domingo, novembro 02, 2014

Manuela Azevedo no CCB:
melhor que um 'grand slam'


Quando se dá carta branca espera-se um desafio. Precisamente o desafio que o sentido de liberdade que mora numa uma carta branca pode conferir. E um ano depois de, com carta branca, Sérgio Godinho ter levado algumas das suas ‘caríssimas canções’ ao palco do CCB, agora foi a vez de Manuela Azevedo, através de um espetáculo a que chamou Coppia, juntar nova visão (e um novo corpo de canções) a uma das melhores ideias da programação atual do Centro Cultural Belém.

Com corpo central da sua obra feito nos Clã, mas já com diversas ocasiões em que nos mostrou saber ir para lá dessas fronteiras – ou via Humanos ou numa recente parceria com Bruno Nogueira – Manuela Azevedo tomou o desafio que a carta branca lhe deixou nas mãos da melhor forma. Idealizou um conceito, que tomou a ideia de “parelha” (de par) como centro de gravidade. Chamou o parceiro Hélder Gonçalves, touxe um par de bailarinos (que não se limitaram a dançar) e, fazendo todos estes uma parelha com Victor Hugo Pontes, conceberam Coppia como um espaço para, com canções que evocam parcerias ou pares falar do que é viver em par... O dois em um, portanto (e numa cenografia que evocava o espaço de um court de ténis, onde se joga a dois, ou a dois pares).

Se a lista de ingredientes foi coisa gourmet de juntar – e por ali passaram Gilberto Gil, Sérgio Godinho, Sonny & Cher ou Nine Inch Nails, entre muitos outros – a culinária tornou-os ainda mais apetitosos através de arranjos inventivos e nunca repetitivos, servindo-se de uma abordagem instrumental relativamente reduzida, essencialmente feita de guitarras e percussões, ocasionalmente o piano, breves electrónicas e pouco mais. E depois há o canto e a performance. E se Manuela Azevedo há muito deixou claro que é uma das mais talentosas e expressivas vozes da música portuguesa, as parerias em palco sublinharam um entendimento total não apenas com Hélder Gonçalves mas também os bailarinos, a versão de I Got You Babe (espantoso party number quase no fim do alinhamento) mostrando mesmo como a união faz sempre a força. 

Com principio, meio e fim (e ainda nem que não houve um encore, porque Coppia é como um musical, ou seja, acaba na última nota e na despedida dos músicos), o espectáculo deixou quem ali foi com a sensação de ter visto um momento inesquecível e raro. Resta agora esperar que se possa repetir em outros palcos. E que, como sucedeu com Sérgio Godinho, acabe transformado em disco (e quem sabe DVD, porque merece). Se há coisa para que se justificam os discos ao vivo é quando em palco surge algo diferente do que os outros discos de estúdio nos mostram. É o caso. E será um acontecimento se, por acaso, se concretizar.