terça-feira, junho 24, 2014

A agonia televisiva do PS

GIORGIO DE CHIRICO
A Torre Vermelha
1913
I. Não admira que alguém como Manuel Alegre, obviamente preocupado, venha chamar a atenção para a gravidade do "clima no PS". De facto, no espaço populista da televisão, um conflito vale pelo ruído, apenas pelo ruído, não porque possa reflectir diferenças, muito menos ideias. E o Partido Socialista corre o risco de assegurar a campanha ambígua, mas eficaz, de todas as direitas, apenas porque se sujeita a ser apresentado e representado como um território em pueril ebulição — um dia destes, haverá mesmo um desses repórteres da premonição que fará um directo de uma qualquer sede do PS, dizendo: "Os insultos ainda não começaram..."

II. Há que dizer que a responsabilidade deste estado de coisas — entenda-se: um país que vive comandado pelo burburinho que o espaço televisivo produz ou transforma em eco interminável — é, em parte significativa, do próprio PS. Porquê? Porque se havia algum valor social que alguma esquerda podia e devia defender era o de um colectivo humano que não vivesse todos os dias dependente das brincadeiras histéricas das formas dominantes de fazer televisão. Não sendo possível esperar isso do PCP (herdeiro, hoje em dia por comovente denegação, da vertigem totalizante de coordenar todo o espaço da comunicação social), cabia ao PS não se deixar transformar em protagonista da sua própria agonia televisiva.

III. Pensar a televisão, não seria (não será, por certo) discutir como "controlá-la". Sugerir que é isso que está em causa é uma ideia (?) que só pode vir de programadores com pesados sentimentos de culpa ou de políticos que não conseguem sair de dicotomias mais ou menos marxistas-leninistas. Pensar a televisão, seria (será, não tenho dúvidas) avaliar de que modos as nossas dinâmicas sociais passam por ela — e como é que ela nos pode ajudar a viver melhor, contribuindo para edificar um mundo em que a iminência da demissão do seleccionador de uma medíocre equipa de futebol não seja encenada como um pesado fardo metafísico.

NOTA > O futebol é, obviamente, um tema revelador da nossa miséria televisiva: nos últimos dias, qual milagre dos pães em versão invertida, desapareceram os sacerdotes da transcendência da selecção portuguesa, dando lugar aos que há muito sabiam que se tratava de uma equipa sem qualquer valor... Pois.