quinta-feira, julho 31, 2014

Adult Jazz: the next big thing?

Os Adult Jazz estão disponíveis, para audição, na NPR. Ao apresentá-los, Tom Moon atreve-se (e muitíssimo bem!...) a evocar a herança plural, complexa e difícil de Frank Zappa (e também os King Crimson e os Dirty Projectors). Que é como quem diz: estamos perante uma banda que, à maneira de muitos colectivos contemporâneos, exibe uma abundante colecção de referências (enraizadas sobretudo na Net?) que, em qualquer caso, nunca se impõe como razão "escolar" do seu trabalho — o que conta é o desafio sistemático ao próprio conceito de canção, de acordo com uma lógica que procura menos a estabilização académica de um "estilo" e mais a criação de genuínas aventuras narrativas.
Apetece dizer, por isso, que na sua frondosa diversidade, o álbum de estreia dos Adult Jazz — Gist Is — se escuta como quem lê um romance em que a personagem central é a própria sensualidade dos contrastes que a música pode acolher. Sem esquecer, claro, a delicada inquietação lírica de tudo isto (por exemplo, no tema Springful):

Right honor, coat of armor
And I'm proud
Let my left die, dreams are led like
And I'm down
Still a lover but no further
Then a board game
Still a lover but for sugar
In my vein

São de Leeds e, de acordo com uma entrevista no Stereogum, dizem frases maravilhosas como "as mãos e os gestos são coisas semanticamente tão ambíguas" (a propósito da capa de Gist Is). Há neles uma educada insolência juvenil que justifica o rótulo adulto no seu nome. E mesmo se é verdade que os Adult Jazz não serão, em rigor, um projecto de jazz, a ideia de que tudo é possível justifica a conotação jazzística desse mesmo nome.
Eis o teledisco de Springful, seguido do som do imenso e sinfónico Spook. E se eles não forem the next big thing, não creio que haja muitos outros para reivindicar o epíteto — em qualquer caso, os Adult Jazz são um caso exemplar de singularidade criativa.



O cinema e a sua crise milionária

Rodagem de GRAND BUDAPEST HOTEL
Vale a pena continuar a analisar os números globais das bilheteiras do cinema. Sobretudo tentando evitar qualquer maniqueísmo financeiro, comercial ou cultural — este texto foi publicado no Diário de Notícias (28 Julho), com o título 'Elogio dos "pequenos" filmes'.

De que falamos quando falamos das receitas do mercado cinematográfico? Por vezes, por acção de um jornalismo superficial, falamos apenas de um efeito maniqueísta (simbolicamente semelhante ao que decorre de algumas leituras das audiências televisivas): a fixação nos números “grandes” pode conduzir a uma visão simplista, até mesmo no plano financeiro, da vida pública dos filmes.
Vale a pena referir uma informação que não tem sido muito divulgada. Tem a ver com os EUA, mercado que funciona como padrão “obrigatório”, sendo quase sempre apresentado através de uma automática acumulação de milhões e cifrões... Pois bem, de acordo com dados rigorosamente objectivos, divulgados pelas mais importantes publicações da indústria do entertainment (ex.: The Hollywood Reporter, 23 Julho), o cinema americano está a viver o pior Verão dos últimos oito anos. A baixa de receitas em relação a igual período de 2013 irá situar-se entre 15 e 20%, quer dizer, a maior queda anual num período de três décadas.
Escusado será dizer que não se trata de lançar qualquer suspeição em relação a sucessos ou insucessos, filmes “caros” ou “baratos” — até prova em contrário, os dinheiros envolvidos num filme (incluindo a sua difusão) nada nos dizem sobre as qualidades dos respectivos resultados artísticos.
O que está em jogo é de outra natureza. Tem a ver com a consolidação de um modelo de mercado (americano e internacional) orientado para a valorização das grandes produções — mais ou menos ligadas às aventuras de “super-heróis” —, secundarizando, desde logo no plano promocional, filmes de pequeno ou médio orçamento que, não poucas vezes, revelam interessantes índices de rentabilidade.
Ao contrário do que sugere um preguiçoso discurso jornalístico, os muitos milhões de um filme não são o único elemento para compreender a sua vida comercial. Este ano, por exemplo, o líder de receitas nas salas dos EUA é Capitão América: O Soldado do Inverno — 258 milhões de dólares. Impressionante, sem dúvida. Quanto custou? 170 milhões. Tendo em conta que, de acordo com a própria indústria, este tipo de objectos envolve uma promoção que custa tanto quanto a produção, isso quer dizer que, nos EUA, o filme não recuperou o investimento. Claro que, para além das futuras plataformas (DVD, televisões, etc.), importa não esquecer as receitas globais. Assim, em todo o mundo, este Capitão América acumulou 713 milhões. De novo impressionante: um pouco mais de quatro vezes o valor da produção.
Que dizer, então, da performance de um filme esteticamente “marginal” como Grand Budapest Hotel, de Wes Anderson? Surge bem mais abaixo, em 29º lugar no top de 2014: com “apenas” 170 milhões de receita global, o certo é que quase quintuplicou o investimento original (30 milhões). Dá que pensar: os filmes “pequenos” são, quase sempre, os que conseguem melhores índices de rentabilidade.

