domingo, março 20, 2016

O. J. Simpson revisto pela televisão

No seu academismo dramático e narrativo, a série sobre o caso O. J. Simpson é um exemplo típico da mais banal formatação televisiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Março), com o título 'Encenando O. J. Simpson'.

Escusado será sublinhar que a série O Caso O. J. Simpson (Fox) transporta e, de algum modo, consagra um dos mais típicos valores da televisão enquanto sistema de percepção do mundo. A saber: a reencenação de factos vividos por pessoas reais. “Baseado numa história verídica” tornou-se mesmo a expressão que serve de emblema a muitas experiências ficcionais.
O fenómeno, bem entendido, não é estranho ao mundo do cinema. Recentemente, pudemos observá-lo através de diversos filmes que concorreram a algumas das principais categorias dos Óscares, a começar pelos que ganharam nas categorias de argumento: O Caso Spotlight e A Queda de Wall Street. Em todo o caso, as diferenças são significativas. Enquanto tais filmes propõem narrativas de fascinante complexidade moral e simbólica (aliás, enraizadas nas mais nobres tradições de Hollywood), a televisão cede, muitas vezes, à sedução de um folclore superficial e maniqueísta.
Assim acontece com O Caso O. J. Simpson (escrevo a partir dos primeiros três episódios). A série, aliás, inaugura um ciclo de produções dedicadas ao “crime real” (American Crime Story) e parece ter como objectivo primeiro a criação de efeitos mais ou menos anedóticos em que cada personagem se distingue apenas por uma componente repetida e repetitiva: a procuradora Marcia Clark (Sarah Paulson) é “obsessiva” na investigação de O. J.; o amigo Robert Kardashian (David Schwimmer) é “cândido” na defesa do acusado; o advogado Johnnie Cochran (Courtney B. Vance) é “militante” na apreciação do lugar social dos negros, etc., etc., etc.
No centro de tudo isso surge, como é óbvio, a figura de um O. J. Simpson sem qualquer espessura dramática, para mais interpretado por um esforçado Cuba Gooding Jr., histriónico até à involuntária e patética caricatura. Em boa verdade, o pensamento narrativo de uma série como esta reduz-se à acumulação de breves situações “pitorescas” que reduzem tudo e todos a marionetas sem humanidade.