quarta-feira, dezembro 31, 2014

Por um ano de corações rebeldes

Votos de um 2015 capaz de mobilizar corações, reescrevendo a sua rebeldia e as músicas que lhes pertencem — diz quem sabe.

Sting por Bruce Springsteen

A 37ª Gala de Homenagem do Kennedy Center distinguiu, este ano, cinco personalidades do mundo do espectáculo: Patricia McBride, da dança, Tom Hanks e Lily Tomlin, do cinema, e Al Green e Sting, da área musical. Transmitido na noite do dia 30 pela CBS, o espectáculo incluiu uma notável performance de Bruce Springsteen, recriando I Hung My Head, precisamente uma canção de Sting, originária do álbum Mercury Falling (1996) — aqui fica o registo.

Luise Rainer (1910 - 2014)

Nascida na Alemanha, educada na Áustria, consagrada em Hollywood, a actriz Luise Rainer faleceu no dia 30 de Dezembro, em Londres, vítima de pneumonia — contava 104 anos.
Na história dos Oscars, foi a primeira pessoa a conseguir ganhar dois prémios de interpretação (na categoria de melhor actriz) em anos consecutivos, 1937 e 1938, com o musical O Grande Ziegfeld e o drama Terra Bendita. Formada, ainda na Alemanha, por Max Reinhardt, estreou-se no cinema americano com a comédia romântica A Dama da Máscara (1935), sendo rapidamente apontada como a "nova" Greta Garbo. De facto, como ela própria veio a reconhecer, a consagração pelos Oscars acabou por criar um padrão de exigência e expectativa impossível de satisfazer. É certo que ainda participou em alguns títulos importantes, como Na Grande Cidade (1937), de Frank Borzage, foi mesmo uma das candidatas ao papel de Scarlett O'Hara em E Tudo o Vento Levou (1939), mas acabou por regressar à Europa, procurando uma carreira alternativa — fez teatro, alguma televisão, mas quase não voltou a representar depois da década de 50. Reapareceu, em 1997, num pequeno papel na produção anglo-húngara The Gambler, de Károly Makk. Em 2010, ano do seu centenário, foi homenageada pelo British Film Institute, com uma retrospectiva no National Film Theater.

>>> Na época em que Luise Rainer foi premiada pela Academia de Hollywood, a entrega de alguns Oscars era filmada, a posteriori, de acordo com a lógica de um verdadeiro filme — eis as takes de Rainer, recebendo o prémio de melhor actriz por O Grande Ziegfeld.


>>> Obituário no New York Times.

terça-feira, dezembro 30, 2014

A tradição segundo Shakey Graves

Bela capa, misteriosa... A música de Shakey Graves é assim mesmo: enraizada numa tradição em que se pressentem as pulsações da mais primitiva americana, ao mesmo tempo derivando para uma crueza de country-rock, à beira de uma depurada abstracção. Ele é, aliás, uma figura dada a transfigurações: de seu nome verdadeiro Alejandro Rose-Garcia, tem cumprido uma carreira relativamente discreta como actor (vimo-lo, por exemplo em Sin City: Mulher Fatal), ao mesmo tempo consolidando uma identidade musical em que a sua peculiar maneira de lidar com a guitarra está longe de ser secundária. And the War Came é o seu álbum de estreia, aqui apresentado num concerto na rádio KEXP, de Seattle — e não deixa de ser impressionante que tão denso noise seja gerado apenas por um guitarrista e um baterista (o excelente Chris Boosahda, também colaborador de Rose-Garcia na produção).

Turner por Leigh

Nome fulcral do realismo britânico, Mike Leigh afasta-se dos cenários do presente, retratando o pintor J. M. W. Turner (1775-1851) em Mr. Turner — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Dezembro), com o título 'Realismo ou talvez não'.

No panorama moderno do realismo britânico, talvez possamos detectar três “tendências”, inerentes às especificidades de outros tantos realizadores. Assim, começamos por ter Ken Loach (autor de clássicos como Kes ou Vida em Família) como símbolo de uma austeridade formal que se confunde com todo um programa de intervenção política; depois, surge Stephen Frears (A Minha Bela Lavandaria, Ligações Perigosas), por assim dizer no pólo oposto, como aquele que, sem preconceitos, tem oscilado entre a produção local e o envolvimento com Hollywood; enfim, o caso de Mike Leigh talvez se possa definir como o de um retratista do quotidiano sempre atraído pelos faustos dos filmes de “reconstituição” histórica.
Mr. Turner, justamente, é um exemplo dessa derivação de produção. E se é verdade que estamos perante uma expressão modelar dos recursos da indústria britânica — sendo o trabalho do directo de fotografia Dick Pope a sua expressão mais sofisticada —, não é menos verdade que os resultados globais parecem acomodar-se num certo academismo “descritivo” cuja lógica se aproxima do determinismo psicológico de alguns modelos televisivos.
É, talvez, um pouco cruel penalizar Mr. Turner por esse academismo. Afinal de contas, numa paisagem cinematográfica em que a gíria (cinéfila & jornalística) reduz a especificidade técnica do cinema aos efeitos especiais com que os “super-heróis” fazem explodir este mundo e o outro, é um facto que o trabalho de Mike Leigh procura, pelo menos, reactivar outros caminhos. O certo é que também não podemos esquecer a energia de muitos dos seus filmes anteriores, nomeadamente os recentes Um Dia de Cada Vez (2008), uma comédia, ou Um Ano Mais (2010), em tom melodramático — na sua “pequenez” de produção, há, afinal, mais emoção e mais verdade humana.

As canções de 2014: David Bowie



Um ano depois de um regresso que calou dez anos de ausência, David Bowie trouxe a 2014 um par de inéditos que lançou no formato de single, um deles apresentando-se como faixa de abertura de uma antologia que assinalou os 50 anos de atividade discográfica do músico. Sue (Or In a Season of Crime) assinalou uma experiência em terrenos novos, revelando, num trabalho conjunto com a orquestra de Maria Schneider, uma incursão (bem interessante) pelos domínios do jazz.

As imagens de 2014:
o Museu do Brinquedo (quase fechou)


Chegou a ter data de encerramento marcada, mas acabou por ser "salvo". O Museu do Brinquedo, que exibe uma enorme e magnífica coleção que passa por várias épocas e objetos, mora num edifício próximo do Palácio da Vila, em Sintra. Se tivesse fechado as portas faria um silêncio injutsto sobre as memórias e histórias que passam pelas coleções. Uma melhor museografia não deixa contudo de ser um possível tema de reflexão para aquela (magnífica) casa que, afinal, continua viva.

O melhor de 2014, segundo Isilda Sanches

Além das nossas continuamos a publicar também as listas de alguns amigos convidados. Hoje é vez da Isilda Sanches (Oxigénio) nos dar o seu retrato do ano na música. Um muito obrigado à Isilda pela colaboração.