Ver + ouvir:
Bill Callahan, Javelin Unlanding



Um breve regresso a 2013 para recordar um dos temas do disco editado no ano passado por Bill Callahan, que acaba de conhecer novo teledisco.

Novas edições:
Vários artistas

“Red Hot + Bach”
Sony Music
4 / 5

Tal como há mil e uma maneira de cozinhar bacalhau, também são muitas as formas de abordar a música de Bach, das mais canónicas e respeitadoras interpretações de época a exercícios que juntam a personalidade de quem toca e marcas do tempo em que o faz. Assim, das leituras com fôlego criativo de pianistas como Glenn Gould ou Keith Jarrett às visões menos convencionais de Wendy Carlos (no histórico Switched on Bach, que apresentou o compositor à era das electrónicas), passando por transformações inesquecíveis como as que Uri Caine criou sobre as Variações Goldberg ou o projeto Lambarena no álbum Bach To Africa, o corpo de mutações cresce e alarga as partituras originais a outros tempos e outras formas. Não espanta assim que, na hora de ensaiar uma primeira abordagem em disco aos universos da música clássica, a Red + Hot Organization (que tem usado a música como forma de obter fundos para projetos de luta contra a sida) tenha escolhido Bach como matéria prima. Assim, e depois de ter já abordado os espaços do jazz hip hop, da country, da música latina, do pop/rock alternativo ou da força criativa de cidades como Lisboa ou o Rio de Janeiro e de ter criado tributos a nomes como Cole Porter, George Gershwin, Fela Kuti ou Noel Coward, a Red + Hot propõe agora Red Hot + Bach... O modelo é o do disco tributo que ali nasceu com o histórico Red Hot + Blue... Ou seja, juntam-se almas de várias origens, como Max Richter, Julianna Barwick, o violinista Daniel Hope, King Britt, Jeff Mills ou o Kronos Quartet, cada qual descobrindo na obra de Bach um instante que assim transformam, uns de forma mais deferente, outros em modos mais... radicais. Mia Doi Todd, por exemplo, “encontra” uma canção ao tomar como inspiração o Prelúdio em dó menor BWV. E Daniel Hope, num outro exemplo, sugere um diálogo entre um violino que escuta o célebre Air, da Suite Nº 3 em ré BWV 1068 e um contrabaixo (por Georg Breinschmid) que dança, com liberdade jazzística, ao seu redor... Na linha dos melhores volumes da série, Red Hot + Bach vive de pontes entre géneros, personalidades e talentos. Bach é um ponto de partida. E aqui vai bem para lá da linha do horizonte.

Sete filmes inéditos de Béla Tarr em DVD


Este texto, sobre uma caixa de DVD que a Midas Filmes agora apresenta, foi originalmente publicado na edição de 29 de julho do DN com o título 'Novos filmes de Béla Tarr'

Na arte não há democracia... Quem o disse foi o húngaro Béla Tarr (no documentário de Jean-Marc Lamore sobre a sua obra - Tarr Béla, I Used To Be a Filmaker - que vimos na edição de 2013 do DocLisboa), cineasta que criou o assombroso O Cavalo de Turim (2012) como um filme-testamento. E de facto desde então não mais filmou. O ponto final assim anunciado representou todavia para nós um momento de partida para um extenso olhar antológico sobre a sua carreira em suporte de DVD. E assim, a juntar-se à edição de O Homem de Londres (filme de 2007 já antes editado em Portugal), o catálogo de Béla Tarr disponível entre nós ganhou importante novo passo com o lançamento de uma primeira caixa na qual se juntavam os filmes Danação (1987), O Tango de Satanás (1994), As Harmonias de Werckmeister (2000) e o mais recente O Cavalo de Turim.

Agora chega, uma vez mais pela Midas Filmes (que também editou a primeira caixa antológica), uma segunda caixa que, sob o título Béla Tarr – Volume II, alarga mais ainda nosso acesso ao seu cinema com sete outros filmes, entre longas e curtas metragens, que junta em dois DVDs. Se o volume 1 apresentava (salvo O Homem de Londres) as suas longas posteriores a Danação (de 1987), a nova caixa mergulha mais atrás no tempo, da obra mais recente de Béla Tarr apresentando-se apenas a curta Viagem Pela Planície (1995), uma apresentação, por Mihály Vig (o compositor que trabalhou habitualmente com o cineasta), do universo poético de Sándor Petöfi.

Esta segunda antologia recua a O Ninho Familiar (1977), retrato de uma família numerosa na longa-metragem que assinalou a estreia de Béla Tarr na realização. Seguem-se as (também longas) Realções Pré-Fabricadas (1982) e Almanaque de Outono (1984). Os três filmes focam atenções sobre os espaços de vida doméstica, assinalando um progressivo aprumo estilístico e, no filme de 84, refletindo, com os blocos de habitação pública por cenário, sobre a época que ali ficou retratada. Este último filme assinalou o início de uma frutuosa colaboração entre o realizador e o compositor Mihály Vig.

Além destas “longas” a caixa inclui McBeth, uma abordagem em dois planos ao texto de Shakespeare criada para a televisão em 1982 e as curtas-metragens Hotel Magnezit (1978) e o já referido Viagem na Planície de 1995, aos quais se junta ainda o Prólogo com o qual o cineasta contribuiu para o projeto Visions of Europe (2004), no qual colaboraram ainda nomes como os de Teresa Villaverde, Aki Kaurismaki, Sharunas Bartas ou Peter Greenaway.

