sexta-feira, outubro 31, 2014

Histórias da “coisa” sexual

De que falamos quando falamos de sexo? E com que imagens o falamos? Eis algumas interrogações que O Quarto Azul, de Mathieu Amalric, nos ajuda a percorrer — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Outubro).

O modo como falamos da sexualidade é um sinal. É sempre. De quê? De tudo e mais alguma coisa. Podemos convocar o papá Freud para nos ensinar a percorrer o labirinto das nossas alegrias, silêncios e medos. Mas falta-nos — desde logo na comunicação social — alguma arte e engenho para, com ou sem o autor de Totem e Tabu, enfrentarmos o aqui e agora da “coisa”.
Penso em tais atribulações a propósito de O Quarto Azul, filme interpretado e dirigido por Mathieu Amalric, adaptando um romance de Georges Simenon. De facto, em tempos mediaticamente mais democráticos — e, sobretudo, numa sociedade que valorizasse os valores mais nobres da inteligência humana —, a sua encenação muito crua (muito “gráfica”, como se diz agora, adaptando de forma simplista o graphic inglês) dos encontros secretos de um casal adúltero seria, por certo, pretexto para muitas e variadas reflexões sobre as imagens e as palavras com que lidamos com a sexualidade.
Mas não. Nada disso acontece. E são os programas da chamada “reality TV” (desde Big Brother a Casa dos Segredos) que passaram a ocupar, literalmente, o espaço social, educando (?) crianças e adolescentes para uma sexualidade anedótica, pitoresca e instrumental em que o outro — sobretudo se for uma mulher — se define apenas como objecto descartável da performance de um qualquer protagonista.
Fiel à frieza e desencanto da escrita de Simenon, O Quarto Azul encena as relações de Julien (o próprio Amalric) e Esther (Stéphanie Cléau, que reparte com o realizador a autoria do argumento adaptado) como uma demanda paradoxal: por um lado, os amantes perseguem uma utopia da entrega que, em boa verdade, não conhece os seus limites; por outro lado, a ordem social, apesar de construída sobre o elogio das singularidades do indivíduo, ignora o carácter irredutível do desejo sexual.
Nada disso, entenda-se, nos oferece qualquer certeza sobre o sexo “normal” e o sexo “libertador”, o amor “legal” ou o amor “maligno”. Aliás, perpassa por O Quarto Azul uma noção muito cruel que, creio, podemos aprender na escrita de Freud: a de que, no interior da nossa procura do prazer, há sempre “algo” mais que labora, contaminando tal procura com uma descarnada insatisfação.
Há outra maneira, por certo mais simples, de dizer tudo isto: O Quarto Azul é um filme genuinamente adulto, e para adultos. Há nele um sentido de risco estranho aos desígnios de um tempo em que a atitude corrente face às obras (cinematográficas ou não) mais contundentes se reduz ao soar de campainhas de alarme — na prática, isso faz com que um filme tão sério e tão adulto como Apocalypse Now, ao passar algures num canal de televisão, alta madrugada, tenha de ter as suas imagens conspurcadas por uma estúpida bolinha vermelha. A sociedade inventada pela reality TV é, afinal, um mundo de obrigatória infantilização das pessoas e suas relações.

Ver + ouvir:
Xinobi, Mom and Dad



Um dos temas do álbum 1975 de Xinobi. Vale a pena lembrar que o músico integra um cartaz - onde também surge The Juan McLean - que se apresenta na noite de dia 13 no Lux, em Lisboa.

Pulp: o elogio da gente comum


A dada altura, já a meio do filme, Jarvis Cocker explica-nos que a fama é um pouco como ser levado de repente e deixado ali algures, a meio de Portugal... Sem capacidade para fazer nada do que antes fazia... A verdade é que souberam encontrar caminho. E depois do impacte colossal de Different Class, álbum que os consagrou como figuras maiores da pop dos anos 90 mas, ao mesmo tempo, os levou a lugares e companhias que não desejavam – assim o explicam – responderam fazendo o disco que seria o oposto do esperado. Na verdade fizeram dois nesses termos. E por marcante – musical e sociologicamente - que tenha sido Different Class, a verdade é que o melhor da obra dos Pulp surgiu mesmo entre This Is Hardcore (1997) e We Love Life (2001), este último criado com Scott Walker como produtor.

O filme Pulp: Um Filme Sobre a Vida a Morte e os Supermercados não quer ir por aí. Ou seja, não parte em busca de um percurso musical, nem tenta colher frutos do que uma carreira longa – e nem toda ela bem conhecida do grande público nos deixou. Nada contra. Há artigos de jornais e revistas para o fazer. Florian Habicht procurou antes a ocasião de uma digressão de reencontro (para um prometido ponto final) e, em concreto, uma passagem pela sua cidade natal de Sheffield, para à sua volta procurar cenas de vida, de morte e de supermercados (onde em tempos Jarvis Cocker trabalhou)... Pena que tenha sentido a necessidade de andar atrás da banda, um a um, entre entrevistas arrumadas entre olhares de bastidores e palco e que tenha deixado escapar o grande filme que ali tinha debaixo dos olhos: um filme sobre a fama e os fãs. E que fãs!


O melhor do documentário que recentemente estreou no Doc, terá breve vida em sala e chega também ao DVD, mora precisamente nas sequências em que admiradores dos Pulp discutem ou a sua música ou o seu relacionamento com as suas próprias vidas. O momento em que uma mulher lê a letra de Help the Aged e, depois, um bar cheio de idosos a transforma em canção dá conta desse filme que poderia ter acontecido. A “gente comum” aqui é quem brilha e mais de novo ou diferente tem que nos dizer. Afinal porque não escutou o realizador a canção que lhe podia ter dado a pista certa?