Álbuns internacionais (ordem alfabética)

Actress "Ghettoville"
Andras Fox "Vibrate On Silent"
Art Wilson "Overworld"
Cooly G "Wait Til Night"
Dangelo "Black Messiah"
Flying Lotus "You're Dead"
Fumaça Preta "Fumaça Preta"
Moodymann "Moodymann"
Shabazz Palaces "Lese Majesty"
Silk Rhodes "Silk Rhodes"


Canções/Temas 

1 DJ Lycox "O Tempo da Vida"
2 Solar Shield "Reesis"
3 House of Spirits “Holdin On” (remix Peaking Lights)
4 Banks "Waiting Game"
5 Omar S "Frogs"
6 Moodymann "Lyke u use 2"
7 Capicua "Vayorken"
8 Jamie XX "All Under One Roof Raving"
9 FKA Twigs "2 Weeks"
10 Far Out Monster Disco Orchestra "Don't Cha Know He's Allright"


Produção nacional

Atropelando as considerações gerais sobre um ano que não parece ter sido bom para (quase) ninguém, passa-se directamente à música. Pelo menos nesse capiíulo continuamos em contra corrente.

2014 foi um ano em que a editora Príncipe Discos continuou a explorar a musica que nasce nos subúrbios de Lisboa a partir de raízes em África (destaque para o maravilhoso "Tá Tipo Já Não Vamos Morrer", Ep de Tia Maria Produções, mas também para a internacionalização dos Djs Marfox e Nigga Fox, no caso de Marfox também pela edição do ep "Terra Batida" na nova-iorquina Lit City Trax e pela remistura para Tune Yards). Ainda com fortes ligações a Africa, 2014 foi o ano da confirmação de Batida com o álbum "2" na Soundway Records e colaborações com gente como Spoek Mathambo (África do Sul) e Dj Satélite (Angola) ou a remistura para “Heavy Seas Of Love” de Damon Albarn. África também no coração de Rocky Marsiano em "Meu Kamba", construído a partir dos discos dos Palop da colecção de Rui Miguel Abreu. 

Capicua encabeça a lista do girl power e sacode as estruturas do hip hop em português com "Sereia Louca". Fora da caixa Corona e o seu "Lo Fi Hipster Sheat", hip hop sujo com sotaque nortenho, humor corrosivo e excedente de street cred, além de beats exploratórios. No hip hop, destaque ainda para Kilu ("Frequência"), Bling Projekt & Beware Jack ("A Memória do Futuro") e o regresso de Allen Halloween. Por fim "Bombas Em Bombos" de Stereossauro, marcou a estreia em álbum de um dos produtores portugueses mais activos e ousados. Ainda perto do hip hop mas cada vez mais dentro da soul, NBC merece nota + em 2014 sobretudo pela conquista do público em espectáculos ao vivo.

Na parte da música de dança/electrónica assinala-se a estreia em Portugal da Tink Music, editora que tem sede e anos de história em Amesterdão e agora também uma delegação em Lisboa que se destaca pela edição, em 2014, do ep "Without Your Love" de Daino e pela colaboração de Kaspar com Thunder & Co no certeiro "Do it".Tiago (Miranda) continuou do lado certo da força, não apenas pelos lançamentos na sua editora Interzona 13, incluindo um excitante ep de Black /Nelson Gomes (Gala Drop), mas também pela edição do álbum "Emotional Poverty" na Noisendo. Miguel Torga e o seu “Hexágono Amoroso” também fizeram diferença pela combinação de pulso, intelecto e ironia em formato techno house. 2014 também foi um bom ano para a família One Eyed Jacks dos Photonz pelo lançamento de "Osiris Ressurected" (Photonz) e pela remistura/versão de Violet para "Una Fiesta Diferente" de Matias Aguayo incluída em "The Visitor Covers"com selo da Comeme. Já De Los Miedos/ Sebastião Delerue juntou-se ao grupo de Djs e produtores do mundo inteiro que se interessam pela exotismo retro em geral e pela música turca do passado em particular e editou “Edits vol1” na sua editora Ostra discos, conseguindo com isso merecida projeção internacional.

"Oito" dos Sensible Soccers foi claramente um dos discos que melhor se esquivou aos rótulos para afirmar um território próprio, tal como "How Can We Be Joyful In A World Full of Knowledge" de Bruno Pernadas. Destaque inevitável para a nova encarnação de Gala Drop em "II", e nota final para um cdr (“506”) de aspirações cósmicas dos Niagara que induz à autorreflexão e tem consideráveis virtudes pacificadoras (o que é sempre recomendável em tempos difíceis como estes). Não foi nada mau.

segunda-feira, dezembro 29, 2014

Os melhores filmes de 2014 (N.G.)


Já o tinha visto em 2013, integrado então no programa de um festival de cinema. Mas mesmo assim não houve competição possível para o mais recente filme de Jim Jarmusch, a mais inventiva abordagem dos últimos tempos ao universo temático das “histórias com vampiros”, procurando olhar para pontos de vista diferentes. Ao colocar a narrativa entre Detroit (mostrada como cidade moribunda) e Tânger e, chamando nomes como os de Tilda Swinton ou John Hurt ao elenco, Jarmusch dá-nos acima de tudo uma narrativa noturna de almas diferentes. Marginais, de certa maneira, um dos protagonistas tendo na sua relação com a música a razão de existir ao longo dos séculos, a galeria de figuras que conheceram tendo-os alimentado sobretudo de ideias. O melhor do ano inclui ainda a mais interessante produção de ficção científica desde o Moon de Duncan Jones, confiormando em Jonathan Glazer um talento que alguns dos seus telediscos já sugeriam e, em Scarlett Johansson, uma atriz de versatilidade bem maior que muito do cinema para o qual a chamam por vezes não explora. Mais um belíssimo filme de Kelly Reichartd, uma surpresa vinda da Polónia (em Ida), com um olhar diferente sobre ecos de uma época que o cinema já visitou tantas vezes e esse espantoso exemplo de grande escrita, direção de fotografia e interpretação que se revela em Nebraska completam o lote de topo das escolhas do ano. Há ainda um filme de cortante (mas luminosa e esperançosa) atualidade pelos irmãos Dardenne, uma história de solidão (e luta) com apenas um ator (Robert Redford, em Quando Tudo Está Perdido), uma confirmação do talento de Xavier Dolan, mais um belíssimo olhar sobre a identidade de género chegado da América Latina e um novo exemplo de narrativa suportada por um rigoroso trabalho visual via Wes Anderson. Do melhor do ano podíamos referir ainda o filme sobre Nick Cave que esbate a fronteira entre o documentário e a ficção, o olhar sobre o crescimento/envelhecimento de uma família segundo Linklater, um dos melhores filmes de Scorsese nos últimos anos com o melhor papel de DiCaprio ao seu serviço, a prequela de Heimat, o assombroso Ilo Ilo ou magníficos documentários em O Acto de Matar e A Imagem Que Falta.

