sábado, outubro 10, 2015

PS — ser ou não ser de "esquerda"

ALEXANDRE NEVSKY (1938)
* A direita e a esquerda — outra vez. Permitam-me um desabafo. Sou dos eleitores portugueses que se sentem profundamente incomodados pelo espectáculo da “esquerda” a que temos assistido nos últimos dias. Assim, depois de passarem meses a difamar o PS (“difamar” é uma forma suave de colocar a questão), forças políticas como o PCP e o Bloco de Esquerda aparecem agora, lacrimejantes, a mostrar uma comovente disponibilidade para abrir os braços a esse mesmo PS. Em nome de quê? Da unidade da “esquerda”...

* Tudo isto é também, ainda e sempre, uma questão de imagens. Desde logo, porque bastou observar os tempos de campanha eleitoral no espaço televisivo para confirmarmos que, mesmo não escamoteando a visão singular de algumas personalidades, as forças políticas portuguesas não têm a mais pequena ideia criativa sobre a cultura audiovisual (que, em boa verdade, não pesa em nenhum dos seus discursos oficiais ou comportamentos institucionais). Que forças políticas? Todas. De “direita” e “esquerda”, desde a coligação no poder ao mais microscópico arremedo de partido.

Vieira da Silva
* Dir-se-ia que todas encomendaram as suas campanhas às mesmas agências publicitárias, explorando modos de encenação (a postura das pessoas, o jogo cromático, os tipos de letra, etc.) que se confundiam com as mais recentes promoções de alguns hiper-mercados (sendo as campanhas do Continente ou do Pingo Doce, apesar de tudo, iconograficamente mais ricas, porque mais trabalhadas, do que a banalidade que encheu as nossas ruas e os ecrãs de televisão).

* Escusado será dizer que um dos valores mais viscerais gerados pelo 25 de Abril — a possibilidade de pensar também para além da dicotomia “direita/esquerda” — tem sido reduzido a uma insignificante excentricidade. O caso da “esquerda” é tanto mais sintomático quanto, em boa verdade, há no seu discurso mítico (em muitos aspectos, místico) a sugestão mais ou menos ambígua, mas socialmente muito poderosa (afectando a própria “direita”), de que a “esquerda” detém uma espécie de mandato transcendental: mesmo com erros e desvios, o seu discurso teria sempre a bênção de alguma “razão”.

* Como sair disto? Não sei. Seja como for, observo como tudo acontece num tecido social infestado de imagens, sem que ninguém, na cena política, mostre alguma disponibilidade para pensar a nossa cultura audiovisual. Como se estivéssemos condenados a olhar, por exemplo, para um clássico tão genial como Alexandre Nevsky (1938), de Sergei M. Eisenstein, e fôssemos compelidos a reconhecer nele um padrão universal de filme de “esquerda”, confundindo a sua utilização simbólica com as contradições da sua génese. Acontece que Alexandre Nevsky foi encomendado por um ditador chamado Estaline, o que baralha qualquer purificação de “esquerda”... Sem esquecer que, neste nosso cantinho, essa mesma “esquerda” se demitiu de nos ajudar a lidar com o devastador poder social do populismo televisivo. Obviamente, é mais fácil atacar o PS. Até porque o PS não tem coragem para se demarcar da “esquerda” que o insulta.