terça-feira, abril 01, 2014

Um país de publicitários

I. Este é um país em que se gastam horas (!!!) a especular sobre o penalty que foi ou não foi, com as televisões a repetirem os lances "polémicos" como se fossem os preciosos fotogramas do Zapruder Film... Paixão das imagens? Bem pelo contrário: a histeria mediática em torno das imagens é reflexo de uma dramática cegueira ontológica — já ninguém olha, já ninguém pensa o labor que o olhar pode envolver.

II. A prova: na mesma altura em que surge a campanha do Partido Socialista feita sob o signo da "mudança", os hipermercados Continente lançam uma promoção que obedece ao mesmo simplismo figurativo — "confiança" é a palavra adoptada. Em boa verdade, podiam ser intermutáveis, já que, com a devastadora banalidade discursiva nos nossos partidos, por certo alguns deles gostariam de convocar o seu eleitorado em nome da "confiança".

III. Que está a acontecer? Não exactamente uma redução da política a um imaginário de hipermercado (em boa verdade, será mais o inverso, até porque a gestão dos nossos hipermercados parece muito mais sagaz que a imaginação dos nossos políticos). Assistimos, sim, à consagração de uma ideologia publicitária que, com pendular disciplina, gera o mesmo tipo de ideias para as entidades mais diversas, desde o espectro partidário até ao consumo de iogurtes e alheira de porco preto... Nada disto esgota o fascínio da luta política, nem diminui a qualidade dos produtos Continente — acontece que a riqueza discursiva do espaço público é uma tristeza.