1. Apenas os Amantes Sobrevivem, de Jim Jarmusch
2. Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer
3. Night Moves, de Kelly Reichardt
4. Ida, de Pawel Pawlikowski
5. Nebraska, de Alexandre Payne
6. Dois Dias, uma Noite, de Jean-Pierre e Luc Dardenne
7. Quando Tudo Está Perdido, de J.C. Chandor
8. Tom na Quinta, de Xavier Dolan
9. Pelo Malo, de Mariana Rondón
10. Grand Hotel Budapest, de Wes Anderson




Festivais / sessões especiais

Como sempre as programações dos festivais abrem espaço a outras cinematografias e a muitos títulos que (muitas vezes) esgotam ali a sua presença em sala entre nós. Sendo certo que entre o lote de filmes da lista que se segue há pelo menos um com estreia já certa entre nós (o de Bruno Dumont) e um outro teve uma breve vida em sala em sessões especiais (o de David Lynch), muitos dos títulos que aqui recordo foram experiências “festivaleiras” que é pena que não possam ser partilhadas por mais plateias. Talvez seja ainda cedo para dar como encerrado o ciclo “em sala” de muitos destes filmes, mas poucos destes títulos teráo hipótese de regressar a um grande ecrã perto de nós. Se se compreende que Will You Dance With Me?, de Derek Jarman, estreado no London Flare este ano, seja sobretudo uma peça de aquivo que assim tem oportunidade de ser vista, já o belíssimo Stand Clear of The Closing Dorrs (passou no Indie), a história de um autista que se perde durante dias no metro no Nova Iorque, merecia mais. E foi mesmo um dos grandes filmes do ano.

1. Stand Clear of The Closing Doors, de Sam Fleischner
2. Will You Dance With Me, de Derek Jarman
3. P’tit Quinquin, de Bruno Dumont
4. Duran Duran Unstaged, de David Lynch
5. Lilting, de Hong Khao
6. Rosie, de Marcel Gisler
7. Angels of Revolution, de Aleksey Fedorchenko
8. American Vagabond, de Susanna Helke
9. Kidergarten Teacher, de Nadav Lapid
10. Mouton, de Gilles Deroo e Marianne Pistone



DVD / Blu-ray

Nunca houve tantos lançamentos em DVD de títulos “clássicos” entre nós. Porém, com o Blu-ray a chamar hoje a si a fatia mais gourmet da atenção de quem compõe lançamentos de home vídeo, muitos destes títulos trazem pouco mais que o próprio filme. Os “extras” são coisa que não parece ter mais o mesmo valor de marketing de outrora (pelo menos no DVD). Mesmo assim a mais interessante das edições do ano foi a que, resultado de um programa de restauro do BFI, nos devolveu o belíssimo documentário The Epic Of Everest, relato (em 1924) de uma missão histórica ao pico mais alto do mundo nos anos 20. Com imagem restaurada e uma banda sonora alternativa criada por Simon Fischer Turner, o filme surgiu numa dual edition – ou seja, juntando um DVD e um Blu-ray – tanto avulso como num pack recuperando o documentário The Great White Silence (também de 1924) sobre a missão do Capitão Scott ao Pólo Sul, que em 2011 tinha sido alvo de um processo de restauro e reedição semelhante.

1. The Epic Of Everest, de J.B.L. Noel
2. A Oeste nada de Novo, de Lewis Milestone
3. Coleção Jarmusch, de Jim Jarmusch
4. Biophilia Live, de Nick Fenton e Peter Strickland
5. Série Bergman, de Ingmar Bergman
6. House of Cards (Season 2), de Beau Willimon
7. Asfalto Quente, de Steven Spielberg
8. Charada, de Stanley Donen
9. Monty Python Live Mostly, de Aubrey Powell
10. Visitors, de Godfrey Reggio



Bandas sonoras


Com cada vez menos visibilidade nas prateleiras das lojas de discos, as boas bandas sonoras – as medíocres, essas nunca faltam – são peças importantes para contar as histórias do melhor cinema de cada ano que passa. E em 2014 o melhor disco com música criada para o cinema foi o que juntou o coletivo Sqürl (onde toca o próprio Jim Jarmusch) ao compositor Jozef van Wissim, com a música de Apenas os Amantes Sobrevivem, afinal de contas uma peça fulcral num filme que tem um músico como um dos protagonistas e os discos, as guitarras e até mesmo um clube de rock como espaços que cativam a atenção da câmara. Nota ainda para a confirmação do (brilhante) entendimento entre David Fincher e a dupla Trent Reznor / Atticus Ross no terceiro filme que fazem juntos. E uma outra referencia ainda ao belíssimo trabalho de composição ao serviço de Debaixo da Pele de Jonathan Glazer, num daqueles claros exemplos de como a música pode por vezes ajudar a “falar” quando as palavras pouco dizem e há todo um mundo de sugestões a definir.

1. Only Lovers Left Alive, Sqürl + Jozef van Wisse
2. Gone Girl, Trent Reznor + Atticus Ross
3. Under The Skin, Mica Levy
4. The Epic Of Everest, Simon Fischer Turner
5. Night Moves, Jeff Grace
6. The Congress, Max Richter
7. Eastern Boys, Arnaud Rebotini
8. Palo Alto, Vários artistas
9. Possibilities Are Endless, Edwyn Collins + Sebastian Lewsley
10. Frank, Vários artistas

O melhor de 2014, segundo Nuno Carvalho

Além das nossas continuamos a publicar também as listas de alguns amigos convidados. Hoje é vez do Nuno Carvalho (DN) nos dar o seu retrato do ano em filmes. Um muito obrigado ao Nuno pela colaboração.

O mais interessante cinema que se fez em 2014 veio, de certa maneira, das margens (ou é um cinema “à margem, de certa maneira”). Um top 10 que este ano poderia ser um top 15 (ou um top 10 + 5). Por isso, merecem também uma menção títulos como Ilo Ilo, de Anthony Chen, Água Prateada – Um Autorretrato da Síria, de Wiam Bedirxan e Ossama Mohammed, Quando Tudo Está Perdido, de J.C. Chandor, Dois Dias, Uma Noite, de Jean-Pierre e Luc Dardenne, ou Mapas para as Estrelas, de David Cronenberg.

1) Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer
2) Só os Amantes Sobrevivem, de Jim Jarmusch
3) Nebraska, de Alexander Payne
4) Stand Clear of the Closing Doors, de Sam Fleischner
5) Eastern Boys, de Robin Campillo
6) Night Moves, de Kelly Reichardt
7) Mãe e Filho, de Calin Peter Netzer
8) Ruína Azul, de Jeremy Saulnier
9) O Senhor Babadook, de Jennifer Kent
10) Grand Budapest Hotel, de Wes Anderson

domingo, dezembro 28, 2014

5 x Mike Nichols (4)


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Parece uma fotografia de rodagem de um filme. Mas não: com o seu boné característico e os seus apontamentos, o assistente faz parte do próprio filme — em Recordações de Hollywood (1990), Mike Nichols filmou, literalmente, os bastidores do cinema americano, mesclando frieza e sarcasmo. No original Postcards from the Edge, o filme baseia-se, afinal, num testemunho mais ou menos autobiográfico de Carrie Fisher (a princesa Leia de A Guerra das Estrelas), evocando as suas relações, nem sempre muito pacíficas, com a mãe, Debbie Reynolds. No filme, mãe e filha são interpretadas por Shirley MacLaine e Meryl Streep, respectivamente, num duelo admirável que, a certa altura, envolve um número musical de (re)afirmação da personagem da mãe. O olhar de Nichols sobre tudo isso tem, como sempre, uma implacável crueza — e também a humanidade que daí decorre.

