sábado, setembro 26, 2015

Woody Allen: as mulheres e os homens (3/3)

2015: HOMEM IRRACIONAL, Woody Allen
1955: A LESTE DO PARAÍSO, Elia Kazan
A estreia de Homem Irracional relança-nos no labirinto do masculino/feminino, fulcral na dinâmica dramática de todo a obra de Woody Allen — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Setembro), com o título 'De Manhattan a Rhode Island'.

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Na filmografia de Woody Allen, Homem Irracional é o terceiro título consecutivo em que ele opta pelo formato “largo” (correspondente ao clássico CinemaScope). Acontecera assim em Blue Jasmine (2013), com imagens a cargo do espanhol Javier Aguirresarobe, e Magia ao Luar (2014), em que a direcção fotográfica, tal como em Homem Irracional, pertence a Darius Khondji. Trata-se de um detalhe técnico? Talvez. Em todo o caso, será interessante perguntar se uma certa visão corrente de Woody Allen — como autor de retratos mais ou menos anedóticos das convulsões humanas — não se revela limitada na compreensão da riqueza do seu universo.
Com a celebração gratuita dos “efeitos especiais”, a percepção das imagens passou a estar dominada por uma adoração beata da tecnologia ou, pior um pouco, pela visão instrumental imposta pelos discursos publicitários (incluindo na sua contaminação da vida política). Por isso mesmo, importa revalorizar o facto de criadores como Woody Allen não tratarem as suas imagens como muletas “descritivas” (nada a ver com a formatação telenovelesca), antes como elementos fulcrais da narrativa, suas ideias e emoções.
A “largura” das imagens de Homem Irracional favorece, assim, uma tensão subtil: por um lado, os lugares encantados daquela cidadezinha de Rhode Island vão surgindo como sinais de um paraíso prometido ou imaginado, capaz de redimir os pecados dos seres humanos; por outro lado, quanto mais somos atraídos pela luminosidade dos cenários, mais sentimos que se adensa o negrume que envolve os protagonistas. Afinal de contas, já em Manhattan (1979) o formato largo era essencial na celebração de Nova Iorque — como se a suprema arte das palavras que distingue Woody Allen fosse um prolongamento do seu talento de desencantado pintor.
1979: MANHATTAN, Woody Allen