domingo, julho 17, 2016

Barroso, Goldman Sachs & futebol

"Não podemos trabalhar todos para a Goldman Sachs"

CARTOON: Charles Barsotti (The New Yorker, 26-10-2009)
Pelo ecrã das nossas televisões, a actualidade é uma teia de fragmentos que, melhor ou pior, dialogam entre si — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (15 Julho), com o título 'Nas margens da Europa'.

1. A primeira temporada da série Billions (TV Séries) terminou sob o signo da ambivalência. E não apenas porque o confronto entre o procurador federal (Paul Giamatti) e o gestor de fundos (Damian Lewis) contém elementos que apelam a uma continuação (aliás, a segunda temporada já foi anunciada pela Showtime). Também porque a série consegue, com surpreendente subtileza, expor os circuitos do dinheiro enredados nos prós e contras das relações pessoais. Mais do que isso: Billions visa o erotismo das relações humanas através da erotização do dinheiro. Nesse aspecto, a série retoma matrizes clássicas do melodrama, agora aplicando-as ao mundo pós-Goldman Sachs ['Why I am leaving Goldman Sachs', Greg Smith, The New York Times, 14-03-2012].

2. No meio da euforia do futebol, o anúncio da contratação de Durão Barroso pelo banco Goldman Sachs esteve longe de gerar a comoção audiovisual que acompanhou as glórias da selecção portuguesa (mesmo se desencadeou algumas salutares e contundentes leituras nos jornais). O novo emprego do ex-presidente da Comissão Europeia abalou o espaço europeu da política mas, na nossa paisagem televisiva, passou como uma peripécia menor face às proezas de Cristiano Ronaldo & Cª. Moral da história: ganhamos o Euro, mas hesitamos face à necessidade de repensar a Europa.

3. De um modo geral, desde a BBC ao jornal L’Équipe, o saldo desportivo do Euro foi considerado medíocre — perversamente, os derrotados também fazem a história. Em qualquer caso, no contexto português, a vaga de patriotismo televisivo pode e deve ser objecto de alguma empenhada reflexão. Porquê? Porque importa avaliar o que significa um impulso patriótico que se afunila na colectivização simbólica do futebol e, mais do que isso, necessita da vitória para se afirmar. A pergunta que fica é esta: como ser patriota para além do futebol? É uma pergunta social e política, inevitavelmente televisiva.