Apesar do muito que Jarvis Cocker e colegas têm para nos contar e das belíssimas sequências de palco que vemos, o documentário por vezes descola, mas sistematicamente regressa àquele naipe habitual de elementos que fazem tantos outros making of e afins que vemos como extras em DVDs.

Reedições:
Siouxsie & The Banshees

“Peepshow”
Universal
3 / 5

Foi há quase 40 anos... Corria o ano de 1976, Londres acolhia a vibração da revolução punk e uma das suas figuras mais marcantes dava uma primeira atuação no alinhamento do mítico 100 Club Punk Festival, não mostrando mais senão uma improvisação de 20 minutos em volta do tradicional The Lord’s Prayer... A estranha diva punk tinha a seu lado Steve Severin, juntamente com Sid Vicious e Marco Pirroni (que algum tempo depois seria o principal parceiro de Adam Ant)... Num caos em busca de nova ordem dava primeiros passos uma ideia que conduziria Siouxie Sioux e Severin a uma carreira que, de raízes punk, partiu rumo à construção de um espaço tenso e assombrado que, juntamente com alguns contemporâneos seus, acabariam por definir as bases do que então se veio a designar por rock gótico. Longe de se deixar definir por uma busca de identidade de género (musical, claro), o coletivo gravou uma sucessão de álbuns marcantes entre finais dos anos 70 e inícios dos 80, somando mesmo um êxito maior em 1983 com uma soberba versão de Dear Prudence, dos Beatles. Como sucede com tantas carreiras o viço criativo do coletivo foi esmorecendo com o tempo, na verdade o gume da mais interessante invenção musical de Siouxie e Budgie (outra das almas dos Banshees) desviou-se a dada altura para o projeto Creatures, que acabaria por sobreviver à separação da banda. Excluindo o belo single de cenografia grandiosa que, ao som de Face to Face, criaram em 1992 para Batman Returns, de Tim Burton, a reta final da vida dos Siouxsie & The Banshees trouxe-nos dois álbuns ali onde o mediano ameaça resvalar para pior. Apesar de um ou outro single interessante, a segunda metade dos oitentas em nada repetiu também as visões e grandes ideias de outrora. Mas entre toda essa etapa há que apontar um episódio que apresenta algumas canções ao nível das melhores do grupo. Apresentando com uma das melhores canções de toda a obra de Siouxsie – Peak A Boo, que nasceu do acaso de um erro em estúdio, quando uma bobina foi escutada da trás para a frente – Peepshow foi, em 1988, o derradeiro episódio marcante de uma obra que o tempo injustamente foi depois esquecendo – quando me falam de bandas na zona de uns Zola Jesus ou afins digo sempre que prefiro o produto original, e esse está aqui. Sem a teatralidade nem os jogos de ângulos e sombras dos primeiros álbuns, Peepshow é contudo um disco onde às heranças colhidas na sua própria experiência o grupo junta a busca de outros destinos, nomeadamente a placidez cinematográfica que emerge com belos resultados em The Last Beat of My Heart ou Carroussel. Estes são mesmo assim episódios que se destacam num alinhamento que não evita os sinais de algum cansaço que se vinham já a manifestar em discos anteriores e dominariam os dois álbuns que ainda estavam pela frente. Mesmo, assim, nem que apenas por Peek A Boo, já valeu a pena. A nova edição junta versões tiradas do alinhamento de máxis da época.

Para ouvir: eis os Museum of Love



O ex-baterista dos LCD Soundsystem Pat Mahoney é um dos elementos da dupla Museum of Love, que acaba de ediar um álbum. Fica aqui um aperitivo. E dá vontade de ouvir mais...

Para ler: filme inacabado de Orson Welles
vai ter estreia em 2015

Rodado entre 1969 e 1976, um filme que Orson Welles deixara inacabado vai ter finalmente apresentação pública. Vai ser em 2015, mais concretamente a 6 de maio, para assinalar o seu centenário. Com o título The Other Side of The Wind é já um dos acontecimentos na agenda do ano que vem.

Podem ler aqui um artigo sobre este filme publicado no Guardian.

quinta-feira, outubro 30, 2014

Ver + ouvir:
Young Fathers, Get Up



São notícia porque esta noite foram consagrados como os vencedores da edição 2014 do Mercury Prize, o prémio mais "mediatizado" da indústria discográfica britânica. São escoceses e cruzam vivências indie e hip hop num terreno que, pelos vistos, sabe dialogar. Soa um bocado a TV on The Radio, o que nem é nada má referência... Vejamos para onde a coisa pode ir depois de devidamente assimiladas as referências e afinidades.

Quanto ao prémio?... É um prémio. Nos tempos em que havia lojas de discos pelas ruas, faziam-se uns cartazes e promovia-se a coisa. Agora dão-se uns "likes", partilham-se uns telediscos e na semana que vem fala-se de outra coisa. Fica o galardão. Fica o currículo. Mas é do trabalho futuro da banda (e do entusiasmo que saiba causar) que viverão os seus próximos capítulos. O prémio em sim, hoje em dia, quase não vale nada.

Em 2013? Foi James Blake quem ganhou, com o seu segundo álbum. Mas pela história do Mercury Prize tanto passaram discos de nomes que de facto fizeram carreira - como os Primal Scream, Portishead, Pulp ou PJ Harvey - como outros que, passado o encantamento fugaz do ano de glória (e até mesmo bons discos gravados), vão já a caminho do esquecimento. Badly Drawn Boy, Talvin Singh... Onde andam eles?...

