quarta-feira, janeiro 22, 2014

Matthew McConaughey, aqui e agora (2/2)

A performance de Matthew McConaughey em O Clube de Dallas, de Jean-Marc Vallée, é uma daquelas proezas capaz de sustentar, em termos dramáticos, todo um filme. E também de nos levar a reavaliar o trajecto de um actor — este texto foi publicado no Diário de Notícias, com o título 'O renascimento de um actor', integrando um dossier sobre o filme.

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O trabalho dos actores é tão extraordinário em O Clube de Dallas que, ao conceder-lhe a primazia em qualquer análise do filme, corro o risco de passar ao lado das suas singularidades. Na personagem de Ron Woodroof, Matthew McConaughey expõe um misto de brutalidade e candura, conseguindo dar corpo (a expressão é especialmente justa) a uma personagem em que confluem todas as convulsões, medos e paranóias da época de descoberta da sida. Por sua vez, Jared Leto surge como contraponto emocional da angústia de Ron, compondo aquele que, desde o primeiro momento, se distingue por uma visão fria e desencantada dos acontecimentos. Até mesmo o quase irreconhecível Griffin Dunne (lembram-se dele, já lá vão quase 30 anos, no Nova Iorque Fora de Horas, de Martin Scorsese?) consegue conferir particular espessura emocional à personagem do médico que, nessa altura, arriscou aplicar alguns medicamentos ainda não legalizados.
Dito isto, convém sublinhar o que, de facto, me parece essencial. A saber: a capacidade de colocar em cena o processo de muitas negações e denegações que acompanhou a revelação da doença, com a contaminação mais ou menos implícita de factores homofóbicos. Nesta perspectiva, podemos considerar que a personagem de Ron possui uma intensidade visceralmente trágica: ele é aquele que parte de uma atitude de recusa da verdade – incluindo a verdade que não pode deixar de sentir e pressentir através do seu próprio corpo –, para desembocar numa espécie de redenção afectiva e moral. Daí que O Clube de Dallas reforce a ideia de que, em Hollywood, estamos a assistir a uma metódica revalorização da grande arte clássica do retrato psicológico. Já era tempo de darmos descanso aos super-heróis e regressarmos à Terra.