domingo, junho 29, 2014

Um disco para escutar as árvores


Os espaços e influências diretas das escolas eletroacústicas que marcaram alguma da música europeia na segunda metade do século XX têm interessante herdeiro no compositor polaco Michal Jacaszek (n. 1972) que apresenta no seu novo disco uma ideia que, por um lado, o inscreve numa tradição (ainda mais antiga) de relacionamento da música com a vontade em retratar expressões da natureza e, por outro, assinala uma associação à forma como Olivier Messiaen soube escutar o mundo ao seu redor como fonte de inspiração, tomando mesmo a ideia do seu Catalogue d’Oiseaux como pólo de reflexão para o que agora apresenta. Com uma discografia que conta já com alguns títulos editados desde que se estreou em 2004 com Lo-Fi Stories, Jacaszek apresenta em Catalogue d’Arbres (título desde logo assumidamente inspirado em Messiaen) uma série de composições que partiram da arte de escutar... árvores. O método de trabalho levou-o a tomar gravações de campo como ponto de partida. Ali, na natureza, microfone na mão, escutou o marulhar das folhas, o ressoar do vento sobre os cascos, as “vozes” da floresta... Carvalhos, choupos, sabugueiros, bétulas... Esta é a aqui a matéria prima primordial. Dessas gravações partir depois para a etapa de construção de peças – de génese improvisada - que juntam às sugestões das “telas” reais uma primeira expressão de espaço ambiental, dali emergindo elementos que, sempre discretos, acabam por compor oito retratos das árvores que, assim, escutamos. Contando com a colaboração do ensemble Kwartludium (que junta a presença de um violino, clarinete, piano, vibrafone e percussões), manipulando depois eletronicamente todas as fontes de som, Jacaszek apresenta em Catalogue d’Arbres (editado pela Touch) uma ideia que transcende as fronteiras da música ambiental e de periferias da música electrónica improvisada (atenção que algumas experiências recentes de David Sylvian e seus colaboradores não circulam muito longe deste patamar sonoro) para propor uma expressão atual de descendências da música eletroacústica num terreno claramente marcado pela identidade de uma música sem barreiras de género que começa a afirmar, aos poucos, o que é a alma do século XXI.