Para ouvir: Sufjan Stevens canta Arthur Russell

A contribuição de Sufjan Stevens para o disco de homenagem a Arthur Russell que a Red + Hot Organization lança em outubro é o magnífico A Little Lost, tema originalmente apresentado no álbum Another Thought, que teve lançamento já póstumo através de uma etiqueta que então era regida por Philip Glass.

Podem ouvir aqui a versão.

Tarantino vai filmar "The Hateful Eight"

Depois de muitas atribulações com o argumento (e a sua divulgação pública), The Hateful Eight vai mesmo ser feito. Que é como quem diz: depois de Django Libertado (2012), o próximo filme de Quentin Tarantino será um western, contando com a participação de Samuel L. Jackson, Kurt Russell e Tim Roth, entre outros — e já há um primeiro cartaz.

quarta-feira, julho 30, 2014

Ver + ouvir:
Karen O, Rapt



Um aperitivo para o álbum de estreia a solo de Karen O, a voz dos Yeah Yeah Yeahs. Fica aqui o teledisco.

Novas edições:
Beck

“Song Reader”
Universal
2 / 5

Antes do gramofone de Berliner e do cilindro de Edison, a música que se ouvia em casa fazia-se “ao vivo”. O que não quer dizer que em cada lar houvesse um compositor... Desde o advento da imprensa a ideia de produzir partituras em grande escala entrara nos hábitos do consumo da música. No século XVIII surgiram as primeiras sociedades de autores. E na segunda metade do século XIX novos consumos musicais ganharam voz com a criação de um mercado de partituras de canções. Muitas delas iam nascendo em espetáculos de teatro musical e, através das partituras impressas, começaram a chegar aos lares, ali cada qual tocando-as (habitualmente ao piano), ao mais vocalmente dotado elemento da família ou grupo de amigos cabendo o papel do vocalista. E assim a cultura pop(ular) encontrou na canção um mercado, nascendo desde logo os primeiros grandes êxitos: aqueles dos quais se vendiam mais partituras. Foi ao pretender evocar estes tempos, numa altura em que a canção era partilhada, mas vendida sem som e, por isso, conhecida por cada qual da forma como a escutara em casa ou entre amigos, que Beck criou em finais de 2012 um álbum no qual as novas canções não eram apresentadas já gravadas, mas numa partitura impressa. Quem o entendesse (e soubesse fazer) podia comprar, ler, tocar e cantar...

Convém enquadrar a coisa no tempo. Beck tinha editado Modern Guilt em 2008 e, depois, dele não ouvimos mais que uma série de singles avulso, participações em bandas ou algumas colaborações, como a produção de música para Charlotte Gainsbourg ou a curadoria de um tributo a Philip Glass (onde ele mesmo assinou um dos temas). Neste intervalo de seis anos (cujo silêncio em formato de álbum terminou com o recente lançamento de Morning Phase, já este ano), Beck criou ainda o Record Club, um espaço de encontro de amigos no seu estúdio caseiro na Califórnia onde, em sessões sempre arrumadas ao longo de um dia, criou versões de álbuns de nomes como os de Leonard Cohen, Velvet Underground ou INXS, disponibilizando as gravações de forma gratuita no seu site. Não era má ideia a sua edição em disco.

Depois do lançamento do Song Reader em papel surgiram na Internet, sobretudo entre o YouTube e Soundcloud, inúmeras gravações das novas canções dando conta, aos que não sabem ler música nem tocam uma nota, de como soaria este disco de Beck. Agora chega uma nova etapa na vida do Song Reader, que ganha uma materialização física mais “convencional”, se bem que seguindo a mesma lógica operada nos concertos que, desde 2013, têm dado corpo a estas canções: apresentando-as entre convidados.

É entre nomes como os de Jarvis Cocker, Jack White, Sparks ou Laura Manning, entre outros, que estas mesmas composições ganham novas leituras. Mas, e sobretudo depois de conhecer as leituras por vários anónimos que estão disponíveis na Internet, a versão em disco do Song Reader parece um daqueles tributos desinspirados e inconsequentes. Tirando as abordagens fabulosas de uns Sparks ou Eleanor Friedberger e o momento em que o próprio Beck nos sugere, com um dos temas, ao que tudo isto poderia soar, o Song Reader é um desfile de boas composições mal entregues a quem lhes dá voz. Tweedy, Jack White e Jarvis Cocker não envergonham, mas não brilham. Marc Ribot e Gabriel Kahane & Ymusic procuram ecos da época que o modelo de edição em partitura evoca. Mas há momentos abaixo dos mínimos olímpicos. E uma sensação de oportunidade perdida no fim...

Como soaria tudo isto na voz (e arranjos) de Beck? Essa é a grande questão e esse o (grande) disco a fazer numa eventual terceira vida do Song Reader. Estas canções, que transportam ecos de vivências musicais americanas anteriores à alvorada da cultura rock, pedem a pés juntos que a voz de Beck lhes dê a glória que, na partitura, está latente. E basta ouvir a sua abordagem a Heaven’s Ladder para o sentir. Um dos melhores cantautores do nosso tempo merecia melhor sorte para um projeto potencialmente capaz de muito melhor mas que, pelo que este disco mostra, não brilha deste modo.

