quinta-feira, fevereiro 11, 2016

"Horas Decisivas": o melodrama ignorado

Chris Pine e Holliday Grainger — "Horas Decisivas"
Por vezes, o marketing ignora as características específicas dos próprios filmes que tenta vender: é o caso de Horas Decisivas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Fevereiro), com o título 'O marketing contra o cinema'.

A promoção do cinema atingiu dimensões espectaculares. Vivemos um tempo em que, todos os dias, somos bombardeados por uma avalancha de imagens e mensagens trabalhadas para suscitar o nosso interesse por alguns filmes (há-os também que, paradoxalmente, chegam às salas quase sem promoção, mas não é essa a questão destas linhas). Resta saber se as formas dominantes de marketing resultam de um genuíno entendimento das características de cada filme ou se, pelo contrário, decorrem de meros automatismos que, em última instância, ignoram aquilo que os filmes são, quais as suas narrativas, que matrizes espectaculares exploram.
O exemplo de Horas Decisivas, de Craig Gillespie, é revelador dos equívocos que tais estratégias (ou a falta delas) podem envolver. E tanto mais quanto esta produção dos estúdios Disney foi objecto de um lançamento global com meios muito significativos (a semana passada nos EUA, há poucos dias em Portugal e em muitos outros mercados europeus e asiáticos), exibindo o 3D e as salas IMAX como trunfos fundamentais.
O filme evoca o caso verídico, ocorrido em 1952, do salvamento da tripulação de um petroleiro ao largo da costa nordeste dos EUA, com o jovem Bernard Webber, membro de uma patrulha da Guarda Costeira, a revelar-se o inesperado herói dessa odisseia — embora pouco experiente, Webber soube enfrentar as violentas condições atmosféricas, acabando por comandar as operações e garantindo a sobrevivência de quase todos os tripulantes.
Será que estes elementos condensam o essencial do filme? Do ponto de vista do marketing, sim. Todos os trailers e cartazes privilegiam o navio em perigo e o mar agitado, destacando ainda a figura de Chris Pine, intérprete de Webber (recorde-se que Pine ganhou alguma evidência como intérprete do Capitão Kirk nos títulos mais recentes da saga Star Trek).
O problema é que tal imagem promocional acaba por ser estranha à dramaturgia do próprio filme. Acontece que o motor da história não é o naufrágio, mas sim a relação amorosa de Webber e Miriam — no início do filme, o seu casamento está mesmo dependente da “autorização” que Webber irá solicitar ao seu comandante, assim cumprindo um tradicional ritual simbólico.
Promovido como mais um “filme-catástrofe”, Horas Decisivas é, na verdade, um melodrama que, sem preconceitos e com surpreendente equilíbrio narrativo, recupera matrizes muito clássicas de Hollywood (em particular dos melodramas produzidos na época em que decorre a acção). Holliday Grainger, talentosa intérprete de Miriam, é mesmo o centro emocional do filme, mas o seu nome nem sequer tem direito a figurar ao lado dos quatro actores destacados nos cartazes (Chris Pine, Casey Affleck, Ben Foster e Eric Bana). Nos EUA, o filme está a ser um desastre de bilheteira: haverá diversas razões para explicar tal falhanço, mas a inadequação entre os seus valores dramáticos e o marketing não será a menor delas.