Ambrose Akinmusire: em nome do jazz

Com chancela da Blue Note, este é, por certo, um dos melhores álbuns de jazz editados ao longo de 2014: The Imagined Savior is Far Easier to Paint, terceiro registo do trompetista americano Ambrose Akinmusire (n. 1982), possui o primitivismo austero de uma atitude assumida em nome da riquíssima herança do post-bop; ao mesmo tempo, há em Akinmusire (vencedor da Thelonious Monk International Jazz Competition, em 2007) uma marca pessoal que lhe confere uma irredutível sofisticação poética. Eis um registo, ao vivo, do quinteto de Akinmusire no festival 'Like a jazz machine' (2014) — proveniente do canal Mezzo, inclui vários temas do álbum editado este ano.

"The Killing" ou o espelho da televisão

A série The Killing passou da Dinamarca para os EUA, mantendo o mesmo perturbante desencanto moral — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Dezembro), com o título 'A crise da bondade'.

A série policial The Killing (Fox Crime) ilustra uma dupla e curiosa tendência dos actuais tempos televisivos. Por um lado, trata-se da versão americana de uma série dinamarquesa (título original: Forbrydelsen), integrando esse fenómeno transversal de popularidade — literária, cinematográfica, televisiva — de alguns produtos que, em anos recentes, têm surgido dos países escandinavos; por outro lado, o seu desenvolvimento acabou por envolver a cada vez mais importante e poderosa plataforma Netflix (na origem de House of Cards, por exemplo), que assumiu a produção da quarta temporada depois da desistência do canal AMC (o mesmo de Mad Men, Breaking Bad e The Walking Dead).
De acordo com uma lógica muito “hitchcockiana”, os episódios da quarta temporada surgiram marcados por uma densa teia de inocências e culpas. Assim, a investigação do assassinato de uma família, conduzida pelos detectives Sarah Linden (Mireille Enos) e Stephen Holder (Joel Kinnaman), acabará por se enredar com as suas responsabilidades na morte de James Skinner (Elias Koteas), tema com que encerrou a temporada anterior.
Muito mais do que o tradicional dispositivo dramático deste modelo de narrativas (“quem, como, onde”), o que faz funcionar The Killing é a insidiosa sensação de que nenhuma personagem se esgota na ordem social ou moral que, conscientemente ou não, representa — nesta perspectiva, afigura-se especialmente importante a estranha ambivalência da personagem de Margaret Rayne, a mulher que dirige uma academia militar para rapazes, interpretada por Joan Allen, por certo uma das maiores, e também mais subaproveitadas, actrizes do cinema americano contemporâneo.
Tanto na versão dinamarquesa, como nesta reconversão “made in USA”, The Killing reflecte um desencanto moral que, obviamente, transcende a sua inserção geográfica ou cultural. Em particular nas personagens de Sarah e Stephen, há um pragmatismo cruel que, em última instância, nos faz duvidar de todas as formas de bondade — não é simpático reconhecê-lo, mas eles são um espelho das crises do nosso imaginário.

sábado, dezembro 27, 2014

Deptford Goth, opus 2

Foi um dos mais interessantes "marginais" de 2013, com o álbum de estreia, Life after Defo: Deptford Goth — nome artístico do londrino Daniel Woolhouse — é um explorador de paisagens intimistas e electrónicas, na procura obstinada e, afinal, muito clássica de canções. Justamente: Songs é o título do seu segundo registo, continuando a percorrer uma via em que a austeridade instrumental se adequa, serenamente, à elaborada contenção da voz. Minimalismo, eis a sedutora palavra de ordem — este é o teledisco de Two Hearts, com realização de Aneil Karia e Daniel Woolhouse.

A Europa contra o cinema europeu

O filme polaco Ida foi consagrado nos Prémios do Cinema Europeu, mas qualquer blockbuster americano, "bom" ou "mau", continua a ter mais privilégios noticiosos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Dezembro).

A história de Ida, filme polaco de Pawel Pawlikowski, cuja acção decorre em 1962, envolve perturbantes memórias da Segunda Guerra Mundial. Para a personagem central (Ana), a revelação do seu verdadeiro nome (Ida) desencadeia um processo de descoberta das suas raízes judaicas que corresponde também a um dramático acerto de contas familiares, religiosas e morais.
Candidato pela Polónia ao Oscar de melhor filme estrangeiro, já estreado em Portugal (recentemente editado em DVD), Ida conseguiu no passado dia 13 uma proeza assinalável: nos Prémios do Cinema Europeu, realizados em Riga, capital da Letónia, foi consagrado como o filme europeu de 2014, recebendo ainda distinções [estatueta] nas categorias de realização, argumento e fotografia (além do prémio do público).
Poderá perguntar-se que eco tais prémios encontraram no espaço mediático? Não se trata, entenda-se, de colocar a questão em termos meramente portugueses. A pergunta é igualmente pertinente em todo um contexto europeu em que, por princípio, tudo o que é blockbuster americano consegue uma visibilidade informativa automática (em especial nas televisões), ao mesmo tempo que até mesmo os eventos simbolicamente mais importantes da produção europeia são secundarizados ou mesmo ignorados.
Tendo em conta que o evento há muito atingiu a sua maturidade — esta foi a 27ª edição dos prémios da Academia de Cinema Europeu —, importa também não escamotear o facto de a respectiva divulgação oficial continuar a ser sustentada por um marketing discreto e pouco apelativo. Observe-se, por contraste, o magnífico trabalho de divulgação e promoção que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood desenvolve (há anos!) para dar a conhecer o seu museu, cuja abertura está agendada para... 2017!
A própria noção de “cinema europeu” continua a ser um factor fraco junto de muitos espectadores que, há que dizê-lo também com todas as letras, mantêm, conscientemente ou não, um discurso de banal preconceito em relação à produção cinematográfica do seu próprio continente.
Aliás, não nos fiquemos pelas formas de tratamento do evento: teria sido simpático que, por essa Europa fora, muitos canais generalistas dedicassem os seus horários nobres a tratar dos Prémios do Cinema Europeu, mas semelhante opção não funcionaria como solução mágica para o que quer que fosse. Desde logo porque nada disso corrigiria automaticamente duas limitações fulcrais: primeiro, a secundarização do cinema (sobretudo europeu) nas televisões generalistas; depois, a raridade de políticas culturais e educativas que favoreçam o conhecimento e o gosto do cinema a partir dos primeiros tempos de escolaridade.
Escusado será dizer que nada disto pode ser transformado através de campanhas piedosas (“veja cinema europeu porque é o nosso cinema...”). Acontece que, na prática, a simples existência de filmes tão belos e intensos como Ida continua a ser ignorada por milhões de espectadores europeus.