Quem inspira Wes Anderson? (parte 3)


Este texto é a terceira parte de um artigo originalmente publicado no suplemento Q. do DN com o título ‘Partir dos filmes para achar o seu cinema’.

O livro The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz, passa estranhamente ao largo dos elementos da banda sonora expressamente criados pelo brasileiro Seu Jorge, que tem um papel no filme em que, de guitarra na mão, interpreta versões, com letra em português, de canções célebres de David Bowie. O mesmo não acontece com a música que escutamos em Moonrise Kingdom (de 2012), sobre a qual o realizador revela que teve um papel determinante no filme. “Benjamin Britten é uma parte grande de todo o filme”, reconhece o realizador (4). Dele ouvem-se elementos de The Young Person’s Guide to the Orchestra (numa gravação dirigida e narrada por Bernstein), Noye’s Fludde, Simple Symphony, Friday Afternoons e ainda um excerto da ópera A Midsummer Night’s Dream. Wes Anderson aponta contudo Britten como uma das três figuras maiores que a música de Moonrise Kingdom respira, os outros sendo Henry Purcell (5) “cuja música Britten desmonta e rearranja de modo a criar algo de novo a partir dela” e Bernstein, “que dirige, ao mesmo tempo que faz da música a sua própria experiência narrada”. Isto sem esquecer a partitura original que Alexandre Desplat criou para o filme (e na qual colabora Mark Mothersbaugh, outro colaborador de Wes Anderson), assim como as canções de Hank Williams ou Françoise Hardy que surgem em alguns momentos da banda sonora.

Apesar das muitas ocasiões em que o livro coloca a música, fotografias ou livros como motores de inspiração de Wes Anderson, é na cinefilia que encontramos a alma das ideias centrais que desaguam nos seus filmes. Essa cinefilia é bem evidente entre as fundações de Os Tenembaums – Uma Comédia Genial, que tem O Quarto Mandamento (The Magnificent Ambersons, de 1942) de Orson Welles como uma das mais importantes fontes de inspiração.

'O Rio Sagrado', de Jean Renoir

The Darjeeling Limited (2007) é também um bom exemplo de como um filme seu emergiu de uma experiência cinéfila. Era já anterior a Life Aquatic a sua vontade de criar uma narrativa com três irmãos a viajar num comboio. “Mas não sabia onde ia acontecer”, explica, lembrando que chegou mesmo a pensar num elenco antes mesmo de saber que ia filmar na Índia (6). A peça que faltava – e que faz do filme um espantoso eco do mundo de cores da cultura indiana – surgiu depois de a Film Foundation ter concluído o restauro do clássico O Rio Sagrado (Le Fleuve, de 1951) de Jean Renoir (sem dúvida um dos mais belos filmes alguma vez rodados na Índia). Martin Scorsese convidara-o para ver a nova cópia e Wes Anderson, ao sair da sala onde decorreu o visionamento, não tinha mais dúvidas: “Índia. Era ali que o comboio deveria estar. E é para lá que vamos.” pensar o filme Wes Anderson juntou ainda a sua enorme admiração pela obra de Satyajit Ray, os documentários de Louis Malle sobre a Índia e depois, juntamente com Jason Schwartzman e Roman Coppola, partiu para conhecer os lugares e escrever o filme (trabalho que na verdade decorreu entre Nova Iorque, França e, só depois, a Índia).

No prefácio do livro, Michael Chabon compara o cinema de Wes Anderson à caixas de Joseph Cornell. Tal como nesses conjuntos de peças, formas e cores, a diversidade das fontes acaba por encontrar uma arrumação que é definida pela linguagem do realizador e, por sua vez, a define agora em si mesma. Em 20 anos, o livro mostra-nos como o jovem promissor que se estreava em Dallas se transformou num esteta de personalidade única no mapa do cinema do nosso tempo.

(4) in The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz (Abrams, 2013), pag. 313
(5) A obra The Young Person’s Guide To The Orchestra, de Britten, parte de uma variação sobre um tema de Purcell.
(6) in The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz (Abrams, 2013), pag. 206

Quando os Pet Shop Boys
cantaram em português


O segundo single extraído do álbum Bilingual assinalou a representação numa canção dos Pet Shop Boys da língua portuguesa. Se a Vida é (That's The Way Life Is) - e não vale a pena explicar a quem lê português que o que surge entre parênteses não é bem a tradução do título, mas enfim... - surgiu na sequência do estabelecimento de uma relação do duo com as plateias da América do Sul, em particular o Brasil. A canção representou um dos grandes êxitos globais do grupo na segunda metade dos anos 90. O single saiu originalmente em agosto de 1996, surgindo nos EUA com alinhamento diferente apenas em abril de 1997. Uma segunda colaboração com Bruce Weber resultou no teledisco, rodado num parque em Orlando (Florida).

Para ler: a nova música portuguesa,
segundo a 'Les Inrockuptibles'

Um artigo publicado pela revista francesa Les Inrockuptibles apresenta-nos um panorama da atual cena musical pop/rock alternativa portuguesa... 

Vale a pena ler aqui.

