quinta-feira, julho 31, 2014

O cinema e a sua crise milionária

Rodagem de GRAND BUDAPEST HOTEL
Vale a pena continuar a analisar os números globais das bilheteiras do cinema. Sobretudo tentando evitar qualquer maniqueísmo financeiro, comercial ou cultural — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Julho), com o título 'Elogio dos "pequenos" filmes'.

De que falamos quando falamos das receitas do mercado cinematográfico? Por vezes, por acção de um jornalismo superficial, falamos apenas de um efeito maniqueísta (simbolicamente semelhante ao que decorre de algumas leituras das audiências televisivas): a fixação nos números “grandes” pode conduzir a uma visão simplista, até mesmo no plano financeiro, da vida pública dos filmes.
Vale a pena referir uma informação que não tem sido muito divulgada. Tem a ver com os EUA, mercado que funciona como padrão “obrigatório”, sendo quase sempre apresentado através de uma automática acumulação de milhões e cifrões... Pois bem, de acordo com dados rigorosamente objectivos, divulgados pelas mais importantes publicações da indústria do entertainment (ex.: The Hollywood Reporter, 23 Julho), o cinema americano está a viver o pior Verão dos últimos oito anos. A baixa de receitas em relação a igual período de 2013 irá situar-se entre 15 e 20%, quer dizer, a maior queda anual num período de três décadas.
Escusado será dizer que não se trata de lançar qualquer suspeição em relação a sucessos ou insucessos, filmes “caros” ou “baratos” — até prova em contrário, os dinheiros envolvidos num filme (incluindo a sua difusão) nada nos dizem sobre as qualidades dos respectivos resultados artísticos.
O que está em jogo é de outra natureza. Tem a ver com a consolidação de um modelo de mercado (americano e internacional) orientado para a valorização das grandes produções — mais ou menos ligadas às aventuras de “super-heróis” —, secundarizando, desde logo no plano promocional, filmes de pequeno ou médio orçamento que, não poucas vezes, revelam interessantes índices de rentabilidade.
Ao contrário do que sugere um preguiçoso discurso jornalístico, os muitos milhões de um filme não são o único elemento para compreender a sua vida comercial. Este ano, por exemplo, o líder de receitas nas salas dos EUA é Capitão América: O Soldado do Inverno — 258 milhões de dólares. Impressionante, sem dúvida. Quanto custou? 170 milhões. Tendo em conta que, de acordo com a própria indústria, este tipo de objectos envolve uma promoção que custa tanto quanto a produção, isso quer dizer que, nos EUA, o filme não recuperou o investimento. Claro que, para além das futuras plataformas (DVD, televisões, etc.), importa não esquecer as receitas globais. Assim, em todo o mundo, este Capitão América acumulou 713 milhões. De novo impressionante: um pouco mais de quatro vezes o valor da produção.
Que dizer, então, da performance de um filme esteticamente “marginal” como Grand Budapest Hotel, de Wes Anderson? Surge bem mais abaixo, em 29º lugar no top de 2014: com “apenas” 170 milhões de receita global, o certo é que quase quintuplicou o investimento original (30 milhões). Dá que pensar: os filmes “pequenos” são, quase sempre, os que conseguem melhores índices de rentabilidade.