quarta-feira, agosto 13, 2014

Memórias de Lauren Bacall (1/5)

Era o tempo em que o policiamento moral dos filmes ainda não tinha interditado as imagens de mulheres a fumar (será que estamos melhor com super-heróis sem espessura humana a destruir cenários digitais?...). Lauren Bacall estreou-se em 1944, em To Have and Have Not, sob a direcção de Howard Hawks, uma adaptação de Hemingway que os tradutores portugueses da época, ignorando a partícula "and", e num assomo shakespeariano, resolveram chamar Ter ou Não Ter. A lendária sequência em que Bacall ensina Bogart a assobiar [video] é apenas a marca mais universal de uma relação que, de facto, se desviava subtilmente das convenções da época: de alguma maneira, o par (casar-se-iam no ano seguinte) assumia e pervertia a dramaturgia do masculino/feminino, de acordo com uma lógica de reordenação simbólica dos sexos que podemos ver metodicamente elaborada noutros títulos do genial Hawks, de O Grande Escândalo (1940) a Os Homens Preferem as Louras (1953). Saber olhar e ser olhada, eis a lição deste fotograma.