Novas edições:
Au Revoir Simone

“Spectrums”
Moshi Moshi Records
4 / 5

A caução que receberam de David Lynch há uns bons sete anos fez das Au Revoir Simone um inesperado foco de atenções em 2007. Convenhamos que levavam na bagagem as canções do belíssimo The Bird of Music (um dos mais belos álbuns indie da segunda metade dos noughties), pelo que mais que um favor ao trio, o entusiasmo (mediatizado) de David Lynch alertou-nos para um nome e um disco a ter em atenção. E assim foi. Com estatuto eleito e defendido, as Au Revoir Simone regressaram depois aos discos sem o mesmo impacte (nem a concentração de belas canções, surpresas e entusiasmos) que havia feito do disco de 2007 um caso sério no mapa pop de então. A esse disco seguiram-se Still Night Still Light (2009) e Move In Spectrums (2013), onde deram sinais de evolução na continuidade. Ao mesmo tempo foi entrando em cena uma outra ideia que, pelos vistos, acabou agora por se fazer rotina: a edição de álbuns de remisturas. E depois de terem não só partilhado mas até mesmo colocado nas mãos de terceiros as canções dos seus discos de 2007 e 2009, eis que agora repetem a operação com os temas do álbum do ano passado. E não é que Spectrums, o disco que resulta deste alargar de pontos de vista sobre uma mesma matéria prima – ou seja: as canções – as valoriza e transporta a patamares mais entusiasmantes? Desde cedo ficara claro que, apesar de algum gosto classicista, havia nas entrelinhas da música das Au Revoir Simone um desejo de diálogos ainda mais evidentes com as electrónicas e, até mesmo, com estruturas rítmicas mais próximas dos espaços da música de dança que do terreno indie pop onde originalmente emergiam. Face ao que havíamos escutado em Move In Spectrums o que este novo disco nos apresenta é um conjunto vasto e estilisticamente alargado de opções que, tomando as vozes e as “almas” das canções como porto seguro, delas partem a viagens de descoberta e ensaio. Não se afastam muito. Não apagam as verdades primordiais das canções nem afogam a presença do trio no ego do remisturador que age pela transformação. Mas, tal como escutamos nas contribuições de Kiwi, Passarella Death Squad ou dos islandeses Apparat Organ Quartet, as operações propostas valorizam as canções e levam-nos a um lugar de surpresa e encantamento que, afinal, recordam o modo como The Bird of Music em tempos nos chamou para uma bela pop luminosa, pastoral na alma mas atenta à agitação e desafios da vida urbana do nosso tempo.

Pulp vezes 5:
Babies (1992)



Depois de quase dez anos em cena, com uma série de singles e álbuns praticamente ignorados foi ao som desta canção editada em 1992 que os Pulp começaram a conquistar atenções. Pouco depois acabavam metidos, um pouco à força, no "movimento" (foi mais um "momento", na verdade) brit pop e, entre os demais que por lá andavam, rapidamente sobressaíram. Juntamente com nomes como os Blur saíram da coisa a tempo e horas, conquistando um espaço por mérito próprio e não por forças do ajuntamento que então ganhou visibilidade, com natural centro de gravidade na imprensa musical britânica.

Para ouvir: todas as 'basement tapes' de Dylan

É editado no próximo dia 3 de novembro um novo volume de gravações de arquivo de Bob Dylan. Desta vez a viagem ao seu vasto historial de gravações inéditas leva-nos a redescobrir, na íntegra, as famosas 'basement tapes' que registou com os The Band em 1967, das quais anos depois editou em disco uma seleção.

Podem ouvir aqui, via Guardian, um avanço do que será este disco.

Para ler: porque é que os romances têm capítulos?

É de facto uma bela questão? Porque são os grandes textos de ficção divididos em capítulos? Onde nasceu a ideia e porque se instalou nos hábitos de escrita e leitura? Este é o objeto da atenção de um artigo publicado na New Yorker.

Podem ler aqui o artigo.

quarta-feira, outubro 29, 2014

Ver + ouvir:
Foxygen, Coulda Been My Love



Teledisco para um dos dois singles já extraídos do novo álbum dos Foxygen. Para já, vale a pena sublinhar, estão a escolher bem os temas que escolhem como cartão de visita do álbum.

Novas edições:
Panda Bear

“Mr Noah”
Domino
4 / 5

Foi há quase um ano que, numa noite no Lux em que ele mesmo era o curador dos eventos em cartaz, Panda Bear começou a destapar o véu sobre as canções de um novo álbum a solo, sucessor de títulos absolutamente marcantes como o foram Person Pitch (2007) e Tomboy (2011). Desde logo ficava clara a vontade de, sem voltar costas a uma linguagem e uma “voz”, haver ali o desejo de trilhar outros e novos caminhos, nomeadamente os que uma mais intensa arquitetura rítmica talhada por máquinas poderia sugerir... Houve canções magníficas e, no fim da noite, a deliciosa sensação de que estaria ali a nascer mais um disco de primeira água a juntar assim a uma discografia que, somando os títulos gravados a bordo dos Animal Collective, é das mais interessantes que o presente século tem escutado. Agora que sabemos que o álbum terá por título Panda Bear Meets The Grim Reaper e que terá lançamento em janeiro de 2015, entra em cena um novo aperitivo na forma de um EP com quatro novos temas. Encabeçado por Mr. Noah, o EP sugere o que podemos entender como uma ponte entre as memórias ainda relativamente recentes de Tomboy, a experiência do primeiro contacto com as novas canções e aquilo que (para já apenas podemos imaginar) será o álbum a editar em janeiro. Mantendo vibrante uma lógica de construção cenicamente intensa, artilhada por electrónicas, deleitada com o prazer da repetição e animada pela voz luminosa do músico, o EP é um saboroso conjunto de novas canções onde uma certa familiaridade dialoga com a surpresa, que tanto se manifesta na pulsão mais insistente do tema-título ou nos pontuais temperos orientais (via China) dos sons que abrem Tying The Knot. E é entre esta relação com marcas de identidade que há muito lhe reconhecemos e sugestões de que há outros destino a explorar já adiante que o EP assim coloca na linha do horizonte.

