sexta-feira, junho 24, 2016

Pink Floyd a 33 rpm:
'Piper at the Gates of Dawn' (1967)


O primeiro álbum dos Pink Floyd encerra em si o retrato do que foi a etapa de desenvolvimento do conjunto de ideias que fizeram da banda o nome de proa de um fenómeno que emergiu em Londres em meados dos anos 60 e que, juntando experiências musicais, visuais e químicas, fez da cidade um dos principais polos de invenção do psicadelismo (cujas heranças ainda hoje, regularmente, alimentam novas bandas e novos discos). É contudo um disco algo atípico em relação à restante obra dos Pink Floyd já que, salvo extensões próximas entre A Saucerful of Secrets e revisitações em Ummagumma, ali se encerra parte significativa de um período que teve em Syd Barrett e no seu talento (e visão) a sua principal força criativa. Um retrato da etapa em que Barrett foi a voz (criativa e por detrás do microfone) dos Pink Floyd exige ainda uma visita aos três singles lançados também em 1967, alguns deles recuperados na antologia Relics, lançada na alvorada dos anos 70.

A obra dos Pink Floyd nasce entre cenários pop/rock da Londres de inícios dos anos 60, juntando o entusiasmo e o sentido de desafio de estudantes de artes e de arquitetura. As suas ideias evoluem contudo para lá das formas mais habituais herdadas da pop, dos blues e rhythm’n’blues e começam a refletir os resultados de experiências com as potencialidades dos instrumentos e o desafio da improvisação que se aprofundam quando se tornam num dos nomes residentes das noites UFO que Joe Boyd começa a organizar em 1966 e que se tornam num dos epicentros de novas experiências às quais estão diretamente associadas experiências com LSD e outros ácidos alucinogénicos. A escrita, sobretudo nas mãos de Syd Barrett, concilia contudo esses desafios e formas com a estrutura mais clássica da canção, pelos seus sets passando tanto as viagens de formas desafiantes de um Interstellar Overdrive como temas de linhas mais claras como Arnold Layne, que, produzido por Boyd, editam como primeiro single em 1967 a bordo da EMI (depois do “não” de várias outras editoras).

É contudo sob regras da casa (ou seja, com um produtor da editora), que entram em estúdio, para gravar um álbum. Com os técnicos de Abbey Road já cientes de novos hábitos de trabalho e novas formas musicais em cena (sobretudo após o trabalho dos Beatles em Revolver), os Pink Floyd tomam o seu lugar no Estúdio 3, numa mesma altura em que, no Estúdio 2, os fab four trabalhavam em Sgt. Peppers. Há por isso várias histórias de encontros entre ambos, de visitas de uns aos estúdios dos outros, sobretudo tendo sido aceite como encorajadora a ocasião em que McCartney entou na régie, ouviu o que estavam a fazer e deu a sua aprovação. Sem incluir See Emily Play, que entretanto tinham gravado como segundo single (nem juntando Apples and Oranges que criariam mais tarde para um terceiro 45 rotações, embora sem o mesmo sucesso), o álbum a que chamaram The Piper at the Gates of Dawn fixou de forma fiel a alma da etapa psicadélica dos Pink Floyd, com um alinhamento que tanto traduz opções por formas mais nítidas na estrutura das canções como aceita depois as viagens mais livres e desafiantes para lá das suas fronteiras.

Entre o tom tenso e assombrado de Lucifer Sam, as canções com alma de contador de histórias (e uma certa tonalidade quase infantil) que escutamos em Matilda Mother, Bike (que teria dado um belo single) ou The Gnome e as linhas trippy de Flaming, Chapter 24 ou Scarecrow, define-se um corpo de canções que caminham sempre perto de um desejo em escapar para lá das formas mais convencionais. A fuga acontece por vezes bem evidente. Logo com Astronomy Domine a abrir. Ou, depois, com o trio Pow R. Toc H, Take Up Thy Stethoscope and Walk e, acima de tudo, o clássico Interstellar Overdrive que assim fixam neste disco a essência da face mais experimental que, entre 1966 e 1967, levantou outras possibilidades aos caminhos da cultura pop/rock.

A súbita degradação da relação da banda som Syd Barrett, consequência de uma soma progressivamente mais errática de comportamentos (em parte resultado do excessivo consumo de químicos) transformou a etapa de promoção do álbum num verdadeiro calvário, que culminaria eventualmente com uma cisão. Barrett ainda colaboraria no segundo álbum. Mas é neste que fica registada a fase em que a banda o tomava como epicentro das ideias. E convenhamos que os Pink Floyd têm aqui um dos seus melhores discos.