terça-feira, março 18, 2014

"O Congresso" e o futuro digital (2/2)

Seja como for, o nosso futuro (e não apenas o do cinema) vai passar pelo digital: eis a "mensagem" fria desse filme fascinante que é O Congresso, de Ari Folman — este texto integrava um dossier sobre o filme, publicado no Diário de Notícias (12 Março).

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Quando se entra na segunda parte do filme O Congresso, isto é, quando passamos para as imagens animadas (correspondentes ao congresso a que o título se refere), a actriz interpretada por Robin Wright depara com os muitos ecrãs em que, num cenário feérico, é projectada a promoção do seu novo filme. Sabemos que ela já não participou na respectiva rodagem. Em boa verdade, já nem houve rodagem tradicional, uma vez que a interpretação foi fabricada a partir da digitalização das suas imagens. Em todo o caso, e através de um perturbante paradoxo, essas são as únicas imagens em que ela conserva uma aparência de carne e osso...
Quer isto dizer que Ari Folman não filma exactamente o “virtual” como um universo alternativo ao “real”. Nada disso. Por mais bizarra ou inquietante que a formulação possa parecer, o que está em jogo é bem diferente: a dimensão virtual da experiência humana passou a ser vivida como um novo vector da vida real.
Difícil? Claro que sim. Só nos debates televisivos é que este tipo de contrastes parece poder resolver-se através da escolha de “um” contra o “outro” — a maior parte da televisão contemporâneo está mesmo no centro da actual revolução digital mas, salvo honrosas excepções, não tem a mais pequena ideia para a pensar. O Congresso, por certo um dos mais espantosos objectos que o cinema gerou neste nosso dramático séc. XXI, vem dizer-nos que a questão do virtual não é um mero problema de instrumentalização técnica, mas sim um gigantesco dispositivo — que vai das bases tecnológicas aos valores morais — em que todos os aspectos do factor humano são postos à prova. Para que compreendamos como tudo isto é visceral, Robin Wright oferece ao filme a mais bela das dádivas: a sua personagem chama-se... Robin Wright.