Três memórias de Joe Cocker (1)

São dois documentos unidos por um arco temporal de 33 anos:
— em cima, a capa do primeiro álbum de estúdio de Joe Cocker, o respectivo título retomava o de uma canção dos Beatles que o disco integrava, With a Little Help from My Friends, lançado a 23 de Abril de 1969 (ainda no mesmo ano, a 17 de Agosto, Cocker entraria na eternidade do rock com a interpretação dessa mesma canção no palco de Woodstock);
— em baixo, a 3 de Junho de 2002, Cocker participava no concerto de comemoração do Jubileu Dourado da Rainha Isabel II, interpretando, again and again, a emblemática canção de Lennon e McCartney, desta vez contando com a companhia de Bryan May (guitarra) e Phil Collins (bateria).
Perante a notícia do falecimento de tão singular intérprete, a 22 de Dezembro, contava 70 anos [BBC], seria injusto reduzi-lo a uma canção, mas é um facto que nada na sua biografia — tanto em termos históricos, como no registo lendário — pode ser separado destas palavras mágicas: Lend me your ears and I'll sing you a song / And I'll try not to sing out of key...

O psicodrama segundo Xavier Dolan (2/2)

Chegou às salas Mommy, o filme que valeu a Xavier Dolan o Prémio do Júri de Cannes: um título para (re)descobrirmos um jovem e singular criador — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Dezembro), com o título 'Os corpos e o seu realismo'.

[ 1 ]

Quando nos sentimos tocados por um filme, gostamos de partilhar com os outros aquilo que, precisamente, nele mobilizou as nossas emoções e pensamentos. Mas, por vezes, ficamos também limitados por um sentimento de prudência, porventura de pudor. Até onde “revelar” aquilo que, afinal, os outros têm o direito de descobrir no primeiro grau, sem qualquer informação prévia? Digamos que é um pouco como quando revemos A Leste do Paraíso (1955), de Elia Kazan, e deparamos com o genial aproveitamento da largura do CinemaScope, apetecendo sublinhar: reparem como Kazan filma James Dean, tirando o máximo partido de um formato que, na altura, era uma novidade.
Assim, gostaria de falar ao leitor do modo como Xavier Dolan concebe, não apenas as imagens do seu filme Mamã mas também, precisamente, o modo como trata o respectivo formato... Ao mesmo tempo, sinto que se for demasiado explícito, estarei a roubar-lhe a possibilidade de ver/sentir a proposta de Dolan, não em função da tal informação prévia, mas apenas através do filme.
Direi, então, que não se trata de uma questão banalmente formal, muito menos formalista. Nada disso: no cinema de Dolan — e, em particular, neste belíssimo Mamã — todos os elementos figurativos, cénicos ou simbólicos são importantes para a relação que ele estabelece com as personagens e, por extensão, com o labor específico dos actores. Neste inusitado triângulo amistoso — a mãe, o filho e a vizinha —, tudo acontece à flor da pele, revalorizando um realismo dos corpos que, convenhamos, não é a lei dominante no cinema mais poderoso (povoado de “super-heróis” com corpos mais ou menos mecanizados) nem na televisão mais corrente (esgotada em formatos de patético determinismo psicológico). Dolan é um paciente e subtil agrimensor dos afectos.

sexta-feira, dezembro 26, 2014

Udo Jürgens (1934 - 2014)

O cantor austríaco Udo Jürgens, célebre pela sua vitória no Festival da Eurovisão de 1966, faleceu no dia 21 de Dezembro em Münsterlingen, Suíça, vitimado por um ataque cardíaco — contava 80 anos.
Em 1961, Jürgens era já um compositor de projecção internacional, nomeadamente através de Reach for the Stars, que valeu a Shirley Bassey um primeiro lugar no top britânico. Seria, no entanto, o Festival da Eurovisão a conferir-lhe a dimensão de estrela pop, tendo representado a Áustria em três anos consecutivos: Warum nur warum? valeu-lhe o sexto lugar em 1964; com Sag ihr, ich lass sie grüßen chegaria ao quarto lugar em 1965; finalmente, em 1966, venceu com Merci, Chérie [video], cantado em alemão, apesar do título francês (foi o ano em que Portugal esteve representado por Madalena Iglésias, com Ele e Ela). Compôs centenas de canções, algumas delas recriadas por intérpretes de língua inglesa, incluindo Bing Crosby e Sammy Davis Jr.; um dos seus maiores sucessos foi Buenos Días, Argentina, tema da selecção de futebol alemã no Mundial de 1978 — ao longo da sua carreira de mais de meio século, vendeu mais de 100 milhões de discos.


>>> Obituário no New York Times.
>>> Site oficial de Udo Jürgens [alemão].

A Síria através de outras imagens

Como dar a ver a distância entre o que se filma e o lugar a partir do qual se organiza o material filmado? É esse o drama nuclear de Água Prateada - Um Auto-Retrato da Síria — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Dezembro), com o título 'À procura de outras imagens da guerra na Síria'.

É sempre compensador deparar com um filme como Água Prateada – Um Auto-Retrato da Síria, de Ossama Mohammed e Wiam Bedirxan, capaz de resistir aos automatismos narrativos e simbólicos de muita informação televisiva. Porquê? Precisamente porque, não poucas vezes, essa informação se dispensa de reflectir sobre o que significa recolher e dar a ver imagens (e sons) de lugares mais ou menos distantes. Nela se escamoteia, afinal, o drama narrativo, de uma só vez ético e estético, que emerge entre o “aqui” em que nos situamos e o “algures” que damos a ver — drama, convém lembrar, enunciado de modo exemplar, por Jean-Luc Godard (no período em que colaborou com Jean-Pierre Gorin) através do filme que se intitula, justamente, Ici et Ailleurs (1976).
O menos que se pode dizer de Água Prateada é que nasce dessa mesma dicotomia, vivida pelos dois realizadores: por um lado, Ossama Mohammed, exilado em Paris; por outro lado, Wiam Bedirxan, uma professora primária de origem curda, da cidade de Homs, que aí viveu e filmou a extrema violência do confronto das forças de oposição com as tropas do presidente Bashar al-Assad.
Os dois começaram a dialogar num chat da Internet. Como Mohammed recorda na sua nota de apresentação do filme, Bedirxan perguntou-lhe, a certa altura: “Se a sua câmara estivesse aqui, em Homs, o que estaria a filmar?” Daí nasceu um singularíssimo projecto de produção: primeiro, ela começou a recolher registos da desesperada situação em Homs, a maior parte deles obtidos por cidadãos anónimos através de telemóveis e postos a circular na Internet (Mohammed acredita que algumas cenas de atrocidades terão sido registadas por membros das forças de segurança do governo); depois, ele, em Paris, à medida que recebia os materiais, ia trabalhando na sua organização e montagem.
Na prática, Bedirxan só conseguiu sair de Homs depois do projecto concluído, de tal modo que o primeiro encontro dos dois realizadores aconteceu apenas durante o Festival de Cannes (16 de Maio), quando da apresentação, em sessão especial da selecção oficial, de Água Prateada (o título inspira-se no significado, em curdo, do nome da realizadora).
Há no filme uma energia humanista que se enraíza na secura informativa das imagens, por vezes muito perturbantes. Ao mesmo tempo, tal energia surge limitada por uma redundância simbólica que tem a sua principal expressão na longa sequência em que a câmara acompanha uma criança pelos escombros de Homs — a certa altura, a criança é mesmo encenada no lugar convencional do repórter que, numa espécie de caução descritiva, aponta a dedo aquilo que a câmara regista. Daí o balanço paradoxal: apesar do seu inequívoco valor de testemunho, Água Prateada é também um objecto que não consegue encontrar respostas consistentes para os problemas de linguagem que suscita.