Ozu x 3

Depois das reposições de Viagem a Tóquio (1953) e O Gosto do Saké (1962), em 2013, Yasujiro Ozu regressa ao mercado português, através de mais três filmes maravilhosos da fase final da sua carreira — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Julho), com o título 'Filmes do mestre japonês Ozu regressam em cópias restauradas'.

A vitalidade do mercado cinematográfico não se mede apenas pelos números das bilheteiras. Não que o cinema não tenha de atender às suas lógicas comerciais. Mas, justamente por causa dessas lógicas, importa continuar a celebrar um princípio básico de diversidade (que, em boa verdade, nunca foi renegado por nenhum dos agentes do mercado).
Nos últimos dois anos, um interessante fenómeno de diversificação tem sido o regresso das chamadas reposições de títulos clássicos, em cópias novas. Nalguns casos, como aconteceu com Vertigo (1958), de Alfred Hitchcock, gerando sucessos muito consistentes. Surgem, agora, em exemplar restauro em cópias digitais, três títulos de Yasujiro Ozu. São obras da fase final do mestre japonês: A Flor do Equinócio (1958), Bom Dia (1959) e O Fim do Outono (1960). Mais do que isso: são filmes que ilustram o seu sofisticado trabalho com a película a cores, desenvolvido até ao seu derradeiro título, O Gosto do Saké (1962), também reposto nas salas portuguesas, em Setembro do ano passado (juntamente com Viagem a Tóquio, de 1953).
Os três filmes reflectem uma linha temática fulcral: as relações no interior do espaço familiar e, em particular, as tensões entre pais e filhos, sempre filtradas por todo um ancestral protocolo de ordem e hierarquias. Nesta altura do seu trabalho e da sua vida (Ozu viria a falecer a 12 de Dezembro de 1963, no dia em completou 60 anos), o cineasta liga esse sistema de relações aos ecos sociais e, sobretudo, emocionais da Segunda Guerra Mundial, observando a diferença entre o distanciamento dos mais novos e o desencanto dos mais velhos.
A visão dramática de Ozu apresenta-se quase sempre aberta a elementos de puro humor. Bom Dia é um caso sintomático, dando conta da transformação de hábitos gerada pelo aparecimento dos primeiros televisores nos lares japoneses; as personagens centrais são duas crianças cujos pais não parecem inclinados a adquirir um aparelho — de tal modo que os dois irmãos decidem não falar enquanto não puderem ver televisão em sua casa...
Na sua época, O Fim do Outono terá sido um dos títulos de Ozu com maior ressonância internacional, já que foi o candidato do Japão ao Óscar de melhor filme estrangeiro (sem que tenha chegado às cinco nomeações). O vencedor desse ano foi A Fonte da Virgem, de Ingmar Bergman, curiosamente também há poucos meses revisto entre nós, no âmbito de uma temporada de reposições dedicada àquele cineasta sueco.

terça-feira, julho 29, 2014

Ver + ouvir:
Hamilton Leithauser, 11 O'Clock Friday Night



Um dos telediscos já extraídos do álbum de estreia a solo do vocalista dos The Walkmen.

Novas edições:
Tom Petty & The Heartbreakers

“Hypnotic Eye”
Warner Bros.
4 / 5

Aquela ideia pré-concebida que canta que as coisas acalmam com o tempo conhece no novo álbum de Tom Petty & The Heartbreakers uma saborosa contradição. Quatro anos depois de Mojo e seis após a breve reunião dos Mudcrutch (o projeto que precedeu os Heartbreakers), o novo disco não só mantém a firme ligação de Petty com as essências de raiz norte-americana de um rock clássico talhado em meados dos setentas de que ele, juntamente com Bruce Springsteen, são figuras de referencia, como junta um outro elemento em cena: o garage rock. Se é verdade que foi ao ver os Beatles a atuar no programa de Ed Sullivan que o músico (de berço na Florida) sentiu que estar numa banda seria o seu futuro, por outro lado uma atenção aos acontecimentos que a cultura pop/rock tomou na segunda metade dos sessentas deixou semeadas ideias e experiências que aqui afloram com conhecimento de causa. Sem se afirmar necessariamente como um ensaio de nostalgia – era-o mais, por exemplo, a vivência partilhada ao lado de George Harrisson, Bob Dylan, Roy Orbison e Jeff Lynne nos Traveling Wilburys – o novo Hipnotic Eye é antes um disco que assinala pontes entre ecos da memória de experiências de outros tempos e um presente em que tudo se materializa e a vontade em estar ativo é evidente. Se bem que plasticamente distinto de outros manifestos de vitalidade criativa de veteranos – como o foram Chaos & Creation In The Backyard de Paul McCartney ou Songs From The West Coast de Elton John – Hypnotic Eye revela não apenas um belíssimo conjunto de canções de alma “clássica” como revela sinais de um saber fluente no cruzamento entre as linguagens roots rock que fazem a medula da linguagem do som de Tom Petty com os Heartbreakers como junta, em alguns dos temas-chave do alinhamento, a vibração elétrica com carga melodista escutada nos velhos nuggets “de garagem”. Essa presença, que tem algum protagonismo no alinhamento, não apaga contudo a presença de valores de raiz, nomeadamente os blues, que emergem, por exemplo, em Power Drunk ou Burnt Out Town. Mas, convenhamos, é sob o viço elétrico de canções como American Dream Plan B, Fault Lines ou Forgotten Man que Petty apresenta um dos discos mais inteligentemente musculados da sua obra mais recente. Rock clássico, portanto.

