segunda-feira, outubro 26, 2015

Portugal, 1942, por Carlos Saboga (2/2)

A uma Hora Incerta recorda um Portugal vigiado pela PIDE; para Carlos Saboga (argumentista e realizador), tudo passa pela concepção das personagens e o trabalho dos actores — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Outubro), com o título 'Repensando a história'.

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Antes de realizar dois filmes — Photo (2013) e, agora, A uma Hora Incerta —, Carlos Saboga deixou a sua marca de argumentista em títulos como O Lugar do Morto (António-Pedro Vasconcelos, 1984), Matar Saudades (Fernando Lopes, 1988), O Milagre segundo Salomé (Mário Barroso, 2004), Mistérios de Lisboa (Raul Ruiz, 2010) ou Linhas de Wellington (Valeria Sarmiento, 2012). Como ele próprio diz, o seu gosto pela “intriga” é menos intenso que a sua paixão pelas personagens, quer dizer, pelas convulsões humanas que os actores podem colocar em cena.
Sendo A uma Hora Incerta um filme apostado em encenar a acção da polícia política do Estado Novo, eis o que, compreensivelmente, não será um factor secundário em tal dinâmica criativa. Devido à cobardia intelectual da direita ou através da demagogia dos clichés da esquerda, a abordagem de personagens da PIDE enquista-se, por vezes, em soluções simplistas que recalcam os matizes da história, quer dizer, a necessidade de pensar essa história para além dos lugares-comuns (contra eles, se for caso disso) enraizados em discursos políticos cada vez mais esgotados na banal gestão do seu efémero impacto televisivo.
Não é todos os dias, de facto, que podemos deparar com um filme português que, como A uma Hora Incerta, trata a história como algo mais do que uma montra de símbolos em que só nos resta censurar os “maus” e celebrar os “bons”. Carlos Saboga sabe colocar em cena os caminhos tortuosos do fascismo português para além de qualquer facilidade panfletária, expondo uma teia de factos e silêncios em que, no limite, se diluem as fronteiras entre repressão política e pulsão sexual. Conhecer a história não é o mesmo que juntar meia dúzia de figuras a fazer grande alarido num estúdio de televisão... Tanto pior para nós.