Billie Whitelaw (1932 - 2014)

Actriz de teatro, cinema e televisão, a inglesa Billie Whitelaw faleceu no dia 21 de Dezembro, em Londres — contava 82 anos.
Para a história da arte de representar, Whitelaw ficará, sobretudo, como a musa de Samuel Beckett que a dirigiu em várias das suas peças (tendo mesmo trabalhado com ela o texto de algumas delas, à medida que ia escrevendo): Happy Days, Not I [video da BBC 2] e Rockaby são alguns exemplos de uma colaboração que definiu Whitelaw como senhora de uma vivência descarnada do texto, evocando todas as convulsões do ser humano, mas em relação a elas mantendo uma austera distância formal.
Foi vista como uma estrela emergente do cinema inglês dos anos 60 mas, de facto, nunca se impôs como tal. O que não a impediu de, ao longo das décadas, construir uma galeria de invulgares composições, em títulos como Charie Bubbles/Um Homem e a sua História (1967), de e com Albert Finney, Leo the Last (1970), de John Boorman, Frenzy/Perigo na Noite (1972), de Alfred Hitchcock, O Génio do Mal (1976), de Richard Donner, Maurice (1987), de James Ivory, ou Os Irmãos Kray (1990), de Peter Medak — este porventura o seu papel mais conhecido, assumindo a figura da mãe de Ronald e Reggie Kray, que dominaram o submundo do crime na década de 60, em Londres. Mantendo uma presença regular em produções televisivas, publicou a autobiografia ...Who He?, em 1996.


>>> Obituário na BBC.

quinta-feira, dezembro 25, 2014

Basquetebol ou talvez não...

Promover um produto de consumo através de uma encenação mais ou menos artificiosa, deslocando-o do seu contexto normal de utilização, é uma velha arte publicitária. Em todo o caso, não haverá muitos exemplos tão eficazes como este, protagonizado por Blake Griffin, basquetebolista americano da NBA, a jogar nos Los Angeles Clippers. O que se promove não é basquetebol... e o contexto em que se promove é, em tudo e por tudo, estranho ao próprio produto — mas a ironia dos contrastes funciona lindamente.

A IMAGEM: Mert Alas & Marcus Piggott, 2014

MERT ALAS & MARCUS PIGGOTT
Julia Roberts / Givenchy (Primavera/Verão, 2015)
2014

O psicodrama segundo Xavier Dolan (1/2)

Anne Dorval
Chegou às salas Mommy, o filme que valeu a Xavier Dolan o Prémio do Júri de Cannes: um título para (re)descobrirmos um jovem e singular criador — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Dezembro), com o título 'Xavier Dolan reinventa as leis do melodrama'.

Perante o impacto da obra de Xavier Dolan, cineasta canadiano nascido em Montreal a 20 de Março de 1989, apetece reescrever um velho adágio sobre os méritos profissionais da antiguidade, proclamando agora: a juventude não é um posto... O mínimo que se pode dizer de Dolan é que ninguém ficará indiferente ao facto de, apenas com 25 anos, ele ter realizado um filme como Mamã, colocando em cena de forma tão dramática, e também tão irónica, os eternos conflitos de gerações.
O filme valeu mesmo a Dolan um dos prémios mais saborosos de uma carreira curta, mas já pontuada por diversas distinções. Assim, no passado mês de Maio, no Festival de Cannes, Mamã recebeu o Prémio do Júri, ex-aequo com o mais recente trabalho de Jean-Luc Godard, Adeus à Linguagem (que chegará às salas portuguesas a 8 de Janeiro). Presidido pela cineasta neozelandesa Jane Campion, o júri aproximava, assim, num mesmo gesto de reconhecimento e consagração, o mais jovem e o mais veterano dos autores presentes no certame (Godard completou 84 anos no dia 3 de Dezembro).
Aliás, importa esclarecer que não se estava perante a revelação de um novo cineasta. Nada disso: Dolan assinou a sua primeira longa-metragem, Como Matei a Minha Mãe, em 2009, portanto com 20 anos. Depois disso, já realizou mais três títulos: Amores Imaginários (2010), Laurence para Sempre (2012) e Tom na Quinta (2013), em todas assumindo também as responsabilidades de escrita de argumento, em três deles interpretando também uma das personagens principais (a excepção é Laurence para Sempre, protagonizado por Melvil Poupaud).
No caso de Mamã, o nome de Dolan também não aparece na ficha dos actores. É Antoine Olivier Pilon, de 17 anos (tinha 16 durante a rodagem), que surge na linha da frente, assumindo a personagem quase burlesca, mas marcada por muitas componentes dramáticas, de Steve Després, um rapaz com evidentes problemas de integração familiar e social, não poucas vezes derivando para comportamentos violentos. No núcleo do filme está, precisamente, a relação com a mãe, Diane Després (Anne Dorval), viúva, com crescentes dificuldades para lidar com o filho, ao mesmo tempo que tenta manter o equilíbrio financeiro do lar.
Estão reunidas, assim, as componentes necessárias (e mais que suficientes...) para um psicodrama com tanto de intimista como de perturbante. E talvez se possa dizer que, até certo ponto, o filme é isso mesmo, encenando as atribulações de uma paisagem afectiva marcada por muitos momentos de convulsão e, aqui e ali, breves fogachos de apaziguamento e intensa ternura. De qualquer modo, e de acordo com uma lógica muito enraizada nas narrativas de Dolan, tudo pode mudar com a emergência de uma personagem inesperada. Neste caso, é Kyla (Suzanne Clément), a vizinha de Diane e Steve, que surge como um insólito e paradoxal “anjo da guarda”, de alguma maneira levando mãe e filho a reavaliar os seus modos de relação.
Dolan faz retratos do mundo dos afectos em que, no limite, todos são conduzidos a essa reavaliação do seu lugar familiar e simbólico, social ou sexual. No filme anterior, Tom na Quinta, interpretava o Tom do título que, ao comparecer no funeral de um outro jovem, compreendia que toda a família ignorava a sua relação amorosa com o defunto. Agora, em Mamã, Dolan “força” ainda mais os limites tradicionais do melodrama através de uma história marcada por componentes psicológicas muito particulares, mas que nos confronta com uma interrogação muito mais abrangente, por certo ligada ao “progresso” dos nossos usos e costumes. A saber: que é feito dos valores do espaço familiar tradicional? Ou ainda: na nossas sociedades de aceleração de contactos e relações, como comunicam (ou não) as pessoas de diferentes gerações?
E se o melodrama pressupõe uma aliança entre drama e música, então importa acrescentar que Dolan é também um criador que revaloriza as componentes musicais da narrativa cinematográfica, em particular o uso de canções muito populares. Em Os Amantes Imaginários recuperava, por exemplo, o lendário Bang Bang, interpretado por Dalida. Agora, na banda sonora de Mamã, escutamos, entre outros, Dido (White Flag), Oasis (Wonderwall) e Lana Del Rey (Born to Die).

