sábado, janeiro 30, 2016

A aventura de "The Revenant" (2/3)

Não apenas filmar a saga aventurosa do Oeste, mas praticar o cinema como uma aventura que desafia a própria natureza: eis o projecto de The Revenant — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Janeiro), com o título 'O regresso do “western” ao realismo das paisagens naturais'.

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A adaptação do livro de Michael Punke sobre a odisseia de Glass (editado entre nós pela Marcador) podia ter sido resolvida através dos mais modernos recursos digitais. Tratava-se, afinal, de filmar as arriscadas cenas de acção com os actores em estúdio, integrando na imagem os cenários naturais através dos artifícios do “chroma” (o ecrã verde, também usado nos estúdios de televisão, que permite inserir as imagens de qualquer paisagem). Mas, desde o início, para Iñárritu, tal opção estava posta de parte: era preciso que os vales e montanhas, com neve (muita neve!...), fossem vistos e sentidos pelo espectador como um contexto visceralmente realista. Como se se tratasse de repetir a história: depois de ter posto à prova a capacidade de sobrevivência das personagens da primeira metade do século XIX, as paisagens naturais seriam, agora, um desafio para actores e técnicos.
Nas entrevistas que têm dado, tanto Iñárritu como elementos da sua equipa insistem em explicar as dificuldades resultantes das condições atmosféricas que foi preciso enfrentar, em particular as baixíssimas temperaturas. O desaparecimento prematuro da neve nas paisagens do Canadá (onde estava previsto decorrer o essencial da rodagem) obrigou mesmo, na fase final, a uma mudança para zonas montanhosas da Argentina. Consequência prática: o orçamento inicial de 60 milhões de dólares disparou para 135 milhões (perto de 125 milhões de euros).
Daí a importância extrema do contributo da direcção fotográfica de Emmanuel Lubezki. Colaborador habitual de Iñárritu (ganhou um Oscar com Birdman e volta a estar nomeado), Lubezki aposta, aqui, numa depuração visual também ela alheia aos efeitos digitais: trata-se de filmar com a luz natural disponível, conferindo a O Renascido uma verdade material a que apetece chamar documental, já que os elementos da ficção emergem num clima de “reportagem” — é no confronto com a resistência do próprio território que os actores cumprem o desafio de inventar as suas personagens.