segunda-feira, abril 18, 2016

"Suspense" e morte

Piero Messina é uma boa revelação vinda do cinema de Itália — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Abril), com o título 'Física e metafísica'.

Em A Espera, primeira longa-metragem de Piero Messina, o filho de Anna (Juliette Binoche) morreu. Quando a sua namorada, Jeanne (Lou de Laâge), aparece, a mãe não lhe dá a notícia, deixando-a na expectativa de que ele vai voltar poucos dias depois, para as celebrações da Páscoa... Assim começa a espera física de Jeanne que, por assim dizer, se duplica na espera metafísica de Anna — talvez, numa outra dimensão, o filho possa mesmo regressar do país silencioso da morte.
O mais impressionante no trabalho de Piero Messina é que ele resiste a qualquer facilidade “psicológica” que reduza o seu filme a um mero encontro de sensibilidades (estranha palavra...) entre duas mulheres. Dir-se-ia que Messina acredita, não exactamente no regresso do filho de Anna, mas na possibilidade de o encenar. Como se ela já tivesse passado por inteiro para um tempo sem outra medida que não seja a da inusitada cumplicidade entre real e irreal, com o desejo conciliado com a ingratidão da morte. Em boa verdade, Anna define-se como a própria encarnação dos poderes transcendentais do cinema.
Ao ver A Espera, lembrei-me do cinema de um velho mestre italiano, desses que tendem a não ser citados sempre que evocamos os nomes que fizeram a história. Lembrei-me de Luigi Comencini (1916-2007), criador de filmes como O Incompreendido (1967), em que a naturalidade dos laços familiares e das regras sociais vai sendo metodicamente contaminada por uma perturbação que, para lá dos laços do amor (em boa verdade, através deles), expõe a solidão primordial de cada ser humano. No caso de A Espera, essa possibilidade instala-se através dos sinais que vão aproximando e afastando Anna e Jeanne. E, mesmo sem querer desmontar o “suspense” afectivo que aqui labora, permitam-me que diga que elas encontram as suas vias para lidar com a insensatez definitiva da morte.