domingo, novembro 01, 2015

José Fonseca e Costa (1933 - 2015)

O seu nome é indissociável de momentos emblemáticos da produção cinematográfica portuguesa, antes e depois do 25 de Abril: José Fonseca e Costa faleceu no dia 1 de Novembro, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, vitimado por uma pneumonia — contava 82 anos.

>>> O RECADO (1972) condensou os desencantos, afectivos e políticos, carnais e simbólicos, de um Portugal marcado por mais de quarenta anos de ditadura salazarista — é também um dos símbolos da produção do Centro Português de Cinema, a par de O Passado e o Presente, de Manoel de Oliveira, lançado no mesmo ano [video coligido por Paulo Cunha].


>>> KILAS, O MAU DA FITA (1981) é ainda hoje recordado, e mitificado, como modelo de um cinema português capaz de conciliar a exigência artística com o impacto comercial (foi um êxito retumbante); em qualquer caso, talvez valha a pena distanciarmo-nos de tal contabilidade, lembrando antes que o filme ilustra o gosto de Fonseca e Costa pelas tipologias populares, mais ou menos ligadas a uma tradição que não esquece a herança do teatro de revista — eis a música de abertura, composta por Sérgio Godinho, incluindo a voz de Mário Viegas, intérprete do "mau da fita".


>>> BALADA DA PRAIA DOS CÃES (1987) congrega três componentes fundamentais do universo do cineasta: a preocupação de reflectir sobre as heranças várias dos tempos do Estado Novo; uma relação criativa com a literatura, neste caso adaptando o romance de José Cardoso Pires; enfim, um gosto especial pela integração de actores populares como Raul Solnado, "forçando-os" a trabalhar em registos exteriores à sua imagem de marca [cena de abertura].


>>> OS CORNOS DE CRONOS (1991) constitui uma das grandes desilusões pessoais do próprio Fonseca e Costa [video coligido por Ubicinema], devido ao seu falhanço junto do público. Ao mesmo tempo, há nele um desencanto face à passagem do tempo, porventura subtilmente autobiográfico, que lhe confere um lugar especial na filmografia do autor — com o brasileiro Carlos Vereza contracenam, entre outros, Inês de Medeiros e Mário Viegas.


>>> CINCO DIAS, CINCO NOITES (1996) estreou no dia 25 de Abril do respectivo ano de produção, ilustrando, uma vez mais, uma visão apaixonada dos tempos da resistência ao fascismo — com Vítor Norte e Paulo Pires nos papéis principais, baseia-se no romance de Álvaro Cunhal, publicado com o pseudónimo de Manuel Tiago.



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Nascido em Huambo, Angola, a 27 de Junho de 1933, José Fonseca e Costa iniciou-se no cinema num estágio em Itália, como assistente em O Eclipse (1962), de Michelangelo Antonioni. Antes, já estivera envolvido no movimento cineclubista e traduzira livros de teoria cinematográfica, nomeadamente de Sergei M. Eisenstein e Guido Aristarco. Os seus derradeiros títulos foram O Fascínio (2003) e Viúva Rica Solteira Não Fica (2006). Deixa em fase adiantada de produção o filme Axilas, baseado num conto de Rubem Fonseca.

>>> Eis o obituário que escrevi no Diário de Notícias.