Quem inspira Wes Anderson? (parte 2)



Numa altura em que esperamos pelo lançamento em DVD de Grand Budapest Hotel entre nós, fica um olhar sobre o cinema de Wes Anderson, tendo por base o livro que olha para os primeiros 20 anos da sua carreira. Este texto é a segunda parte de um artigo originalmente publicado no suplemento Q. do DN com o título ‘Partir dos filmes para achar o seu cinema’.

A primeira ideia de Wes Anderson enquanto criador de cinema era a de abordar o universo do ‘skate’ usando para tal a câmara Super 8 do pai, que acabaria por não mais sair das suas mãos. Como esse pequeno filme fez muitos mais, alguns deles tendo mais tarde sido roubados da mala do seu carro. “Os conceitos desses filmes não estavam lá muito bem desenvolvidos. Fiz alguns com [a personagem] Indiana Jones. E para esses criei cenários e um guarda-roupa, mas não se pode dizer que fossem coisas encorajadoras...”, recorda numa das entrevistas que podemos ler no livro.

Data depois do período que passou na universidade a fundação de uma vontade mais sólida em fazer cinema. Wes Anderson começou por pensar num futuro como escritor, mas a biblioteca da University of Texas tinha uma “boa coleção de livros sobre cinema”. Havia mesmo várias bibliotecas na universidade e todas tinham a sua secção de cinema e até mesmo filmes que podia ver. Wes começou a ler livros sobre realizadores e, depois, a ver os seus respetivos filmes. Havia livros sobre Bergman, Fellini, Truffaut, Coppola, Scorsese, Ford e Walsh... E é nessa etapa que floresce um interesse maior pelo cinema europeu dos anos 50 e 60 e nasce uma cinefilia que se revelaria determinante na construção da sua própria obra.

Wes Anderson começa a fazer filmes, usando o equipamento de uma estação pública em Houston. Um dos seus primeiros filmes foi um documentário sobre o seu senhorio. Um filme encomendado por ele mesmo e com o qual Wes esperava pagar dívidas que tinha para com ele. Pelos vistos, e segundo confessa no livro, o senhorio não gostou depois do que viu...

Foi de uma outra série de livros que partiu depois o caminho que o levaria eventualmente a um estatuto profissional. Wes tinha lido títulos sobre a criação de filmes como Os Bons Amantes (She’s Gotta Have It, de 1986) de Spike Lee ou Sexo Mentiras e Vídeo (Sex Lies and Videotape, 1989) de Steven Soderbergh e num deles referia-se como os irmãos Coen tinham chegado mesmo a visitar dentistas para recolher fundos para fazer um dos seus filmes. Explicava-se o que era uma pequena parceria e como se fazia. A ideia interessou-o. E juntamente com um produtor de Austin e o ator Owen Wilson, que tinha conhecido na universidade, começou a trabalhar no que acabaria por ser Bottle Rocket.

As muito ilustradas páginas de The Wes Anderson Collection notam não apenas as muitas fontes de inspiração que Wes Anderson colheu entre livros, no cinema, na pintura, fotografia ou na música, mas também repara como por vezes em pequenos detalhes de um filme podem estar referências que outros aprofundam mais tarde. Um desses exemplos é a figura de Jacques Cousteau. Vemo-lo numa fotografia (de Richard Avedon) que surge numa das imagens da primeira curta do realizador. E voltamos a encontrá-lo, citado na forma de um dos seus livros, numa das imagens de Todos Gostam da Mesma. Cousteau surgiria mais tarde como a principal inspiração para a composição da figura de Steve Zissou, protagonista de Um Peixe fora de Água (no original The Life Aquatic – with Steve Zissou, de 2004), que teve em Bill Murray (figura presente em vários dos seus filmes) o seu ator principal.

Wes Anderson conhecia uma biografia de Cousteau publicada “por volta de 1990 que dava uma ideia de quem ele era”, assim como tinha lido uma série de artigos onde se falava das suas viagens. “Comecei a criar esta impressão de Cousteau não apenas como oceanógrafo e aquela espécie de cientista super-herói, mas também como uma estrela, alguém que tinha de organizar estas operações, lidar com financiamentos e audiências e fama”, recorda em entrevista que lemos no livro. Era uma pessoa “não unidimensional” e, sublinha Wes Anderson, “em parte não era um homem simpático” (3). Steve Zissou tem Cousteau como principal influência, mas não a única, na verdade sendo um compósito de ideias colhidas de várias figuras reais, no fim acabando como “uma versão inventada” do oceanógrafo. O filme aprofundou ainda uma forma muito particular de entender a contribuição da art direction como um elemento maior na linguagem de Wes Anderson. Para o pensar foram visionados programas de Cousteau, filmes de Antonioni dos anos 60... E o guarda roupa cita memórias do Star Trek original.

Matt Zoller Seitz nota, no ensaio que abre o capítulo dedicado a Um Peixe fora de Água, que este foi “desapontante” tanto na apreciação da crítica como na bilheteira. E neste último aspeto junta-o a filmes como Playtime de Jacques Tati, New York New York de Martin Scorsese ou Do Fundo do Coração (no original One from the Heart) de Francis Ford Coppola como “flops de bilheteira cujas reputações cresceram com o tempo”. 

