual certamente poderemos esperar outras integrais de outros artistas em tempos futuros.

Ao mesmo tempo, e até porque esta caixa está longe de ser acepipe de preço reduzido, foi editada uma antologia que, com o mesmo título, conta parte desta mesma história num alinhamento compactado a dois CD. Para um olhar mais “completo” sobre este percurso entre as origens do grupo e a edição de Obscured by Clouds, o disco com a música criada para o filme La Valée, de Barbet Schroeder, que precede Dark Side of The Moon, aqui fica um olhar pela caixa, segundo os sete volumes nos quais os temas, vídeos e imagens são arrumados.


A etapa inicial da vida dos Pink Floyd, que corresponde ao período em que Syd Barrett é o seu vocalista e principal força criativa, é recordada num conjunto de gravações que recuam até inícios de 1965, quando dão a ouvir os resultados de uma primeira sessão em estúdio. Está ali, além do vocalista e dos restantes membros da formação “clássica” Roger Waters, Nick Mason e Rick Wright, o guitarrista Rado Klose, que com eles já tocava mas em breve sairia de cena. O alinhamento, com quatro temas de Syd, um de Waters e uma versão de um original de Slim Harpo – que teve primeira edição num EP de tiragem limitada em finais de 1965 – permite-nos um olhar sobre os caminhos originalmente trilhados pelo grupo, ainda sob evidente expressão de uma admiração pelos blues... 

Sinais de mudança chegam nos dois primeiros singles de 1967, Arnold Layne e See Emily Play, editados antes do álbum Piper At The Gates of Dawn, por eles passando já marcas de uma transformação nas formas, instrumentação e cores da música que faria dos Pink Floyd uma das forças mais marcantes do psicadelismo made in UK. O CD1 deste volume – que apresenta por título 1965-1967 Cambridge Station (numa alusão geográfica ao lugar onde as ideias começaram a brotar) inclui os lados B desses singles, assim como junta Apples and Oranges, bizarra (mas deliciosa) tentativa de criação de um novo single capaz de servir de sucessor ao sucesso de See Emily Play (o que não aconteceu). Há ainda aqui misturas novas para temas como Matilda Mother (excelente!) ou Jugband Blues (a única canção de Syd a figurar depois no álbum de 1968), surgindo depois inéditos como In The Beechwoods, Scream Thy Last Scream (que faz uma curiosa rima com o contemporâneo The Laughing Gnome de David Bowie) ou Vegetable Man (outra hipótese ponderada para o terceiro single), que nos ajudam a completar o retrato desse 1967, ao qual o CD 2 junta a gravação de uma atuação ao vivo em Estocolmo, num alinhamento de oito temas entre os quais emerge já Set The Controls For The Heart of The Sun. Este CD2 acrescenta ainda nove takes alternativos de John Latham, outra experiência de caráter exploratório em consonância com a demanda estética que o grupo tomava em busca de um caminho para um segundo álbum, em setembro de 1967.

 O DVD e Blu-ray que completam este “volume” inclui filmes promocionais para Arnold Layne, The Scarecrow e Jugband Blues, uma atuação no Top of The Pops ao som de See Emily Play e uma outra, no programa de Dick Cavett, nos EUA, com  Apples and Oranges. Vale a pena notar, nesta atuação, o olhar já distante de Syd Barrett, como contraponto podendo servir uma entrevista para a BBC na qual tocam Astronomy Domine e, tanto ele como Roger Waters, resistem estoicamente aos comentários do apresentador do programa, claramente incomodado pela “barulheira” da atuação. Há duas reportagens que nos levam aos ambientes do clube UFO em inícios de 1967, assim como excertos de atuações ao vivo captadas para a televisão ao longo do ano, numa delas, para a BBC, sendo apresentado Intersrellar Overdrive. As imagens mais antigas, captadas em 1966, surgem, compostas, ao som de Chapter 24, revelando-nos memórias de uma banda nos seus tempos de juventude.

 Entre as reproduções de memorabillia que aqui encontramos há um bilhete de um concerto no Queen Elisabeth Hall a 12 de maio de 1967, assim como o respetivo cartaz, no qual se sublinha (como na letra de See Emily Play), a ideia de “Games For May”... Há um anuncio de jornal para uma atuação no UFO em dezembro de 1966, flyers para diversas outras atuações e um recorte de imprensa no qual Chris Jagger (sim, o irmão de Mick), faz um elogio dos Pink Floyd, prevendo uma carreira de sucesso. Ao referir as suas prestações ao vivo diz: “em palco os Pink Floyd perdem-se completamente na sua música e o seu objetivo é o de absorver as mentes dos que estão a vê-los, o que não é fácil com as atmosferas cool que encontramos por Londres”. O booklet, com um texto de Mark Blake, ajuda a contextualizar depois todas estas músicas e imagens.