Singles dos R.E.M. reeditados numa caixa

Os R.E.M. continuam a trabalhar o seu arquivo. E agora anunciam para muito em breve a edição de uma caixa que recupera, com as capas originais, os seus singles em vinil editados entre 1983 e 1988, o que corresponde à etapa em que estiveram associados à IRS Records. Com o título conjunto 7IN-83-88, a caixa junta os alinhamento que se segue (via Pitchfork):

“Radio Free Europe” / “There She Goes Again”
“So. Central Rain (I’m Sorry)” / “King of the Road”
“(Don’t Go Back To) Rockville” / “Catapult” (live)
“Can’t Get There From Here” / “Bandwagon”
“Driver 8” / “Crazy”
“Wendell G” / “Crazy” + “Ages of You” / “Burning Down” [edição original no Reino Unido]
“Fall On Me” / “Rotary Ten”
“Superman” / “White Tornado”
“The One I Love” / “Maps and Legends” (live)
“It's The End Of The World As We Know It (And I Feel Fine)” / “Last Date”
“Finest Worksong” / “Time After Time” (live) [edição original no Reino Unido]

Pulp vezes 5:
Little Girl (With Blue Eyes) (1985)



O mundo começou a dar-lhes atenção em 1992, ao som de Babies. Mas por essa altura os Pulp tinham quase dez anos de discos editados, muitos deles só acabando por ser (re)descobertos depois do sucesso monumental de Different Class. Hoje regressamos a essas primeiras etapas na vida do grupo, com aquele que foi o seu terceiro single, originalmente editado em 1985. O tema seria mais tarde recuperado no alinhamento de algumas antologias. Estas imagens são de uma atuação televisiva em 1995.

Para ouvir: novo single dos Belle & Sebastian

Com um novo álbum a caminho (para edição em início de 2015), os Belle & Sebastian apresentam para já um single de avanço. Com o título The Party Line eis uma canção com viço pop, animada pela evidente presença de novas eletrónicas, sugerindo toda esta luz um contraste com o tom naturalmente desencantado da voz de Stuart Murdoch... Já fizeram melhor, mas o certo é que ao menos não regressam ao fim de um hiato ao som de mais do mesmo... Esperemos agora pelo álbum para tirar conclusões.

Para já podem escutar aqui o single.

Para ler: animação 'made in' França

A revista de cinema Sight and Sound apresenta um artigo sobre o estado da animação feita em França. Títulos recentes como Persepolis de Marjane Satrapi ou Belleville Rendez-Vous de Sylvain Chomet, são alguns entre os que o texto refere.

Podem ler aqui o artigo.

terça-feira, outubro 28, 2014

Ver + ouvir:
Flaming Lips (com Miley Cyrus e Moby),
Lucy In The Sky With Diamonds



Um teledisco para um dos temas de um álbum (a editar em novembro) no qual os Flaming Lips e convidados recriam, de fio a pavio, o alinhamento de Sgt. Peppers' Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Aqui são seus convidados Miley Cyrus e Moby.

Sound + Vision Magazine
hoje às 18.30 na Fnac Chiado


O Sound + Vision tem hoje a sua presença mensal na Fnac Chiado, uma vez mais propondo olhares escolhidos sobre os discos, os filmes e os livros que fazem a agenda dos dias que correm.

Na edição de hoje vamos destacar entre outros temas as recentes edições em DVD de filmes como Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer ou Só Os Amantes Sobrevivem, de Jim Jarmusch. Olhando para o mapa dos lançamentos em sala, e assinalando a chegada de um documentário sobre os Pulp recordaremos uma banda que marcou sobretudo a pop britânica dos anos 90.

Nos discos haverá tempo para falar de uma nova abordagem ao clássico Sgt. Peppers' dos Beatles ou à edição em suporte físico do mais recente álbum dos U2.

