quarta-feira, agosto 19, 2015

"Coclea" ou a música como metáfora

"Coclea": canal auditivo, caracol... O dicionário ajuda-nos a reconfigurar o nosso (des)conhecimento, aproximando-nos da dimensão serenamente metafórica da música — este é, de facto, um disco de significações alternativas, em que, por assim dizer, a música se confronta com o desafio de transcender a sua própria abstracção.
Evitemos, por isso, a facilidade de nos ficarmos pela noção de que Coclea é uma antologia de "música-ambiente". Sem ofensa para o mestre Brian Eno, mas o rótulo banalizou-se, a ponto de nos fazer crer que o essencial se passa algures, fora da música, servindo esta apenas para configurar o ambiente da percepção. Nada disso: Guilherme Gonçalves trabalha a guitarra (enfim, imagino que as guitarras...), tal e qual ou através de manipulações electrónicas (imagino que electrónicas...), como instrumentos de criação do ambiente, dos cenários, das personagens, enfim, das narrativas.
São seis temas de envolvente verdade poética que não resisto a designar como visceralmente cinematográficos, de tal modo vislumbramos a dinâmica de um mundo visual em movimento, discutindo as significações de gestos e poses das suas invisíveis personagens. Quase como um fenómeno táctil — a faixa nº1, aqui reproduzida, chama-se mesmo Touch.