segunda-feira, dezembro 01, 2014

Saint Laurent por Bonello

De que falamos quando falamos de Yves Saint Laurent? Bertrand Bonello responde de forma hesitante — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Novembro), com o título 'O costureiro e o cineasta'.

Não sei se o realizador Bertrand Bonello poderá reconhecer-se em tal rótulo, mas vejo-o como um dos maneiristas do cinema contemporâneo (francês ou não). Não tanto pelos requintes formais que o seduzem, mas mais por uma razão muito primitiva: perante a proliferação agressiva do naturalismo televisivo, quase sempre conduzido por uma lógica moralista, Bonello gosta de tratar as suas personagens e ambientes como entidades que resistem à ilusão de que as imagens podem ser transparentes e, no limite, inocentes. Nesta perspectiva, o seu filme mais complexo e sugestivo será Le Pornographe (2001), ousando lidar com a representação pornográfica como uma matéria latente em qualquer imagem — além de o fazer através de uma personagem (um realizador de filmes pornográficos) representada de modo genuinamente trágico por Jean-Pierre Léaud.
Bertrand Bonello
Daí, confesso, o meu sentimento paradoxal perante um filme como Saint Laurent, em que Bonello evoca os anos de glória de Yves Saint Laurent, nas décadas de 60/70: por um lado, há uma evidente empatia com a trajectória existencial do costureiro, incluindo os seus mais secretos silêncios; por outro lado, face a alguém que, no seu excelso classicismo, é um criador que resiste a qualquer maneirismo, dir-se-ia que o cineasta não consegue passar das aparências mais ou menos pitorescas.
Podemos admirar o investimento de actores como Gaspard Ulliel e Jérémie Rénier, compondo as figuras de Saint Laurent e Pierre Bérgé, respectivamente. Ao mesmo tempo, porém, sentimos que o filme nunca consegue escapar às malhas de uma “psicologia” mais ou menos esquemática e redutora. E fica a sensação de que a filmagem atenta de uma passagem de modelos de Yves Saint Laurent teria sido mais reveladora da sua singularidade e do seu génio.