Novas edições:
Foxygen

“... And Star Power”
Jagjagwar
3 / 5

As liberdades formais que o psicadelismo promoveu em finais dos sessentas e o apelo de visões cósmicas que desde a mesma altura começaram a marcar presença em vários destinos da criação musical têm seduzido músicos e melómanos a cada nova geração, os Stone Roses, Animal Collective, Of Montreal ou MGMT sendo apenas a ponta de um vasto icebergue de experiências, umas com maior visibilidade outras nem por isso. Tal como então a escrita entrava frequentemente em diálogo com uma carga cénica intensa, entre a arrumação e desarrumação emergindo ideias e visões. Bem mais interessantes que uns Allah-Las (que recentemente lançaram um segundo disco) os Foxygen são mais um nome a marcar presença nesta história que se continua a contar, partilhando com muitos contemporâneos seus um evidente interesse por escolas e referências que apontam aos sessentas e setentas, o seu álbum do ano passado tendo mesmo sugerido afinidades para com ícones maiores como Bob Dylan ou Lou Reed, não esquecendo nunca a genética californiana (afinal são da zona de Los Angeles), que ficava bem evidente no polido San Francisco que foi então cartão de visita do álbum. Um ano depois outros valores comandam o terceiro disco deste duo, uma maior ambição (visão?) levando-os a apresentar um álbum duplo com uma ordem interna conceptual, sugerindo patamares e caminhos, numa viagem que cruza tempos e sensações e que exige, logo de começo, uma disponibilidade de tempo para tamanha quantidade (e intensidade) de propostas. Tal como vimos nos MGMT pós-Oracular Spectacular, o sucesso de We Are The 21st Century Ambassadors of Peace and Magic é um disco que ostensivamente rejeita polir caminhos, oferecendo antes uma proposta mais aventureira (para quem a faz e quem a escuta, entenda-se). O álbum arranca bem, com as sugestões de “desarrumação” instrumental a amplificar a paleta cromática e o potencial sugestivo das canções que habitam a primeira parte do álbum. Há aqui mesmo algumas peças magníficas, como Flowers ou o pungente Cosmic Vibrations (e a canção fica à altura da sugestão do título), voltando a mostrar um saber na construção de baladas, como se escuta em Coulda Been My Love ou You & I. A suite Star Power, que fecha o lado 1 do primeiro LP é um pequeno monumento de formas nem sempre nítidas, mas que aos poucos se definem junto de quem escuta, a terceira parte (com a presença de Kevin Barnes, dos Of Montreal) revelando-nos mesmo um dos melhores frutos contemporâneos de todo este cardápio de referências. Pena que os Foxygen não tenham escutado o diálogo de Nick Cave com Blixa Bargeld no filme 20000 Days on Earth, onde o primeiro explica ao segundo que uma das maiores forças na escrita de canções é o “editing”, ou seja, o processo em que se decide o que fica e o que sai, ficando claro no discurso que a opção pelo corte do que está a mais é tida como valorizadora da forma final. Soubessem os Foxygen “cortar” o que está a mais (e o que está a mais é o segundo disco) e teriam aqui uma peça que mostrava como a desarrumação pode ser bem empregue na hora de dar forma final às canções. As duas partes finais do álbum, a que chamam respetivamente Journey Through Hell e Hang on To Love são um calvário para o ouvinte, o prazer de quem saboreou a escrita e gravação não passando de todo para o lado de cá do disco... Dava uma bela coleção de faixas escondidas para quem estivesse num mesmo estado de alma, por exemplo.

Pulp vezes 5:
The Trees (2001)



Este foi o primeiro single extraído de We Love Life, álbum que os Pulp gravaram com Scott Walker como produtor. O tema foi lançado em single em formato double A side com o assombroso Sunrise a completar o alinhamento. Um disco ao qual vale a pena regressar. Aqui integra este conjunto de memórias em semana de chegada de um documentário dos Pulp às nossas salas de cinema.

Para ouvir: 'dream pop' que chega da Suécia



Um tema do duo sueco Korallreven para antecipar a chegada de um segundo álbum de originais, três anos depois do disco de estreia.

Para ler: o Facebook e o jornalismo

Um artigo do New York Times reflete sobre a forma como as redes sociais, nomeadamente o Facebook, podem estar a mudar as formas de "consumo" do jornalismo.

Podem ler aqui o artigo.

segunda-feira, outubro 27, 2014

Ver + ouvir:
Panda Bear, Mr. Noah



Primeiro avanço de um novo álbum a solo de Panda Bear, com lançamento agendado para o início de 2015. Promete... E muito!

Novas edições:
The 2 Bears

“The Night is Young”
Southern Fried Records
4 / 5

Em tempo de pousio pelos lados dos Hot Chip chegam-nos novos discos a solo de alguns dos seus protagonistas. E depois de termos escutado um segundo álbum de Alexis Taylor há já algumas semanas eis que chega agora o opus 2 do projeto de Joe Goddard que, a meias com Raf Rundell reforça assim a aventura The 2 Bears como mais que um eventual episódio pontual em que o facto de se apresentarem vestidos de urso deixou mais memórias que as canções de um primeiro álbum que não deixou grandes memórias. A coisa parece agora diferente. E The Night Is Young não só parece o álbum com a coerência pop de fio a pavio que tantas vezes faltou aos longa-duração dos Hot Chip (onde quase sempre havia um fosso a separar o apetite gourmet dos singles aos temas extra que por ali depois surgiam) como representa uma fresta com sabor a memórias de verão agora que o outono se prepara para se aconchegar no sofá. Partilhando com comum com Alexis Taylor uma atenção lírica sobre o envelhecimento e as verdades do mundo ao seu redor, uma vez que as canções falam de temas e acontecimentos naturais na vida de trintões sem vontade de fingir que são Peter Pan, o álbum de 2Bears transporta contudo uma carga pop luminosa e festiva que, procurando referências maiores na pop animada pela descoberta da música de dança que se escutava há 20 anos (se bem que não podemos deixar de reconhecer em See You um divertido piscar de olho à pop de tempero electro do nosso tempo) nos propõe um alinhamento que cruza o presente com sabores de nostalgia devidamente assimilada. Há ecos de África em Son of The Sun, da Jamaica em Money Man, luz algo caribenha no tema-título, o que parece um piscar de olho aos Yello em My Queen ou um delicioso piano ítalo disco em Angel – Touch Me, o single de avanço. Apesar dos destinos tutti frutti que cada tema visita há uma coerência pop no todo e, acima de tudo, uma belíssima coleção de canções pop.

