quarta-feira, setembro 10, 2014

Woody Allen na Côte d'Azur (2/2)

Colin Firth e Emma Stone
Woody Allen continua a filmar na Europa, desta vez no sul da França, na Côte d'Azur, e em registo clássico de comédia romântica — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Setembro), com o título 'Sob o signo de Pierre Bonnard'.

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Confesso que hesito sempre em valorizar, unilateralmente, a qualidade fotográfica de um filme... Porquê? Porque tal atitude tende a atrair o lugar-comum segundo o qual o cinema se torna mais “artístico”, ou mesmo mais “digno”, quando copia referências da história da pintura. Ora, o que está em jogo é o valor orgânico da direcção fotográfica, quer dizer, o modo como o tratamento de luz e cor se integra (ou não) numa determinada arquitectura narrativa.
Porventura contrariando a minha própria prudência, não posso deixar de ser veemente e panfletário face às imagens de Magia ao Luar: sentir-me-ei mesmo defraudado se a direcção fotográfica de Darius Khondji não tiver, no mínimo, uma nomeação para o próximo Oscar de melhor fotografia. Mais do que isso: na sua metódica atenção a todas as nuances da paisagem do sul de França, o trabalho de Khondji parece-me ser uma admirável variação sobre a herança da pintura de Pierre Bonnard (1867-1947), precisamente um dos mais geniais retratistas da Côte d’Azur, tendo vivido muitos anos em Le Cannet, próximo de Cannes.
PIERRE BONNARD
A Palmeira
1926
Enfim, a intensidade e, por assim dizer, a pertinência narrativa do trabalho de Khondji decorrem, como é óbvio, da dramaturgia de Woody Allen. Em Magia ao Luar, as ambíguas seduções do mundo visível expõem-se através de diálogos que não receiam integrar o mais sofisticado artifício literário. Há uma motivação realista em tal artifício, já que a acção se situa num meio social em que os protocolos comportamentais são extremamente elaborados. Ao mesmo tempo, porém, Woody Allen expõe as ambivalências dos seres humanos enquanto “animais falantes”: Magia ao Luar é também um filme sobre a dificuldade de dizer as paixões que a luz, afinal, pressente antes mesmo de qualquer palavra ser pronunciada.