segunda-feira, novembro 17, 2014

Novas edições:
David Bowie

“Nothing Has Changed”
Parlophone / Warner Music
5 / 5

Com uma obra em disco quase invisível até à chegada de Space Oddity (em 1969) – e feitas as contas até então tinha já lançado um álbum e nove singles – David Bowie é, na verdade, um veterano a assinalar em 2014 os 50 anos de carreira discográfica. Se com os The Kon-Rads, a sua primeira banda (formada em 1962) não chegou a fazer discos, a sua estreia chegou em 1964 com Liza Jane, o único single que editou como Davie Jones & The King Bees, primeiro de uma série de experiências efémeras que o mostravam em terreno mod, os primeiros sinais de busca de uma visão mais pessoal chegando com um belíssimo (mas ainda hoje relativamente ignorado) álbum de estreia editado em 1967, na verdade cabendo apenas a Space Oddity o papel de o devidamente apresentar a uma mais vasta plateia, cabendo depois à “fase” Ziggy, entre 1972 e 73, a sua elevação a um estatuto icónico de dimensão global que, entre sucessivas mudanças e visões, o afirmaria como um dos mais importantes autores do nosso tempo. Há pouco mais de ano e meio, e após uma década de ausência, que se seguiu a uma urgência clínica, Bowie regressou, para surpresa de todos, com um álbum pungente, capaz de estabelecer pontes com etapas várias da sua obra, reafirmando uma relação com as linguagens do rock que nem sempre dominaram a sua música. Se a surpresa em 2013 foi a existência de um disco – no qual nos apresentava em Where Are We Now? uma das suas melhores canções de sempre – um ano depois a novidade está no rumo no qual lança um novo single que assim se serve como o mais apetitoso de um breve conjunto de temas inéditos que agora inclui numa antologia que, como até aqui nunca acontecera, junta elementos da era pré-Space Oddity a muita da história que se seguiu. Lançado também em formato de single, Sue (or in a Season of Crime) é uma peça desafiante de sete minutos de duração, votada a transgredir o formato clássico da canção pop/rock, aliando o poder da presença (sublime) da orquestra de jazz de Maria Schneider para colocar Bowie num espaço novo e distinto, restando-nos ficar a pensar se esta será a porta para a entrada num outro mundo de sons e formas, como o foi para Scott Walker o álbum Tilt, de 1995 (depois de, é verdade, algumas sugestões já ensaiadas em Climate of Hunter, de 1984). Se a dúvida fica no ar (com uma canção em tudo brilhante), ao resto do alinhamento de Nothing Has Changed – título extraído da letra de Sunday (do álbum Heathen, de 2001) – cabe a abertura de mais algumas frestas sobre o álbum “perdido” Toy, gravado em 2000 mas até aqui nunca editado, juntando depois um percurso que recua aos tempos de Liza Jane, You've Got a Habbit of Leaving ou Can’t help Thinking About Me (alguns dos singles pré-1969), de um longo percurso, dos seus álbuns de estúdio ficando apenas de fora o registo de estreia David Bowie (de 1967) e a etapa entre 1989 e 1992 na qual militou nos Tin Machine. O alinhamento junta vários singles nascidos fora do alinhamento de álbuns (sobretudo nas colheitas dos oitentas), e opta inteligentemente por apresentar as versões editadas nos singles sempre que possível, alargando assim o panorama para lá do que está já representado na discografia em álbum, entre estas escolhas surgindo assim importantes colaborações pontuais com nomes como os de Mick Jagger, Pat Metheney, Nine Inch Nails, Pet Shop Boys ou os Queen. A mais abrangente das antologias de Bowie até este momento poderá ser apenas o início de uma abordagem mais sistemática a uma obra vasta e marcante. Se seguir (e devia fazê-lo) os passos de uns Beatles ou Abba, podem seguir-se caixas com integrais de singles em suporte digital e vinil. O que não impede que, como sucedeu já com álbuns como David Bowie (1967), The Rise and Fall of Ziggy Stardust and The Spiders from Mars (1972), Aladdin Sane (1973), Diamond Dogs (1974), Station to Station (1976), Black Tie White Noise (1993), Hours (1999), Heathen (2001), Reality (2003) e The Next Day (2013), surjam reedições, com extras, dos restantes títulos da sua obra. Há ainda muito a fazer, está visto. 

PS. Podíamos aqui falar também do artwork do disco. Mas fica para um próximo post, OK?