quinta-feira, agosto 14, 2014

Memórias de Lauren Bacall (2/5)


[ 1 ]

Eis um modelo de fotografia que já não existe a não ser como objecto de museu. A pose de Bogart e Bacall — numa promoção de The Big Sleep (1946), de Howard Hawks, entre nós À Beira do Abismo — corresponde a uma conjuntura iconográfica em que, de facto, a fotografia ainda era um elemento vital na promoção, e também na mitologia activa, do cinema. Cumprindo as suas funções simbólicas em torno do par — Godard dizia que, para fazer um filme, bastava "uma miúda e uma pistola" —, a imagem desenha uma ligação entre o homem e a mulher que, curiosamente, no fundo se recompõe numa sombra única. Tudo uma questão de estilo, como diria Raymond Chandler, autor do romance que o filme adapta — começa assim:

It was about eleven o'clock in the morning, mid October, with the sun not shining and a look of hard wet rain in the clearness of the foothills. I was wearing my powder-blue suit, with dark blue shirt, tie and display handkerchief, black brogues, black wool socks with dark blue clocks on them. I was neat, clean, shaved, and sober, and I didn't care who knew it. I was everything the well-dressed private detective ought to be. I was calling on four million dollars.