terça-feira, fevereiro 25, 2014

A história de West End Girls (2)

Continuamos a publicação (em episódios) de um longo artigo sobre a canção West End Girls, que há 30 anos assinalou o inicio da sua atividade discográfica. O texto foi originalmente publicado no suplemento Qi, do DN, som o título 'Retrato Urbano na forma de uma Canção'

West End Girls começou como um rap inspirado pelo clássico The Message de Grandmaster Flash, um dos discos pioneiros da cultura hip hop, editado em 1982. “Gostava daquela ideia da pressão de viver numa cidade moderna, e decidi fazer um rap que pudesse funcionar num sotaque inglês sobre uma música que o Chris e eu tínhamos composto no estúdio de Ray Roberts em Camden”, recorda Neil Tennant nas notas incluídas na reedição de 2001 de Please, o álbum de estreia. Neil reconhece que a música de base com a qual estavam inicialmente a trabalhar não era particularmente interessante, mas juntava a dada altura a presença de um solo de piano num Rhodes, criando uma sonoridade que na época os entusiasmava.

A ideia para este rap começou a ganhar forma numa altura em que Neil estava em casa de um primo seu, nos arredores de Nottingham. “Tínhamos ficado a ver um daqueles filmes de gangsters ao estilo dos de James Cagney na televisão e deitei-me por volta da uma da manhã. Estava a dormir no quarto de um dos filhos dele, numa cama pequena, e por alguma razão o verso “Sometimes you’re better off dead / There’s gun in your hand and it’s pointing at your head” surgiu na minha cabeça, recorda no mesmo texto. Levantou-se e escreveu aquelas palavras num pedaço de papel, juntamente com os dois versos seguintes. Pouco depois, numa noite já de regresso aos seu apartamento em King’s Road, deitou-se no chão e escreveu praticamente toda a letra, salvo o verso final. No dia seguinte, no estúdio em Camden propôs que gravassem aquele rap que tinha criado. E só a dias de viajar para Nova Iorque, onde encontraria Bobby O, escreveram um instrumental mais completo, com Neil ao piano e Chris nos restantes teclados.
A música começou a ganhar forma com uma mudança de acorde que Neil tinha imaginado há já alguns anos e à qual Chris juntou a linha de baixo. Levou a fita para casa e sentiu que podia cantar o rap que tinha escrito sob o que haviam criado e que podia cantar uma melodia no refrão e depois ter as palavras "West End Girls" sobre a linha de baixo. Escreveu então o verso final, novamente no chão do seu apartamento e pouco depois estavam a gravar uma primeira maqueta.

Mais tarde, já em estúdio, com Bobby O, com o produtor por detrás dos teclados, Neil sugeriu a Chris que fizessem “aquele rap”. E esse foi o primeiro momento em que o cantou para outros. O engenheiro de som naquela sessão Steve Jerome, tinha criado Popcorn, um dos primeiros êxitos pop criado com eletrónicas. Um dia depois Bobby O fez overdubs onde, descreve Neil Tennant, nas notas do álbum, juntou sons de batidas do Let’s Dance de David Bowie, tocando-os ao vivo num Emulator (5). E desde logo um dos sons de que mais gostaram no instrumento foi aquele em que replica a sonoridade de um coro de canto gregoriano que, sublinha Chris, os New Order já tinham usado em Blue Monday. Logo nessa sessão, acrescenta Neil, o técnico lhe disse que a sua voz era fácil de ouvir.

West End Girls surgiu assim como a primeira expressão pública do relacionamento dos dois músicos britânicos com o produtor norte-americano. Semanas depois, em junho de 1984, o single One More Chance assinalava um segundo episódio, creditado a Neil Tennant e Bobby O, uma vez que o tema cresceu de um fundo instrumental originalmente criado para Divine, com o título Rock Me.
Sem resultados visíveis, a relação de trabalho com Bobby O foi-se contudo degradando. “O problema com Bobby O não foi o contrato, mas uma relação de trabalho que não funcionou”, descreve Neil Tennant em Literally. Começaram por trabalhar num estúdio de 24 pistas mas depois estavam subitamente a trabalhar apenas com gravadores de 8 pistas no seu escritório. Iam, como diz Neil, de cavalo para burro, notando que o produtor estava a poupar dinheiro, pelo que começaram a duvidar da fé que teria no grupo, sublinhando, no livro, que nunca ganharam um tostão com a versão original de West End Girls que, acrescenta, terá atingido vendas na ordem do milhão. Quando se afastaram de Bobby O concederam-lhe esses ganhos, assim como cederam um royalty nos três primeiros álbuns que editaram pela EMI. Imaginaram assim um teto máximo de um milhão de dólares, mal imaginando contudo que seriam de facto tão bem sucedidos. “Para ser honesto acho que o Bobby O mereceu o milhão que ganhou. Dada a figura que ela ele arriscou mesmo muito por nós. Muitas outras pessoas não teriam feito nada”, defende Neil (6).

(5) Emulator – Nome dado a uma série de teclados digitais com samplers que armazenavam informação em disquettes.
(6) in Literally, de Chris Heath (Penguin, 1990), pag. 103