sexta-feira, abril 10, 2015

Laurent Lafitte, actor francês (1/2)

Laurent Lafitte é um actor do cinema francês que mantém uma relação forte com o teatro; como protagonista de Tal Pai, Tal Mãe, encontrou um registo de comédia que não é estranho a um certo realismo social — esta entrevista, realizada em Lisboa, por ocasião do lançamento do filme, foi publicada no Diário de Notícias (6 Abril).

Tal Pai, Tal Mãe é uma comédia sobre um divórcio, mas nenhum elemento do casal quer ficar com os filhos, de tal modo que o efeito cómico não exclui um certo realismo social — como encontraram o equilíbrio entre esses factores?
Acontece que eu e Marina Foïs (que interpreta a minha mulher) integrámos o trabalho de preparação do argumento quase um ano e meio antes de começar a rodagem. Gostamos das comédias que se desenvolvem a partir de uma situação real, não se esgotando na acumulação de “gags”. Daí que a história tenha um certo tempo de construção, uma boa meia hora para conhecermos aquele casal antes de se introduzir o elemento cómico. E como o pai e a mãe não são muito simpáticos com os filhos, esse tempo era necessário para que o próprio humor fosse bem recebido. Além do mais, Martin Bourboulon, o realizador, queria fazer uma espécie de comédia romântica disfarçada — e seguimos de bom grado essa opção.

Os filhos não são caricaturas, mas personagens de corpo inteiro. Como decorreu o trabalho com os actores mais novos?
Foi simples porque eles gostavam da história, achavam muita graça às situações. Além do mais, não os tratámos como miúdos a quem estávamos a dar conselhos... Comportámo-nos todos como verdadeiros companheiros de trabalho.

Parece-lhe que o filme traduz um certo retorno à tradição da comédia familiar francesa?
Apesar de tudo, creio que nos aproximámos mais de um modelo de comédia de situação, tal como existe em algum cinema americano, por exemplo nos filmes de Judd Apatow. Tentámos retratar uma família moderna num mundo em que, na função paterna, no trabalho e até no amor, domina uma preocupação de eficácia. Até o próprio divórcio deve ser exemplar, a vida tem de ser tão perfeita como se faz crer que é no Facebook — há uma pressão constante, não apenas em relação ao que se vive, mas também através da representação de si próprio que se dá aos outros.

O argumento estava completamente fechado ou houve margem para alguma improvisação?
É verdade que o argumento estava completo mas, por vezes, no momento de filmar, sentimos que um determinado diálogo não era tão bom na cena — daí algumas mudanças. Noutros casos, Marina e eu continuávamos para além daquilo que estava escrito e o realizador deixava-nos ir...

As diferenças entre representar em cinema ou teatro são, obviamente, uma questão clássica. No seu caso, como vive essas diferenças?
No cinema, aquilo que mais gosto é o resultado final. O processo é muito laborioso, a rodagem não corresponde à ordem da história, não somos nós que escolhemos as imagens que vão ser utilizadas, há sempre algo de frustrante; ao mesmo tempo, pode ser impressionante, uma vez que há todo um conjunto de artifícios (montagem, música, etc.) que faz com que o actor se sinta transfigurado e, por assim dizer, sublimado. No teatro, gosto da sensação de que não vou ser interrompido — são duas ou três horas vividas segundo uma certa ordem, sem esquecer que a escrita literária do teatro é quase sempre mais rica.

No teatro, há mais controle sobre a interpretação?
Sim, ao mesmo tempo que se sente que nada é definitivo. No cinema, as condicionantes da cena exercem muito mais pressão sobre o nosso trabalho.

Uma representação numa noite de teatro pode ser completamente diferente da noite anterior?
Sem dúvida, há sempre maneiras diferentes de dizer as mesmas palavras. Por vezes, é quando estamos cansados que acontecem as melhores representações...

Um pouco por todo o lado, fala-se de crise de cinema, mas França continua a ser um país com bons índices de frequência das salas.
É um facto: em França, o cinema funciona muito bem — é uma grande indústria e tem uma oferta muito variada. Possui, além do mais, um sistema de financiamento muito particular, sendo a “excepção cultural” um conceito que protege muito o cinema. Ao mesmo tempo, é um também um facto que há novas formas de consumo do cinema, com a Internet, o aluguer por videoclubes, sem esquecer, em paralelo, o enorme desenvolvimento artístico das séries de televisão.

Como é o seu comportamento, precisamente enquanto espectador de cinema?
Sou o mais eclético possível. E procuro até ir ver filmes a lugares que, por vezes, me suscitam alguns preconceitos. Não sou snob, tanto gosto de uma boa comédia popular como de um filme de autor...