Em conversa: Perfume Genius (2)


Voltei a conversar com Mike Hadreas a propósito de um disco do seu projeto Perfume Genius, desta vez com Too Bright na berlinda. Esta entrevista serviu de base a um artigo publicado no DN.

O seu trabalho com as imagens (fotografias e vídeo) tem sido importante. Usar os saltos altos tem um valor simbólico. E político. É uma maneira de contribuir para uma mudança da sociedade relativamente a questões de sexualidade e identidade de género?
Certamente. São pequenas coisas. São pequenas ações que definem ideias. Gosto de fazer isso. Sinto um certo dever em fazer coisas destas. 

Sente já mudanças na América dos nossos dias?
Eu vivo em Seattle, que é uma cidade muito liberal. Mas há lugares na América que não são nada liberais... E há também lugares fora da América igualmente assim. Não faço música apenas para a minha cidade... As coisas aqui estão melhores, acho. Agradeço isso. Mas vou continuar a lutar para que se chegue onde deveríamos estar. Não fico satisfeito apenas com prémios de consolação. Porque todos os direitos que estamos a conquistar eram direitos que já deveríamos ter. 

Recebe mensagens de jovens dessas áreas mais conservadoras? As pessoas falam consigo?
Às vezes são situações tremendas. Mas essa é a parte mais importante de tudo isto. Parece piroso dizê-lo, mas os momentos mais importantes da minha carreira são quando essas coisas acontecem. Quando jovens gays vêm ter comigo depois dos concertos. Porque sentem que disse algo que nem eles conseguiram ainda dizer a si mesmos. Ou porque lhes dei força. Dizem-me coisas que não puderam ainda dizer aos amigos ou família. E eu lembro-me de ter sido assim. Lembro-me de ouvir música à procura de coisas que me dessem força ou fizessem sentir que não estava sozinho. Porque não tinha outra forma de o fazer... É espantoso quando isso acontecia...

E as reações fora da América são muito diferentes?
Musicalmente, pensando na forma como soa, o último álbum funcionou melhor fora da América. Especialmente na Europa... Nunca tocámos em festivais nos EUA. Mas fizemos muitos na Europa. Os americanos muitas vezes ouvem música de forma diferente e vão a concertos de forma diferente. Muitas vezes vão para beber copos... Não é errado fazer isso, note-se bem! Mas há outros países em que sinto que as pessoas estão mais sérias e investem mais no facto de estar num concerto. E são mais entusiasmadas que os americanos... Talvez com este disco seja diferente e consigam entender melhor, porque é mais barulhento [risos]...

Mais barulhento, mas mais cheio de pequenos detalhes e mais próximo do corpo. A canção Fools, por exemplo, traduz um empenho físico mais intenso...
Nessa canção eu queria perder-me naquele momento. É uma coisa física, sim. Quando vejo pessoas a cantar em concertos estou sempre à espera daquele momento em que parece que se esquecem de tudo o que está à sua volta e mergulham completamente no que estão a fazer. E tentei evocar isso na parte do meio dessa canção. Desligámos as luzes do estúdio, acendemos velas por todo o lado... Tudo estava em silêncio e eu cantei e cantei, umas dez vezes... Houve ali algo quase místico... Mesmo que seja teatro...

Pulp vezes 5:
This Is Hardcore (1997)



Na semana que assinala a estreia a salas portuguesas de um documentário sobre os Pulp - do qual a seu tempo aqui falaremos - propomos o reencontro com alguns telediscos marcantes da sua obra. E começamos com o assombroso This is Hardcore. Tema-título do álbum que se sucedeu a Different Class (e que, como fica claro no documentário, representou uma ostensiva tentativa de fuga aos patamares da fama pop a que o grupo havia chegado depois do sucesso de Common People), não só é uma canção intensa, até mesmo arrebatadora, como nas imagens promove um reencontro com memórias do cinema de um Douglas Sirk que, curiosamente, Todd Haynes exploraria em Longe do Paraíso cinco anos depois.

Para ouvir: a estreia de Les Sins



Chaz Bundick, que até agora respondia através do projeto Toro Y Moi, apresenta-se agora com Les Sins. Este é o cartão de visita.

Para ler: entrevista com Arthur Russell em 1987

Uma peça de arquivo! Uma entrevista com Arthur Russell feita em 1987, na qual o músico - que esta semana é homenageado num novo volume da série Red + Hot - afirma que a comédia é uma elevada forma de arte.

Podem ler aqui a entrevista.

domingo, outubro 26, 2014

O deserto ideológico

ALAIN DUHAMEL
(foto: Wikipédia)
O artigo chama-se 'O deserto ideológico francês'. Mas não é preciso muita imaginação, nem sequer qualquer cedência ao cinismo dos tempos, para reconhecer que os dramas que Alain Duhamel analisa na sua crónica de 22 de Outubro no jornal Libération, ainda que enraizados na dinâmica histórica e política da França, contaminam também, porventura de modo ainda mais extremado, a paisagem do (não) pensamento político português. Além do mais, Duhamel lembra que, muito mais importante do que saber como é que a política se "exprime" no espaço televisivo, importa questionar aquilo que a televisão está a fazer à política. Citação:

>>> Esta é a era dos pragmáticos, dos homens de transição ou dos oportunistas. Há várias causas para isso: o debate ideológico exige verdadeiros livros, enquanto o debate político tem lugar na televisão onde as posturas contam mais que os argumentos, as emoções mais que as argumentações e o carisma — a "presença" — muito mais que a inteligência ou a cultura. A televisão da informação em contínuo histeriza este movimento. Além do mais, depois de quarenta anos de crises sucessivas, a política deixou de atrair os melhores. A elite do poder virou-se para o sector privado, enquanto os homens de aparelho ocupam as primeiras linhas do espaço político. Por cima de tudo isso, o conjunto do mundo político instalou-se na denegação ideológica: é essa a chave do actual cemitério das ideias.