A IMAGEM: Osama Hajjaj, 2014

OSAMA HAJJAJ
O novo Pai Natal
2014

quarta-feira, dezembro 24, 2014

The National cantam o Natal

Bob's Burgers é uma sitcom americana, em desenhos animados, que apostou em convidar a banda de Matt Berninger, The National, para comemorar o Natal — o resultado, Christmas Magic, é exemplarmente natalício, mágico e animado.

"O Hobbit" ou a agonia dos actores

Até que ponto o cinema (dito) dos efeitos especiais esqueceu a dimensão humana dos corpos, logo dos actores? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Dezembro, com o título 'Que é feito dos actores?'.

Ao vermos O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos, reencontramos Cate Blanchett no papel de Lady Galadriel. Tendo em conta que ela aparece uns brevíssimos minutos, quase sempre vogando no espaço, com a voz refeita na pós-produção e, a certa altura, o rosto mais ou menos sujo e deformado, fica uma pergunta que, antes de ser cinéfila, é de mero bom senso: para quê convocar uma das mais geniais (e mais bem pagas) actrizes contemporâneas quando, na prática, se lhe pede apenas que sirva de paleta humana para o labor dos técnicos de efeitos visuais?
Acontece que, independentemente das qualidades das suas inspirações (literárias, banda desenhada, etc.), este modelo de cinema parece ter-se instalado na rotina de um preguiçoso jogo de vídeo. A sofisticação técnica que o sustenta serve apenas para multiplicar até ao delírio o número de figurinhas (humanas ou monstruosas) que enchem o ecrã, para mais apresentadas a uma “velocidade” que nos impede, literalmente, de contemplar o que quer que seja. Dir-se-ia que se trata menos de contar uma história e mais de criar uma acumulação de “clímaxes” que, afinal, ignoram a mais antiga lei dramatúrgica: não há intensidade emocional se não houver contraste, tensão e efectiva diferença entre os tempos da narrativa.
Uma vez mais, estas dúvidas justificam-se porque, apesar de tudo, neste terceiro capítulo de O Hobbit, Peter Jackson ter-se-á lembrado do seu próprio talento, aqui e ali empenhando-se numa genuína direcção de actores, com destaque para Martin Freeman (Bilbo), Evangeline Lilly (Tauriel) e, sobretudo, Richard Armitage (Thorin). É pena porque, a espaços, vamos pressentindo o que seria um genuíno épico, sobretudo um épico que dispensasse o primarismo narrativo e o exibicionismo tecnológico.

O cinema americano não é a CIA

A representação da América no cinema americano é tudo menos linear e está longe de poder ser reduzida a um discurso panfletário, seja qual for a sua orientação política — este texto foi publicado no Diário de Notícias (14 Dezembro).

O relatório do comité do Senado dos EUA encarregado de investigar a prática de tortura pela CIA (entre finais de 2001 e o começo de 2009) é um documento dramático e perturbante [New York Times]. Nele se inventariam factos que não podem deixar de suscitar a condenação de qualquer consciência democrática. Na introdução do documento, a senadora Dianne Feinstein, coordenadora da investigação, escreve: “A actual e próximas administrações devem usar este estudo no sentido de orientar futuros programas, corrigir erros do passado, reforçar a supervisão dos relatórios da CIA para os responsáveis políticos e assegurar que práticas coercivas de interrogatório não voltem a ser usadas pelo nosso governo.”
Reconhecer a gravidade de tudo isso não é, no entanto, aceitar que se possa recalcar a monstruosidade do ataque de que os EUA foram alvo no dia 11 de Setembro de 2001. E não será também, num plano vergonhosamente caricatural, entrar na chicana ideológico-mediática que exige que Barack Obama só possa ser encarado a partir de uma dicotomia estúpida: uma encarnação do diabo ou um anjo perdido no negrume da política.
A conjuntura diz muito sobre o lugar tenso da América no imaginário europeu e, em particular, sobre o sistemática simplificação da pluralidade de imagens que dela recebemos. Assim, é comum encontrarmos no espaço televisivo europeu um discurso de demonização automática dos EUA em qualquer cenário político, mesmo quando a nação americana surge como a única democracia activa em determinadas situações internacionais. Ao mesmo tempo, nesse mesmo espaço, os mais medíocres filmes de “super-heróis” que Hollywood tem produzido nos últimos anos (e sabe Deus que não são poucos...) ganham automática evidência noticiosa, recalcando a fascinante diversidade interna da produção cinematográfica americana.
Neste momento de reflexão política enquadrada pelo referido relatório, vale a pena recordar que, pelo menos desde os chamados “filmes liberais” da década de 70 — dirigidos por autores brilhantes como Alan J. Pakula (A Última Testemunha) ou Sydney Pollack (Os 3 Dias do Condor) —, a produção americana tem gerado narrativas que se distinguem, justamente, pela problematização das zonas cinzentas de articulação entre estruturas políticas e serviços secretos.
Mais recentemente, e para além de títulos exemplares de Paul Haggis (No Vale de Elah) ou Kathryn Bigelow (00:30, A Hora Negra), importa não esquecer que o tratamento abusivo de reclusos na prisão de Abu Ghraib, no Iraque (diversas vezes citado no relatório) está retratado num assombroso filme de Errol Morris, Standard Operating Procedure, lançado em 2008 (entre nós editado apenas em DVD, com o título Operação Padrão). Morris aborda mesmo a questão fulcral das fotografias registadas pelos militares durante rituais de humilhação dos reclusos, recolocando as imagens no centro da reflexão política — somos o que vemos e também a maneira como vemos.

Os melhores livros de 2014 (N.G.)