Para ler: 'Napoleon' de Abel Gance
em edição na era da alta definição


Um dos grandes lançamentos em Blu-ray desta reta final de 2016 devolve aos escaparates o clássico do cinema mudo de Abel Gance sobre Napoleão Bonaparte.

Podem ler aqui a crítica a esta edição publicada no Guardian.

quarta-feira, novembro 16, 2016

Skolimowski em Portugal (1/2)

FOTO: Carlos Manuel Martins / DN
O seu nome ocupa um lugar central na história do moderno cinema polaco: Jerzy Skolimowski passou por Portugal, tendo feito parte do júri do Lisbon & Estoril Film Festival — esta entrevista foi publicada no Diário de Notícias (12 Novembro), com o título '“No cinema é bom sermos apanhados de surpresa"'.

Jerzy Skolimowski é, a par de Krzysztof Kieslowski e Roman Polanski, um dos nomes fundamentais da “nova vaga” de autores polacos que passaram pela Escola de Cinema de Lodz (cidade onde nasceu em 1938). Está em Portugal como membro do júri do Lisbon & Estoril Film Festival, certame que o homenageia com uma retrospectiva dos seus filmes — o mais recente, 11 Minutos, venceu a edição de 2015.
Ele próprio propõe uma esclarecedora mini-biografia: “Nasci pouco antes do começo da Segunda Guerra Mundial, vivi a ocupação alemã da Polónia e, depois, as dificuldades do pós-guerra e o período comunista. Na altura, era estudante e, claro, fui influenciado pela propaganda comunista. Só na Escola de Cinema começámos a ter uma visão mais ampla e, por assim dizer, mais internacional do mundo: comecei a ver filmes a que não teria acesso enquanto espectador normal. Mais tarde, vivi o período do Solidariedade. Passei, assim, por transformações históricas muito fortes que, de uma maneira ou de outra, marcaram os meus pontos de vista.”
Será que a religião, tão significativa na percepção corrente da Polónia, foi importante na sua formação? Skolimowski vê a questão com evidente ironia: “Claro que sou católico romano e, em criança, frequentava a igreja. Mas na adolescência, comecei a faltar aos meus deveres, preferindo jogar futebol.” E era bom jogador? “Era bastante bom, jogava à baliza. De qualquer modo, nunca joguei futebol a sério num clube. No boxe, sim: ainda travei mais de uma dezena de combates com sucesso moderado.”

17 anos de reflexão

As convulsões do Solidariedade levaram-no a fazer um dos seus filmes mais conhecidos, Moonlighting (1982), com Jeremy Irons, parecendo consolidar uma carreira fora da Polónia. Assim aconteceu, mas a caminho de um impasse: depois de Ferdydurke (1991), insatisfeito com os resultados de uma típica co-produção europeia, Skolimowski parou durante 17 anos — regressou em 2008, com Quatro Noites com Anna, um filme produzido por Paulo Branco.
Durante esse interregno, dedicou-se à pintura: “Precisava de repensar a minha atitude em relação ao cinema, senti que tinha traído os meus valores artísticos. Decidi parar sem pensar que seria por 17 anos, talvez uns três ou quatro.” Na procura de alguma cumplicidade estética? “Não, o cinema é como ir para a fábrica às nove da manhã e fazer figura de patrão; a pintura é uma experiência puramente zen e, nessa medida, uma performance solitária.”
Não admira que Skolimowski tenha uma visão essencialmente prática da técnica e, em particular, dos novos recursos digitais: “Nos meus três filmes mais recentes — Quatro Noites com Anna, Essential Killing (2010) e 11 Minutos (2015) — trabalhei com película, no primeiro, e o digital, nos outros dois. Para falar verdade, não notei grande diferença. O digital traz-nos, talvez, um pouco mais de liberdade com a luz, mas o resultado final é praticamente igual.”
Paradoxalmente ou não, Skolimowski não esconde a sua actual condição de espectador relutante: “Honestamente, cada vez vejo menos filmes. É uma questão sobre a qual já falei várias vezes com o meu querido amigo Roman Polanski: quando vamos ao cinema, ao fim de poucos minutos, passámos a sentir que sabemos exactamente o que se vai seguir — não há mistério, quando muito observamos a qualidade da execução.” Foi o próprio Polanski que lhe fez o melhor dos elogios a 11 Minutos: “Fiquei contente quando ele me disse que, perante o filme, não tinha a mais pequena noção do que ia acontecer a seguir e como tudo iria acabar. É o que mais valorizo no cinema: estarmos alerta e sermos apanhados de surpresa.”

terça-feira, novembro 15, 2016

O herói de Mel Gibson

Digamos, para simplificar, que a subtileza não é o forte de Mel Gibson... — esta nota foi publicada no Diário de Notícias (14 Novembro).