(3) in The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz (Abrams, 2013), pag. 166

St. Vincent vai atuar em Lisboa no Mexefest

St. Vincent, Sharon Van Etten e os Tune-Yards foram os três primeiros nomes anuciados hoje para a edição 2014 do Vodafone Mexefest. O festival urbano vai ter lugar em Lisboa, entre os dias 28 e 29 de novembro.

Meio ano pop/rock arrumado em duas listas

Aos seis meses vividos de 2014 fazem-se contas aos discos. E esta semana, nos Discos Voadores, apresentei listas de dez álbuns e dez canções (departamento pop/rock e periferias) que juntam o que de melhor escutei por aí. Aqui ficam, agora devidamente arrumadas.

10 ÁLBUNS

1 Beck – Morning Phase
2 St Vincent – St Vincent
3 Owen Pallett – In Conflict
4 Neneh Cherry – Blank Project
5 Damon Albarn – Everyday Robots
6 Brian Eno + Karl Hyde – Someday World
7 The Notwist – Close To The Glass
8 Dean Wareham – Dean Wareham
9 Tori Amos – Unrepentant Geraldines
10 Teleman – Breakfast

10 CANÇÕES

1 St Vincent – Prince Johnny
2 Owen Pallett – Fong For Five & Six
3 Teleman – Steam Train Girl
4 Beck Wave
5 Alexis Turner – Closer To The Elderly
6 Fujyia & Myiagi – Flaws
7 CEO – Wonderland
8 Trust – Are We Arc?
9 Dean Wareham – The Dancer Disappears
10 Angel Olsen – Hi-Five


E UMA CANÇÃO PARA O VERÃO...
Silva (ft. Fernanda Takai) – Okinawa

Para ouvir: o 'Song Reader' de Beck
por vozes que não chegaram ao disco (2)



Esta semana chegou a disco o Song Reader, álbum que Beck originalmente editou apenas como partitura. E ao mesmo tempo que ouvimos as canções por vozes profissionais, esta semana escutamos algumas das muitas gravações que, desde que apresentadas as canções, foram chegando à Internet. Esta é uma delas, assinada por Rich Thomsen, de Minneapolis / St. Paul.

segunda-feira, julho 28, 2014

Ver + ouvir:
The New Pornographers,
War On The East Coast



Antecipação para o novo álbum dos New Pornographers, que tem data de lançamento agendada para finais de agosto.

Sound + Vision Magazine
hoje às 18.30 na Fnac Chiado


O Sound + Vision regresssa hoje à Fnac do Chiado para uma sessão que terá como prato principal um percurso através de filmes e discos que nos contam histórias de verão. Ao mesmo tempo haverá espaço para as novidades e aí não falta a presença de uma referência ao regresso de Perfume Genius. Os 50 anos de A Hard Day's Night, o primeiro filme dos Beatles, fazem as honras de encerramento da sessão.

Novas edições:
Hamilton Leithauser

“Black Hours”
Ribbon Music
4 / 5

Os The Walkmen anunciaram que iam entrar naquilo que descreveram como um “hiato extremo” em 2012. E, com a banda em modo de pausa, os músicos começam aos poucos a mostrar primeiros discos em nome próprio. Depois da estreia de Walter Martin e antes que chegue o álbum de Peter Mathew Bauer, cabe ao vocalista Hamilton Leithauser o momento para se apresentar a solo. Sem surpresa, os textos que têm falado deste seu (bem agradável) álbum a solo apontam a enorme dificuldade que naturalmente sentem os vocalistas para seguir caminhos claramente afastados daqueles que tomavam nas bandas às quais davam a voz, se bem que a veia mais rootsy que Jack White tomou depois dos White Stripes ou a nova demanda de John Grant pós The Czars mostrem que é possível experimentar ideias, umas mais próximas, outras mais distantes. Em Black Hours, apesar de sublinhar a versatilidade com que já tinha sabido abordar os diferentes caminhos ensaiados com os The Walkmen, Hamilton Leithauser foca parte significativa das atenções numa busca de fontes de inspiração num passado que aponta em vários instantes os seus azimutes aos anos 50, não pela via da cultura pop/rock, mas pelo terreno da canção de charme que então cabia às vozes dos grandes crooners. Sem mudar o registo vocal, Hamilton procura aí sinais e trilhos, que por exemplo o colocam no caminho de uma música orquestral herdada das lições de um Nelson Riddle ou Gordon Kenkins em 5AM, faixa que abre o álbum, optando por um registo mais discreto em St Mary’s County, balada onde a voz tem por companhia um piano e cordas (sintetizadas). O ponto alto da faceta 50’s do álbum mostra-se contudo no mais luminoso The Silent Orchestra, do qual sobressai um contraste maravilhoso entre as referências retro da composição (e de uma ideia de arranjos para cordas) com a estrutura claramente acompanhada por teclas, com travo solarengo a sorrir no final. O universo indie, onde os Walkmen ganharam notoriedade, não é esquecido, e as guitarras não deixam de ser parceiras na construção de algumas outras canções que fazem de Black Hours uma experiência onde sugestões de familiaridade e surpresa andam de mãos dadas (há até ecos bluesy rockabilly pelo caminho). Acrescentem-se ainda colaborações (bem consequentes) com nomes como Rostam Batmanglij, dos Vampire Weekend (que produz o disco e coescreve dois temas), Morgan Henderson dos Fleet Foxes ou Richard Swift dos The Shins, e encontre-se aqui a coleção de ideias e temperos que fazem de uma estreia a solo um momento que, mesmo com afinidades com a obra em banda que a precede, não lhe pede uma caução. Não sei quanto tempo durará o hiato, dos Walkmen, mas com Hamilton Leihauser a solo ganhamos mais um nome que vale a pena acompanhar.

