segunda-feira, junho 27, 2016

Uma comédia sexual para o séc. XXI

Rebecca Miller continua a fazer filmes a meio caminho entre comédia e drama, reavivando uma tradição que resiste às leis dominantes do mercado — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Junho), com o título 'À procura da comédia romântica'.

Dominado pelo ruído promocional dos “blockbusters”, o Verão cinematográfico “inventou” ao longo das últimas décadas as suas próprias vítimas: os pequenos filmes, de produção mais ou menos independente, chegam numa desamparada nudez comercial, à procura de espectadores que, provavelmente, nem sequer tomaram conhecimento da sua existência...
Maggie Tem um Plano é um desses filmes. Haveria alguns trunfos promocionais no facto de a sua argumentista/realizadora, Rebecca Miller, ser filha do dramaturgo Arthur Miller (1915-2005) e casada com o actor Daniel Day-Lewis (que, aliás, dirigiu no filme A Balada de Jack e Rose, de 2005). Ainda assim, como é óbvio, seria injusto reduzi-la ao peso simbólico da sua história familiar. Sem necessidade de cauções seja de quem for, ela tem apostado em revitalizar a herança clássica do drama e comédia de Hollywood (“comedy-drama”, como os americanos gostam de dizer), através de títulos como Velocidade Pessoal (2002) ou As Vidas Privadas de Pippa Lee (2009).
Rebecca Miller
Em Maggie Tem um Plano, a personagem central é uma jovem novaiorquina que vive obcecada pelo controle da sua existência. Mobiliza, então, um ex-colega com quem mantém uma relação mais ou menos distante para o seu projecto de auto-inseminação — Maggie quer ser uma mãe solteira, sem implicar nenhum homem nas responsabilidades da sua decisão... A vontade de controlar todos os detalhes do seu projecto não corre exactamente como previsto, impelindo Maggie para uma saga de descoberta e auto-descoberta em que a gravidade dos temas nunca exclui um desconcertante humor.
Estamos, afinal, perante variações sobre a tradicional comédia romântica, de que Uma Noite Aconteceu (1934), de Frank Capra, com Clark Gable e Claudette Colbert, poderá ser a obra-prima de referência. Neste nosso século XXI, Rebecca Miller lida com um contexto bem diferente em que, além do mais, as alusões sexuais não têm o perverso simbolismo do cinema de Capra. Seja como for, o seu trabalho conserva a nostalgia desse cinema apostado em brincar com os prós e contras das relações entre homens e mulheres. Daí a importância dos intérpretes, também eles convocados para um exercício clássico com as nuances da palavra e do silêncio — no papel central de Maggie, Greta Gerwig é mesmo uma daquelas actrizes cuja subtileza e contrastes lhe conferem uma contagiante ironia “fora de moda”.