Enquanto cineasta, Mel Gibson não é exactamente alguém de quem possamos esperar uma apoteose de subtileza. Que o seu muito esforçado e bem intencionado Braveheart (1995) tenha ganho o Oscar de melhor filme no ano em que Casino, de Martin Scorsese, era um dos potenciais candidatos, eis uma ironia amarga com que a cinefilia convive com inevitável desencanto...
Desta vez, com O Herói de Hacksaw Ridge, ele tem mesmo a seu favor o fascínio de uma espantosa personagem: Desmond Doss (Andrew Garfield), objector de consciência do exército americano que, na Segunda Guerra Mundial, nos combates em Okinawa, enquanto elemento das equipas médicas, deu mostras de excepcional dedicação e coragem. Infelizmente, para Gibson, Doss não passa de uma espécie de marioneta angelical que se “destaca” de uma representação obscena da violência das explosões e da decomposição dos corpos (nada a ver com o sentido dramatúrgico de O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg, lançado em 1998). Além do mais, as cenas de infância, de tão demonstrativas e “psicológicas”, não superam um involuntário ridículo.

segunda-feira, novembro 14, 2016

A IMAGEM: Erwin Olaf, 2005

ERWIN OLAF
Hope Portraits [#4]
2005

Com ou sem Trump — que televisão?

FOTO: sify.com
Que fazer com a política? Eis uma pergunta que importa recolocar depois do resultado das eleições presidenciais americanas mas que, em boa verdade, vem de um tempo anterior. Será que a televisão, com ou sem Donald Trump, ainda arrisca pensar o seu lugar político? — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (11 Novembro).

O saldo televisivo das eleições presidenciais nos EUA é, no mínimo, perturbante. Cada caso é um caso, sem dúvida, e escusado será lembrar que qualquer generalização corre o risco de mascarar a complexidade das questões — jornalísticas, comunicacionais, simbólicas — que estão em causa. Ainda assim, não será abusivo considerar que aquilo a que assistimos, em particular nas semanas finais da campanha, ilustra uma perversa deslocação do político (entenda-se: do sistema de valores que enquadram o combate político) para o domínio da chicana de usos e costumes.
Podemos sempre fugir ao assunto, apontando o dedo a este ou àquele candidato. Podemos até encontrar um bode expiatório capaz de apaziguar os temores da nossa alma, mas estaremos apenas a reforçar o mais perverso equívoco da nossa conjuntura mediática. A saber: tentar discutir a difusão e o impacto televisivo dos discursos de que se faz a política, evitando discutir os próprios dispositivos televisivos.
No contexto português, o problema é tanto mais complexo (e, insisto, perturbante) quanto temos vindo a assistir a uma assustadora deriva populista do espaço televisivo. O fenómeno é mesmo frequentemente sustentado pela acção, nem que seja por demissão intelectual, de jornalistas de competência e inteligência muito para além da menoridade dessa deriva.
Importa, apesar disso (corrijo: por isso mesmo) contrariar qualquer descrição fulanizada da situação em que, televisões e espectadores, nos encontramos. Importa, mais do que nunca, reflectir sobre as articulações contemporâneas de acção política e abordagem televisiva. Se não o fizermos, corremos o risco de passar a viver num país em que até mesmo a escolha do Presidente da mais poderosa nação do mundo é um evento secundário face à análise da localização exacta das casas de banho do estádio de Alvalade.

domingo, novembro 13, 2016

"O que está a acontecer" [citação]

>>> Temos de reconhecer que os nossos filhos andam à procura de coisas nos seus iPhones para saberem, com enorme sentido de urgência, o que está a acontecer no mundo. As pessoas já nem sempre querem arranjar uma babysitter, meterem-se nos seus carros, encontrar lugar para estacionar e sair uma noite para ir ver um filme. E temos de responder a isso.

WARREN BEATTY
entrevista a James Rainey
in Variety (8 Nov. 2016)