terça-feira, fevereiro 11, 2014

"Filomena": memórias e perdão (2/2)

Sophie Kennedy Clark no papel da jovem Philomena Lee
Com Judi Dench no papel central, Filomena prolonga a ligação do realizador Stephen Frears com a versátil máquina de produção da BBC — este texto integrava um dossier sobre a estreia do filme, publicado no Diário de Notícias (6 Fevereiro).

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Em Inglaterra, algumas vozes conservadoras têm atacado o filme Filomena, de Stephen Frears, considerando-o “anti-católico” — a abordagem do caso de uma mãe solteira que, na Irlanda da década de 1950, contra sua vontade, viu o filho encaminhado pelas freiras do convento em que trabalhava para uma família adoptiva seria uma condenação “global” do catolicismo.
A acusação padece de um vício televisivo — transformar o particular em “símbolo” universal — que, hoje em dia, se tornou uma praga social. No futebol, por exemplo: todas as semanas se gastam horas de televisão para argumentar que “aquele” penalty resulta de uma conjuntura cósmica montada para prejudicar alguma equipa...
Um mínimo de compaixão humana bastará para compreender que Filomena pertence a essa admirável nobreza moral que um outro cineasta europeu, Jean Renoir (1894-1979), definiu quando foi confrontado com o facto de não se entender que personagens dos seus filmes tinham “razão” — acontece que, como ele lembrou, “cada um tem as suas razões”.
Só mesmo o mais básico determinismo poderá pensar (?) que Frears está a tentar “vender” uma verdade maniqueísta. Aliás, Filomena é mesmo um filme atravessado pelo mais dramático e cristalino tema católico: a possibilidade do perdão e o que isso implica para quem perdoa e quem é perdoado.
Em Inglaterra, em todo o caso, tudo isso gerou um salutar confronto de ideias. Em Portugal, podemos ter a certeza que quando acabar o folhetim de algum árbitro “suspeito”, rapidamente será inventada outra tragédia futebolística... Sendo a tolerância um valor visceral da nossa história, isso quer dizer que até mesmo os fundamentos católicos da nossa sensibilidade estão a ser dinamitados pela mediocridade argumentativa que contamina o quotidiano. É imperdoável.