O rosto de Michael Fassbender (2/2)

Espantoso actor: Michael Fassbender está sempre in character, mesmo quando tem o rosto escondido por uma cabeça de cartão — este texto integrava um dossier sobre o filme Frank, publicado no Diário de Notícias (12 Outubro).

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As qualidades do trabalho de um actor ou uma actriz não se medem, obviamente, pela mera transfiguração física. Ou seja: não é por ter engordado mais de 25 quilos para interpretar Jake La Motta em O Touro Enraivecido (Martin Scorsese, 1980) que Robert De Niro é genial — a excelência dos resultados resulta do facto de tal risco estar ao serviço, não de um simples “boneco”, mas da construção de uma personagem. Há até exemplos de transfiguração que nascem, não apenas de uma alteração física, mas de um metódico processo de ocultação — lembremos o caso de John Hurt em O Homem Elefante (David Lynch, 1980): com a sua “máscara” deformada, a expressão facial do actor está, por assim dizer, para além dos códigos correntes do visível.
Acontece algo de semelhante com Michael Fassbender como protagonista de Frank, o belíssimo, delicado e comovente filme de Larry Abrahamson. Ao interpretar a figura de um músico, solitário e esotérico, que usa permanentemente uma cabeça postiça (há uma breve cena em que o vemos a tomar duche, com um saco de plástico por cima da sua cabeça de cartão...), Fassbender aceita o desafio extremo de compor uma personagem em que a linguagem corporal, mais do que um suplemento de comunicação, constitui o núcleo vital dessa mesma comunicação.
Há, por isso, um suspense bizarro que se instala: quando é que Frank vai retirar a sua máscara? Em todo o caso, Abrahamson não trata tal possibilidade como a chave seja do que for. O seu filme não é sobre a “boa” maneira de comunicar, mas sim sobre o facto de qualquer linguagem comunicacional nascer de um misto de transparência e ocultação, segredo e revelação. Ficamos a saber, assim, que a verdade do factor humano é feita de carne, osso e cartão — ainda há filmes que nos ensinam os enigmas da pele.

Duran Duran, Nick Cave e Mozart:
filmes com música no LEFFEST


Decorre entre os dias 7 e 16 de novembro a edição deste ano do Lisbon & Estoril Film Festival. Entre os filmes da seleção oficial, as homenagens, retrospetivas e sessões especiais surgem alguns títulos que tomam a música (ou os músicos) como um dos seus focos maiores de atenção. Assim, numa primeira abordagem ao cartaz deste ano do festival, ficam aqui três primeiras sugestões, todas elas da seleção oficial - fora de competição.

Duran Duran Unstaged é um filme-concerto de David Lynch que tem como protagonistas o grupo britânico mais os convidados que levam a palco, entre eles Kelis, Beth Ditto (dos Gossip) ou Mark Ronson. O concerto toma as canções do mais recente All You Need Is Now como centro das atenções, mas junta algumas incursões pelas memórias da discografia do grupo. A intervenção de David Lynch é bem clara nas imagens que se cruzam com o que acontece em palco.

Nick Cave – 20000 Dias Na Terra é uma construção ficcionada de um dia na vida do músico. Através de encontros com alguns dos seus colaboradores habituais – como Warren Ellis ou Blixa Bargeld - ou com a cantora Kylie Minogue, com quem gravou o dueto Where The Wild Roses Grow, e de visita aos seus espaços de vida privada, arquivo e palco somos confrontados com uma forma diferente de contar uma história de vida (com música). 

Depois de uma carreira no palco, a ideia de juntar três óperas de Mozart para contar episódios da vida de Giacomo Casanova deu forma a Variações de Casanova, filme de Michel Sturminger que terá antestreia durante o festival. Protagonziado por John Malkovich, o filme conta com uma série de nomes de proa do canto lírico do nosso tempo, entre os quais Jonas Kaufman e Barbara Hanningan.

Cidades abandonadas (ao piano)


