domingo, setembro 27, 2015

3 milhões de abstencionistas

PAUL KLEE
Comédia
1921
Nem os candidatos, nem os jornalistas, ninguém parece disponível ou motivado para falar sobre os abstencionistas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Setembro), com o título 'O país dos 3 milhões'.

Intermináveis e repetidos debates com as mesmas cinco ou seis figuras políticas... Reportagens de um ou dois minutos, todos os dias, a todas as horas, com essas cinco ou seis figuras a repetirem os mesmos soundbytes... Sondagens, dia sim, dia não, noutros tempos apresentadas como a máxima depuração de uma verdade científica, agora, conforme os resultados, acompanhadas pelas declarações de uma ou duas figuras (das cinco ou seis já mencionadas) que duvidam da respectiva fiabilidade...
Em Portugal, não parece haver grande disponibilidade para pensar os efeitos (sociais e políticos, numa palavra, culturais) daquilo que se repete ad infinitum, como uma espécie de mantra televisivo, supostamente para nos fazer compreender o mundo à nossa volta.
Um pouco como a velha história do cinema português não ter sucesso... Qual cinema português?... E que sucesso?... Com várias gerações de espectadores a serem (des)educadas pelos formatos telenovelescos, alguém esperaria que o belíssimo As Mil e uma Noites, de Miguel Gomes, pudesse encher estádios de futebol? Estamos a falar de quê?
Que acontece, então, com a política, e em torno da política? Por um lado, a sua hipotética dinâmica de acção e pensamento está reduzida àquelas formatações televisivas, esteticamente anódinas, filosoficamente entorpecentes; por outro lado, voltamos a viver uma campanha eleitoral em que o drama das abstenções nem sequer é aflorado na rotina pitoresca do dia a dia.
Perante o facto brutal de, em recentes actos eleitorais, mais de 3 milhões de portugueses não terem comparecido nas urnas, não seria pertinente perguntar se a actual percepção televisiva da política consegue fazer alguma coisa para contrariar tal estado de coisas? Não se trata de distribuir “culpas”, apenas de relançar uma dúvida metódica: a continuada representação da política através de estereótipos, cansados e previsíveis, talvez não seja a forma mais eficaz de sensibilizar os milhões que deixaram de acreditar na pertinência do seu voto.