domingo, dezembro 07, 2014

Casanova 2014 (1/2)

Variações de Casanova, com John Malkovich sob a direcção de Michael Sturminger, leva-nos a evocar uma série de referências mais ou menos distantes, com inevitável destaque para o Casanova (1976), de Federico Fellini, com Donald Sutherland — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Dezembro), com o título'História, mitologia e solidão de Giacomo Casanova'.

Quando pensamos nas representações de Giacomo Casanova em cinema, o filme de Federico Fellini com Donald Sutherland emerge como uma espécie de padrão absoluto. Na sua pessoalíssima visão, o Casanova de Fellini — cujo título original é mesmo Il Casanova di Federico Fellini — surgiu também como consagração de um modelo de grande produção de que o realizador italiano era, na altura, a mais emblemática referência europeia.
Fellini tinha assinado dois filmes eminentemente pessoais, Roma e Amarcord, respectivamente em 1972 e 1973. Com distribuição internacional assegurada por um grande estúdio de Hollywood (Universal), o novo Casanova, lançado em 1976, parecia reunir o melhor de dois mundos: uma referência literária europeia (História da Minha Vida, de Giacomo Casanova) e um muito popular actor americano (nascido no Canadá) que nos últimos anos coleccionara sucessos como MASH (1970), Klute (1971) e Aquele Inverno em Veneza (1973). Não dominando a língua italiana, Sutherland reconheceu que nunca percebeu muito bem o que Fellini procurava; o certo é que o filme ficou como uma das mais subtis abordagens de Casanova, algures entre a história e a mitologia, expondo a solidão radical da personagem.
Encontramos Casanova em títulos desde os tempos heróicos do mudo. Há mesmo uma célebre produção francesa de 1927, Casanova, o Galante Aventureiro, dirigida por Alexandre Volkoff, protagonizada pelo lendário actor russo Ivan Mosjoukine.
As derivações em torno da personagem nem sempre resultaram de abordagens históricas. Assim, em 1944, numa típica comédia melodramática, dirigida por Sam Wood, Gary Cooper interpretava um homem, de nome Casanova Brown, a braços com uma insólita crise conjugal (motivada pela anulação jurídica do seu casamento) — Casanova Brown era, aliás, o título original, tendo sido lançado nos ecrãs portugueses como O Moderno Casanova. Em 1954, o herói veneziano surgia interpretado por Vincent Price em A Grande Noite de Casanova, comédia de identidades trocadas com Bob Hope a liderar o elenco e Norman Z. McLeod a assinar a realização.
Ainda assim, alguns dos projectos mais interessantes em torno de Casanova resultaram da vontade de o devolver ao seu contexto histórico, contrariando a imagem estereotipada do “grande conquistador”. Assim aconteceu com A Iniciação Sexual de Casanova (1969), de Luigi Comencini: o jovem inglês Leonard Whiting era o protagonista, um ano depois de ter participado no Romeu e Julieta, de Franco Zeffirelli. Em 1982, em A Noite de Varennes, Ettore Scola abordava as convulsões da Revolução Francesa a partir de um grupo de passageiros numa carruagem, um deles Casanova, interpretado por Marcello Mastroianni.
Casos como O Regresso de Casanova (1992), com Alain Delon, ou a série televisiva Casanova (2005), com Peter O’Toole a assumir a velhice da personagem (interpretado, em novo, por David Tennant), não geraram qualquer “moda”. Daí também o efeito de redescoberta que o novo filme de Michael Sturminger envolve — afinal de contas, Casanova sobreviveu ao seu próprio mito.