sexta-feira, março 21, 2014

A tragédia de Fruitvale

Fruitvale Station, de Ryan Coogler, é um belo exemplo de um cinema (independente) americano que não abdica de pensar a sua relação com o real, ou melhor, o seu efeito de verdade — este texto foi publicado no Diário de Notícias (15 Março), com o título 'Oscar Grant e a sua verdade'.

A proliferação de imagens deu origem à ilusão pueril de que cada imagem existe sempre como potencial mecanismo de prova. Prova de verdade, sobretudo: perante a abundância de “informação”, foram-se instalando muitos dispositivos — quase sempre de natureza televisiva — que tentam incutir no espectador a ideia de que o respectivo labor é transparente e, sobretudo, inquestionável. Lembremos o mais universal lugar-comum televisivo: um repórter de microfone na mão, de frente para a câmara, tendo um fundo “informativo”, ilustra a mais pobre noção de contextualização. Na pior das hipóteses — veja-se o sinistro “naturalismo” do Big Brother —, a perda de dignidade de um ser humano face às câmaras é mesmo promovida como apoteose de verdade.
Fruitvale Station [entre nós lançado com o subtítulo A Última Paragem] é um filme consciente dos efeitos de tal conjuntura, quanto mais não seja porque trabalha a partir de um acontecimento — a morte do jovem Oscar Grant na estação de São Francisco a que o título se refere, na passagem do ano de 2008/09 — do qual existem imagens (obtidas por passageiros através dos seus telemóveis). Para o argumentista/realizador Ryan Coogler, não se trata de “duplicar” o impacto emocional de tais imagens, mas sim de recuar. No tempo, entenda-se: este é, afinal, um filme que resiste aos mais diversos maniqueísmos — de geração, classe social ou cor de pele —, mostrando como cada história individual nos projecta num novelo de factos e desejos impossíveis de reduzir a qualquer estereótipo “noticioso”.
Como noutros exemplos do actual cinema americano (de produção independente ou não), nada disso é indiferente ao intenso investimento no trabalho de composição dos actores. Na personagem de Oscar, o excelente Michael B. Jordan pode simbolizar a subtileza psicológica de tal atitude.