sábado, julho 26, 2014

Música para um homem do futuro


Esta semana os Pet Shop Boys apresentaram no Royal Albert Hall uma biografia musical de Alan Turing, integrada na programação dos Proms. Este texto é uma versão alargada de um artigo publicado na edição de 25 de julho do DN.

Uma biografia musical com a figura de Alan Turing como protagonista apresentada esta semana representou um dos momentos altos da programação dos Proms, série de concertos que anualmente ocupam uma etapa da programação de verão de concertos de música clássica Londres (tendo o Royal Albert Hall como o seu principal palco). Com o título A Man From The Future, o musical tem como autores os Pet Shop Boys e assinala mais um momento de cruzamento de experiências entre formas habitualmente mais habitadas pela música clássica com figuras com carreira sobretudo feita nos domínios da música popular, juntando-se assim a óperas recentes de nomes como os The Knife, Damon Albarn (a solo ou com Jamie Hewlett), Herbert ou Rufus Wainwright.

Célebre por ter decifrado códigos encriptados dos alemães durante a II Guerra Mundial, o matemático Alan Turing (1912-1954) ficou também na história como vítima de um tempo em que a homossexualidade era criminalizada no Reino Unido, tendo sido sujeito a castração química como alternativa à prisão na sequência de um processo judicial que o acusou de indecência em 1952. Gordon Brown concedeu-lhe um pedido póstumo de desculpa em 2009, ao que se seguiu, já em finais de 2013, um perdão assinado por Isabel II.

Os Pet Shop Boys, que ao longo da sua carreira criaram já dois musicais, uma banda sonora alternativa para o filme mudo Couraçado Potemkin de Sergei Eisenstein e assinaram a música de um bailado, tomaram consciência da história de Turing nos anos 80, através da peça de teatro Breaking the Code. O interesse foi reativado em 2011 por um documentário televisivo, que os levou à biografia Alan Turing: The Enigma, de Andrew Hodges.

The Man From The Future, que se apresenta como uma biografia musical em oito partes para orquestra, electrónicas, coro e narrador, nasceu de uma colaboração com este seu biógrafo, que contactaram e que colaborou na escrita do libreto. O perdão real para Turing levou-os a reescrever o final da obra, refletindo o final da peça (sob um aparato musical épico) que Turing foi uma exceção e que há ainda muitos outros condenados, alguns ainda vivos, à espera de igual pedido de desculpa.

A BBC (que programa e transmite os Proms) resolveu incluir este trabalho dos Pet Shop Boys como um dos Late Night Proms deste ano, sendo que não é a primeira vez que há músicos vindos de terrenos pop/rock a surgir no programa (essa estreia coube, em 1970, aos Soft Machine – estando documentada em álbum ao vivo editado em 1988). Além do musical sobre Turing, o ‘Prom’ dos Pet Shop Boys juntou ainda quatro canções suas (Vocal, Love is a Catastrophe, Later Tonight e Rent) em arranjos orquestrais de Angelo Badalamenti, na voz de Chrissie Hynde e a interpretação da abertura de Performance, o espetáculo que levaram em digressão em 1991.

Alan Turing
Se mediaticamente Alan Turing é lembrado por ter decifrar códigos durante a II Guerra Mundial – facto que parece estar no centro das atenções de The Imitation Game filme de Morton Tyldum e protagonizado por Benedict Cumberbatch que terá estreia em outubro no festival de Londres - o trabalho deste matemático britânico na verdade teve uma importância profunda na teoria da computação e inteligência artificial. O seu trabalho na descodificação de códigos dos alemães valeu de Churchill um elogio que nele apontou um dos mais importantes contributos individuais para a vitória aliada. Depois da guerra desenvolveu importante trabalho científico no National Physical Laboratory, tomando depois um lugar na Universidade de Manchester. Menos de dois anos depois do julgamento que o obrigou a uma castração química (sob acusação de homossexualidade), Turing morreu em 1954, com apenas 41 anos (por envenenamento com cianeto), não sendo unânime que se tenha tratado de um suicídio. Desde 1966 é anualmente entregue o Turing Prize para assinalar contribuições técnicas e teóricas na ciência da computação.


Quando a música lembra homens da ciência

A biografia musical de Alan Turing apresentada esta semana em Londres pelos Pet Shop Boys é mais um exemplo de atenção de peças musicais que tomam figuras da ciência e o seu trabalho como inspiração. Aqui ficam mais alguns exemplos:

Philip Glass. Einstein on The Beach é um dos exemplos de obras do compositor norte-americano que tomam uma figura da ciência por protagonista. Estreada em 1976 esta ópera é uma referencia na história da música do século XX. Mais recentemente Glass dedicou também óperas a figuras como Johannes Kepler e Galileu Galilei. Respetivamente ligadas a estes dois últimos, as óperas Kepler e Galileu Galilei foram já editadas em disco (Kepler tendo conhecido também lançamento em DVD).

John Adams. À exceção de A Flowering Tree, as óperas já apresentadas por John Adams têm focado factos e figuras reais do século XX, como a visita de Nixon à China em 1972 ou o assalto ao navio Achille Lauro na década de 80. Em Dr. Atomic (estreada em 2005) evocou a figura de Oppenheimer numa narrativa que tinha por cenário a base de El Alamo na véspera do primeiro teste nuclear.

The Knife. A dupla sueca The Knife iniciou a sua carreira na pop electrónica. No seu álbum mais recente apresentaram uma faceta ativista focada em questões como a identidade de género ou a divisão mais justa da riqueza. Em Tomorrow In a Year (2010) experimentaram o espaço da ópera tendo então focado a vida e o pensamento de Darwin.

Kraftwerk. A música pop já passou muitas vezes por figuras da ciência. Einstein, por exemplo, foi abordado pelos Landscape em Einstein a Go Go e os Big Audio Dinamyte em E=mc2. Em Radioactivity (1975), tema-título do álbum que sucedeu ao historicamente marcante Autobahn, os Kraftwerk citam as figuras de Pierre e Marie Curie.