domingo, julho 05, 2015

Da Estónia para o mundo

Tangerinas conseguiu a proeza de ser a primeira produção da Estónia a chegar às nomeações para os Oscars — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Julho), com o título 'Memórias da Estónia e da Geórgia'.

Com argumento e realização de Zaza Urushadze, Tangerinas entrou para a história como a primeira produção da Estónia a obter, em Janeiro deste ano, uma nomeação para o Óscar de melhor filme estrangeiro (o vencedor seria o polaco Ida, de Pawel Pawlikowski). Tal proeza reflecte a sua principal qualidade. A saber: a capacidade de encenar um complexo conflito regional — a guerra pela independência da região da Abkhazia, na Geórgia (1992-93) — a partir de elementos dramáticos que conferem ao filme um impacto emocional de âmbito universal.
Em cena estão duas personagens que resistem às próprias convulsões da história, não por obstinação moral ou militância política, antes porque não desistem de salvar as suas... tangerinas! Perante a eclosão dos combates, quase todos os estonianos regressaram ao seu país. Ivo (Lembit Ulfsak) e Margus (Elmo Nüganen) decidem ficar no seu terreno na Geórgia, precisamente porque não querem deixar de colher na altura certa os frutos do seu pomar. Na prática, a sua casa acaba por ser literalmente ocupada por personagens em conflito aberto, pondo em causa a sua própria sobrevivência.
Num registo do mais estrito realismo, Urushadze sabe criar um curioso efeito teatral que desemboca numa fábula irónica sobre as singularidades individuais e os efeitos perversos das máquinas ideológicas. Além do mais, o filme é servido por um magnífico lote de actores, capazes de expor as contradições dos comportamentos humanos muito para além de qualquer cliché moral ou dramático.
No actual contexto comercial, Tangerinas é também um exemplo sintomático de uma diversificação da oferta que, em boa verdade, tarda em consolidar-se. Não se trata, entenda-se, de demonizar os chamados grandes espectáculos (sejam eles americanos ou de qualquer outra origem). Trata-se, isso sim, de reconhecer o paradoxo: um mercado dominado pelas promoções de meios grandiosos em que, apesar de tudo, persiste a vontade de continuar a dar a ver filmes como este.