Quem inspira Wes Anderson? (parte 1)


Numa altura em que esperamos pelo lançamento em DVD de Grand Bupapest Hotel entre nós, fica um olhar sobre o cinema de Wes Anderson, tendo por base o livro que olha para os primeiros 20 anos da sua carreira. Este texto é parte de um artigo originalmente publicado no suplemento Q. do DN com o título ‘Partir dos filmes para achar o seu cinema’.

Matt Zoller Seitz conheceu Wes Anderson há 20 anos. Foi em Dallas. Ele era então um jovem crítico de cinema a dar os primeiros passos e Wes tinha visto a sua primeira curta-metragem, Bottle Rocket (1994), ser aceite pelos programadores de um festival de cinema naquela mesma cidade texana. Matt escreveu na ocasião uma pequena crítica “positiva”, achando o seu estilo “suficientemente interessante” para, nos tempos que se seguiram, ter voltado a assinar novos trabalhos jornalísticos sobre Wes Anderson e o seu principal colaborador de então, Owen Wilson, quando tentavam desenvolver uma possível longa-metragem a partir dessa mesma curta inicial. Esse era um filme de 12 minutos, filmado a preto e branco em película de 16 mm e todo ele produzido em Dallas depois de Wes e Owen terem terminado os estudos na University of Texas, em Austin.

Matt e Wes voltaram a encontrar-se várias vezes. E num visionamento para a imprensa de Os Tennenbaums – Uma Comédia Genial (título original The Royal Tennembaums, de 2001) no New York Film Festival, Matt reparou inclusivamente que num dos planos exteriores, rodados em Brooklyn, a casa onde vivia com a sua família passou pelo olhar da câmara e, agora, ali estava para todos a verem no grande ecrã. Depois de Gostam Todos da Mesma (título original de Rushmore, filme de 1998) a relação do jornalista com o realizador tornara-se mais próxima mas, para a concretização deste volume que cruza imagens, ensaios sobre os filmes (até Moonrise Kingdom, o que deixa de fora o Hotel Budapeste (no original Grand Budapest Hotel, já estreado este ano) e uma entrevista por cada um dos títulos evocados, passaram 20 anos. Duas décadas de textos, filmes e contactos, o que não significa que o que aqui encontramos seja material de arquivo. Na verdade, Wes e Matt chegaram mesmo a fazer novas e mais extensas conversas que agora lemos como uma narrativa em continuidade. O conjunto, devidamente arrumado, e que o autor descreve como “uma digressão pela mente de um artista, tendo-o a ele mesmo como guia e companheiro” (1), dá-nos assim uma oportunidade de conhecer a fundo as referências, intenções, histórias de rodagens e marcas de personalidade de um realizador no pico da sua forma e ainda com muito para nos dar. Hotel Budapeste é por isso mesmo um primeiro exemplo de como, num futuro, haverá ainda histórias a acrescentar ao que aqui se conta e vê.

Com uma estrutura cronologicamente ordenada, tendo cada uma das longas-metragens de Wes Anderson como unidades temáticas (que assim arrumam também o evoluir dos tempos), o livro começa por evocar algumas das referencias que estruturaram o gosto e o interesse pelo cinema em Wes Anderson. O primeiro filme que viu, ainda em criança, foi um dos títulos da série ‘A Pantera Cor-de-Rosa’, e entre as memórias mais remotas junta ainda animações da Disney e The Apple Dumpling Game, western de 1975 de Norman Tokar com Don Knotts, do qual Wes “acha que gostava” (2) .

O passo seguinte, teria ele uns 11 ou 12 anos, corresponde à descoberta de Hitchcock em vídeo (tinha um sistema Betamax em casa), filmes dos quais diz que “a estrela estava por detrás da câmara” e que o impressionaram. A Janela Indiscreta tornou-se um dos seus preferidos, sobretudo pelo facto de nunca se sair do apartamento (e de tudo o que vemos partir do ponto de vista de quem ali está), mas também pela escrita e o elenco. Pouco depois foi com A Guerra das Estrelas (George Lucas, 1977) que deu por si a estudar um filme com mais atenção. E foi por essa altura que o interesse por ver cinema se cruzou também com o verbo “fazer”.

(1) in The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz (Abrams, 2013), pag. 26
(2) ibidem, pág. 37

A caminho de 'Bilingual'


A chegada do álbum Bilingual, exercício de diálogo entre as linguagens da pop e da música de dança com os universos da cultura latina, anunciou-se em abril de 1996 ao som de Before, single dos Pet Shop Boys que na essência procurava assimilar uma matriz rítmica escutada na house. No lado B surgiram os inéditos The Truck Driver and His Mate e Hit and Miss. O single teve grande impacte na tabela de música de dança dos EUA, que chegou a liderar.