segunda-feira, novembro 10, 2014

Notícias do mundo dos zombies

Na sua quinta temporada, a série The Walking Dead continua a ser um caso exemplar de uma televisão que, através da integração de modelos populares, funciona como câmara de eco de temas e angústias do nosso aqui e agora — esta crónica foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (7 Novembro), com o título 'Entre quatro paredes'.

O terceiro episódio da temporada nº 5 de The Walking Dead, a passar no TV Séries (o quinto será emitido na segunda-feira, dia 11), constitui, por certo, um dos grandes momentos televisivos dos últimos tempos. Escrito por Angela Kang e Corey Reed, com realização de Jeffrey F. January, nele encontramos os elementos nucleares da série, liderados por Rick (Andrew Lincoln), refugiados numa igreja cujo padre é o único sobrevivente da vaga de zombies. A igreja vai servir de palco ao confronto do grupo com os elementos que os tinham aprisionado na zona “protegida” designada por Terminus (cuja demanda pontuara toda a temporada anterior).
Afinal, mais ou menos desde o final da segunda temporada, The Walking Dead abandonou a dicotomia simbólica que faz mover as histórias clássicas de zombies, transfigurando-se numa odisseia interior em que quase tudo se decide a partir de um combate primitivo pelo controle de algum território — no limite, os zombies funcionam “apenas” como fantasmas errantes e erráticos desse combate. Integrando sintomas vários do niilismo contemporâneo (a falência dos recursos naturais, as ameaças da manipulação tecnológica, a volubilidade dos líderes políticos, etc.), a série passou a ser regida por uma pergunta drástica: será que já não é possível construir uma relação genuinamente humana?
No referido episódio, a violência entre os grupos humanos desemboca num ritual que tem por cenário o interior da própria igreja, numa crueza figurativa que, como diz uma personagem, nos leva a contemplar aquele espaço como apenas “quatro paredes e um telhado” (expressão que, aliás, serve de título ao episódio).
Com uma contundência rara, em televisão ou cinema, The Walking Dead espelha, assim, um tempo de dramático esvaziamento espiritual. Não admira que este episódio, em particular, explore o poder expressivo (algo expressionista) de uma escuridão que, em última instância, funciona como desafio à própria “claridade” que domina os noticiários televisivos — a actualidade está na ficção, não nas notícias.