domingo, agosto 03, 2014

Hércules digital (1/2)

Será Hércules o derradeiro derivado dos "super-heróis" a ser (re)lançado pelas novas produções digitais? Em boa verdade, o filme de Brett Ratner, protagonizado por Dwayne Johnson, aposta num registo algo diferente da maioria dos blockbusters — este texto integrava um dossier sobre o filme Hércules, tendo sido publicado no Diário de Notícias (30 Julho), com o título 'Hércules na era digital'.

No mundo do cinema, não se pode dizer que Hércules seja um herói que esteja na moda. Afinal de contas, foi há mais de meio século, em finais da década de 50, que Steve Reeves se tornou um nome popular como intérprete dessa referência emblemática da mitologia grega, filho de Zeus e da mortal Alcmena. O certo é que, em poucos meses, o ano de 2014 trouxe-nos dois novos títulos centrados na sua figura: em Maio, surgiu Hércules – A Lenda Começa, de Renny Harlin, com Kellan Lutz; agora, é a vez de Hércules, com Dwayne Johnson na figura do herói e Brett Ratner a assinar a realização.
Aparentemente, os espectadores não têm mostrado grande entusiasmo pela redescoberta das aventuras daquele que teve de enfrentar os seus “Doze Trabalhos” (matar o Leão da Nemeia, capturar o Touro de Creta, etc.). O filme de Harlin é mesmo um dos grandes falhanços comerciais do ano corrente, acumulando pouco mais de 60 milhões de dólares de receita global (tendo custado 70). Quanto à realização de Ratner, estreou na passada sexta-feira [25 Julho] nas salas dos EUA, conseguindo, para já, uma receita mediana para este tipo de produtos (29 milhões), sem superar o melhor da semana, Lucy, “thriller” de Luc Besson, protagonizado por Scarlett Johansson.
O novo Hércules fundamenta-se numa aposta algo inesperada. Não se trata tanto de celebrar as proezas de um herói com características de “semi-deus”, como de o apresentar num tom mais humano. O filme inicia-se mesmo com um breve resumo dos seus “Doze Trabalhos”, faltando apenas consumar o confronto com o cão Cérbero, o monstruoso cão que guarda a entrada do Inferno... Através de algumas memórias, sabemos do seu passado, incluindo a morte trágica da mulher, Megara — interpretada pela modelo Irina Shayk —, para depois se entrar na principal linha narrativa do filme. Ou seja: a contratação de Hércules e seus companheiros pelo Rei Cotys (John Hurt), para fazer frente aos inimigos que ameaçam o seu território.
O trabalho de Ratner reflecte as componentes típicas das grandes produções americanas mais recentes (mesmo se o essencial da rodagem teve lugar em estúdios da Hungria). Curiosamente, a utilização dos recursos digitais, especialmente importante no desenho dos gigantescos cenários do reino da Trácia, vai a par de um trabalho muito nostálgico com a luz, aspecto que não será estranho à formação clássica do director de fotografia, o veterano italiano Dante Spinotti, colaborador frequente de Ratner e também de Michael Mann (para quem fotografou, por exemplo, Heat, em 1995, com Al Pacino e Robert De Niro).
No imaginário do entertainment americano, e independentemente dos seus resultados comerciais, o novo Hércules confirma a imagem popular de Dwayne Johnson como símbolo de uma certa ideia de força (o maior sucesso da sua carreira, Velocidade Furiosa 6, foi um dos recordistas de bilheteira de 2013). Não por acaso, ele continua a ser muitas vezes referido como “The Rock”, cognome que vem dos seus tempos de estrela dos combates de wrestling.