A difícil “rotulagem” das músicas do nosso tempo é certamente uma consequência de uma idade em que, derrubados os muros e acelerados (e levados mais longe) os diálogos entre quem faz música e as referencias que pode tomar como matéria prima, a criação não só procura caminhos novos (coisa que não é novidade na história da música, naturalmente) mas não teme mais velhos complexos de género, o fluir de ideias marcando assim as novas agendas de criação e descoberta. Havendo naturalmente quem goste de trabalhar no seu espaço de eleição, a verdade é que a música orquestral, de câmara, instrumental (e até mesmo a ópera e outras formas vocais) nestes primeiros anos do século XXI tem assistido a frequentes exemplos de carreiras que já passaram – ou continuam a passar – pelos espaços do pop/rock, hip hop ou electrónicas dançáveis. Haushka é um exemplo desta nova forma de estar bem em vários mundos. De seu nome Volker Bertelmann, este alemão a caminho das cinco décadas de vida (faltam 2 anos para os celebrar) começou por estudar piano, teve as suas bandas – uma delas explorando as linguagens do hip hop – mas foi ao regressar ao piano que trilhou o caminho que dele fez uma referência entre os músicos do nosso tempo. Ele confessa que nunca tinha ouvido falar em piano preparado quando pela primeira vez inseriu objetos entre as cordas para produzir sons diferentes. Com o tempo descobriu John Cage – talvez o nome com mais marcante obra para piano preparado – e absorveu muitas das suas ideias... Aos discos começou a levar as suas peças para piano preparado há cerca de dez anos, a sua discografia caminhando depois no sentido de explorar os espaços da música de câmara (a violinista Hillary Hahn chegou a ser uma das suas colaboradoras), não fugindo do desafio de procurar possíveis ecos da atual música electrónica entre as suas composições (chegou mesmo a lançar um álbum de remisturas de temas de Salon des Amateurs, de 2010, onde participaram figuras como Herbert, Alva Noto ou Vladislav Delay). Abandoned City, o seu novo disco, assinala um reencontro com o piano preparado, refletindo as novas composições sinais de assimilação de algumas das suas outras experiências recentes. Disco de reencontros, nasceu essencialmente de improvisações, que ele mesmo registou no seu estúdio caseiro no espaço de dez dias. Memórias e ecos cruzam-se neste espaço dominado pela solidão e melancolia, que reflete ainda um sentido de expressão da solidão que representa o seu processo criativo, o título Abandoned City tendo nascido depois de ter reparado que as sensações que tinha ao ver fotos de cidades abandonadas se assemelhava ao que vivia quando se senta ao piano para compor. Ora sob uma pulsação mais marcada ora mais rendidas à contemplação, as composições traduzem um sentido cénico, revelando a abordagem ao piano de Hauskha o mundo de possibilidades que discos anteriores já tinham sugerido e que este talvez leve ainda mais longe.

À espera do novo single de Bowie


Um ano depois de ter regressado de um longo silêncio de uma década, o músico revelou o tema novo que gravou com a orquestra de Maria Schneider e que surgirá numa nova antologia em novembro. Este texto foi originalmente publicado no DN a 14 de outubro com o título 'David Bowie revela single novo gravado com uma orquestra de jazz.

Após dez anos de ausência David Bowie quebrou o silêncio em janeiro de 2013 apresentando, através das redes sociais, um novo single – Where Are We Now? – que mais não era senão o aperitivo para um álbum de originais que então anunciou para edição dois meses depois. Foi um disco feito em segredo, gravado durante dois anos em Nova Iorque sem que ninguém (nem mesmo a editora do músico) desse por isso. Editado em março de 2013 The Next Day assinalou um regresso sob um clima de aclamação como o músico não conhecia desde meados dos anos 80. No ar ficava a dúvida se haveria ou não um reencontro com os palcos (que ainda não se concretizou) e, depois de algumas sugestões, a quase certeza de que haveria nova música a caminho... Assim aconteceu, com o anuncio do lançamento de um single inédito, apontado ao alinhamento de uma antologia a editar em novembro. Com o título Sue (or in a Season of Crime), é um tema longo e terá também edição em suporte de vinil.

Em The Next Day Bowie apresentara o seu álbum mais rock’n’roll (a solo) desde os dias de Scary Monsters (1980), pelo alinhamento do disco passando memórias de várias épocas, dos ecos de Berlim a que aludia Where Are We Now? ao registo clássico de You Feel So Lonely I Could Die, que nos transportava aos tempos de Ziggy Stardust. Sue (or in a Season of Crime) segue, todavia, caminhos completamente diferentes. Gravado no verão deste ano com a Orquestra de Maria Schneider e sob produção de Tony Visconti, a canção revela uma abordagem livre de Bowie a solos jazzísticos, colocando-o no terreno das big bands e revelando ainda sinais de reencontro com discursos rítmicos mais intensos como os que explorou em meados dos anos 90 nos tempos dos álbuns 1.Outside (1995) ou Earthling (1997). Com mais de sete minutos de duração o tema traduz uma grandiosidade épica que sugere uma busca de linhas para lá das fronteiras habituais da canção pop/rock um pouco como o fez, por exemplo, Scott Walker na sua obra posterior aos anos 80.

Esta nova canção não será a única novidade no alinhamento de Nothing Has Changed, antologia que tem lançamento previsto para meados de novembro e que representa a primeira vez que um ‘best of’ de Bowie junta a sua produção posterior a Space Oddity (o seu primeiro instante de visibilidade, em 1969) a temas dos cinco anos anteriores, nos quais a sua presença passara longe das atenções. Em Nothing Has Changed, que terá edição como triplo álbum no formato de CD surgirá também o inédito Let Me Sleep Beside You, um tema das sessões do álbum Toy, gravado no ano 2000 mas que acabou por não ser nunca editado. A antologia assegurará ainda a estreia em CD de Your Turn To Drive (que até aqui só conheceu lançamento em formato digital) e uma regravação de 2001 do outtake de 1971 Shadow Man. A edição física do novo single – que surgirá apenas a 28 de novembro num vinil de dez polegadas – apresentará ainda uma outra canção nova, Tis A Pity She’s A Whore.

A agitação editorial em torno de David Bowie nestes dois últimos anos contrasta completamente com o que foi o quase total silêncio que se abateu sobre o músico após a intervenção cirúrgica a que foi submetido de urgência em 2003, na reta final da A Reality Tour. Depois da convalescença Bowie manteve um calendário regular de reedições e assinou apenas escassas colaborações em discos (com nomes como os Kashmir, TV On The Radio ou Scarlett Johannon). Passou pontualmente pelo palco em atuações dos Arcade Fire e David Gilmour (em ambos os casos as respetivas prestações acabando em discos ao vivo) e, também em doses moderadas, pelo cinema e televisão. O regresso em 2013 teve assim o sabor de fim de uma longa ausência, impedindo esta nova canção que o silêncio invada, para já, o seu programa de atividades.