sexta-feira, junho 13, 2014

Foi há 30 anos, numa manhã de Santo António


Há 30 anos ele deixava-nos. Cedo demais. Gravou ainda um segundo álbum já doente. E muito doente já não conseguiu promovê-lo. Conheci-o pessoalmente. Via-o por vezes a caminhar na Rua da Escola Politécnica, no Largo do Rato. E uma vez passou à minha porta. O meu pai, a brincar, disse-lhe (reconhecendo-o logo, é claro), que ele se parecia mesmo com o António Variações. Ele riu, tímido. O António era tímido. E respondeu ao meu pai que era ele mesmo. O meu pai, brincalhão como sempre, meteu-se uma vez mais com ele, respondendo que não acreditava, mas que lá era parecido era... O António riu uma vez mais. Cumprimentou-nos e seguiu o seu caminho, julgando que um senhor e sua família não tinham acreditado que era quem era...

Comprei-lhe os discos. O single do Estou Além em 1982. Os dois álbuns, em 1983 e 84. E depois escrevi sobre ele primeira vez quando um 'best of' surgiu nos noventas... Escrevi várias vezes sobre ele e a sua música e o seu (também o meu) tempo.

Em 2004, há precisamente dez anos, tive a grande sorte de poder trabalhar as suas cassetes e nelas encontrar o material que fez o disco dos Humanos. Recebi a caixa de sapatos com as cassetes lá dentro das mãos do Paulo Junqueiro, numa tarde na EMI. Levei-as para casa e, religiosamente, cuidei delas durante um mês. Escutei-as minuto a minuto, inventariando o seu conteúdo. Descobrindo aos poucos canções que nunca tinha escutado e das quais fui tirando as letras e dando nomes. Mudar de Vida, Maria Albertina, Gelado de Verão, Rugas... Umas já em formas finais, algumas mesmo gravadas em ensaio com bandas. Outras apenas tocadas com palminhas a acompanhar. Umas meras vinhetas à espera de uma forma final. Os Humanos, convenhamos, fizeram um trabalho único e de exceção. 

Já este ano, tive novamente a honra de trabalhar o seu legado. E, depois de propor a ideia ao Rock in Rio, ver a Roberta a aceitar com entusiasmo o projeto de o homenagear num concerto nesta edição de 10º aniversário. Com o Zé Ricardo fomos escolhendo os nomes: a Gisela João, os Linda Martini, os Deolinda e o Rui Pregal da Cunha (que, com os demais Heróis do Mar, trabalhou em Dar e Receber, o segundo álbum do António Variações).

Um homem raro, este António. Único. Ele nunca se diria genial (era tímido e inteligente demais para o fazer). Mas era-o. Como poucos o foram e são.