Quando o trabalho toma conta das novas leituras o retrato de um ano de livros acaba por ser um pouco como o que mostra a lista que se segue. Há que ter em conta que um ano de leituras não se esgota nos livros que acabaram de ser editados, e muito do que li este ano surgiu antes da vriagem do milénio. Mas entre as novidades há que assinalar sobretudo três olhares antológicos sobre três obras notáveis. A primeira, a de Nick Drake, figura que através de uma recolha de cartas, depoimentos, artigos publicados e novos ensaios tem em Remembered For a While o seu mais completo retrato em livro até aqui realizado. Depois Derek Jarman. Através de uma seleção de páginas dos seus ‘sketchbooks’ descobrimos muito do realizador e do seu processo criativo. E depois Wes Anderson (que tal como o ‘Making of’ de Star Wars são livros da reta final de 2013, mas que só li este ano), cuja obra podemos aqui conhecer num permanente confronto com as referências (do cinema à música, da fotografia aos livros) que a alimenta. Nota ainda para um bom ano para a música portuguesa em livro. Do retrato das origens da nossa indústria fonográfica a um abc dos nomes das primeiras gerações do rock que aqui se fez, não esquecendo uma evocação de António Sérgio, houve motivos para ler o que aqui fomos e vamos ouvindo. 

1. Nick Drake: Remembered For a While, ed. Gabrielle Drake e Cally Callomon
2. Derek Jarman’s Sketchbooks, ed. Stephen Farting e Ed Webb-Ingall
3. The Wes Anderson Collection, de Matt Zoller Seitz
4. The Invisibles, de Sébastien Liefschitz
5. The Making of Star Wars, de Peter Jackson e J.W. Rinzler
6. Machinas Fallantes, de Leonor Losa
7. Biografia do Ié Ié, de Luís Pinheiro de Almeida
8. The Greatest Albums You’ll Never Hear, de Bruno MacDoland
9. O Uivo da Matilha, com textos de vários autores
10. Finches of Mars, de Brian Aldiss

2014 segundo João Moço

Além das nossas continuamos a publicar também as listas de alguns amigos convidados. Hoje é vez do João Moço (DN e DIF) nos dar o seu retrato do ano em discos, concertos, canções e filmes. Um muito brigado ao João pela colaboração.

Fazer um balanço do ano tem de passar obrigatoriamente pelo dia 3 de setembro. Porque nessa noite vi Kate Bush no Hammersmith Apollo, em Londres, a apresentar o espectáculo Before the Dawn (sem sombra de dúvida o concerto mais inacreditável a que algum dia terei o privilégio de assistir) e nessa manhã ouvi parte daquele que, facilmente, se veio a tornar o meu álbum do ano, 1989, de Taylor Swift. Além de toda a conversa sobre o Spotify, o que verdadeiramente interessa são as canções e Taylor, mesmo cortando de vez com a raiz country, mostrou que até na pop é, sem rodeios, a melhor compositora de canções da última década. À vontade. Foi com muita facilidade que escolhi o 1989 para o topo da lista porque 2014 não foi propriamente um ano brilhante, no que diz respeito a álbuns.

Estando, intuitivamente, cada vez mais distante daquilo que vem sendo propagado em 90% da crítica musical, noto agora que este foi um ano em que me voltei a embrenhar ainda mais na música country. Foi um belo ano nesse sentido, de Platinum, de Miranda Lambert, passando pela sua colega nas Pistol Annies Angaleena Presley, com American Middle Class, a Blue Smoke, da diva Dolly Parton, a Band f Brothers, de Willie Nelson, ou o excelente regresso de Lee Ann Womack com The Way I’m Livin’.

O r&b vive tempos nebulosos, preso num fetichismo pós-Cassie, mas há quem fuja a essa norma que quer branquear tudo à sua volta: Toni Braxton com Babyface, Kehlani (a miúda mais promissora do momento), Mariah Carey, King (e o álbum teima em não aparecer) ou Trey Songz. Já D’Angelo deu numa de Beyoncé em 2014 e provou porque é que fazer listas do ano em novembro pode não ser uma boa ideia.

Muitos outros momentos ficam por mencionar, como o facto dos One Direction se terem apropriado dos Fleetwood Mac (e de Bruce Springsteen e dos Tears for Fears e dos The 1975) no Four, que prova que esta não é uma boy band como qualquer outra (o que não diminui, em nada, essa herança rica que os antecede), de Gerard Way ter feito melhor disco de glam rock desde a estreia dos Placebo, de Nick Jonas se ter revelado um excelente herdeiro da escola Justin Timberlake ou de Young Thug voltar a ser o melhor rapper (é ouvir a mixtape de Rich Gang, “O” disco de hip hop de 2014).

Por cá destaco três guitarristas que fizeram aqueles que são, para mim, os seus três melhores discos: Ricardo Rocha (com Resplandecente), Norberto Lobo (com Fornalha) e Filipe Felizardo (com Volume 2: Sede e Morte). Foram muitas as noites que passei embrenhado nas reflexões sobre paranóia (pelo menos é assim que sinto essa música) mas com algum balanço rítmico criadas por Ondness (projeto de Bruno Silva), que só este ano lançou Death Weekend/Rituals, Absolute Elsewhere, Surf e Performance e Filho do Dono. Rodrigo Amado foi outros dos mais activos, fosse com o melhor trio de jazz do momento, o Motion Trio (The Freedom Principle e Live in Lisbon, ambos gravados com Peter Evans), fosse com o Wire Quartet (que editaram o meu disco de jazz preferido do ano).

Mensalmente o MusicBox tem continuado a receber as tão importantes Noites Príncipe, onde gente como DJ Maboku, DJ Lilocox, Nigga Fox, Blacksea Não Maya, Puto Anderson ou DJ Firmeza fazem verdadeira magia. Não há nada assim noutro lugar e o disco Tá Tipo Já Não Vamos Morrer, do coletivo Tia Maria Produções, é a prova física disto mesmo.

Foi no MusicBox que vi há dias B Fachada (que voltou este ano da pausa sabática) a mostrar como, em matéria de canções pop, está a milhas de qualquer outro nome que tenha surgido neste país.


Dez discos:

1.º Taylor Swift – 1989
2.º Ricardo Rocha – Resplandecente
3.º Miranda Lambert – Platinum
4.º D’Angelo – Black Messiah
5.º Toni Braxton & Babyface – Love, Marriage & Divorce
6.º Excepter – Familiar
7.º DaVinChe/Katie Pearl – Make It Official
8.º Torn Hawk – Through the Force of Will
9.º One Direction – Four
10.º Kehlani – Cloud 19

Dez canções:

1.º One Direction – Fireproof
2.º Taylor Swift – Style
3.º King – Mister Chameleon
4.º Torn Hawk – Blindsided
5.º T.I. & Young Thug – About the Money
6.º Chase Smith – Vaporub
7.º Kira Isabella – The Quarterback
8.º Nicole Scherzinger – Your Love
9.º Tinashe – 2 On (feat. Schoolboy Q)
10.º Kridinhux – Pensar em Ti

Dez concertos:

1. Kate Bush no Hammersmith Apollo
2. Excepter na Galeria Zé dos Bois
3. África Negra no B.Leza
4. Peter Evans no Panteão Nacional
5. Bill Callahan no Cinema São Jorge
6. Beyoncé na Meo Arena
7. Miley Cyrus na Meo arena
8. One Direction no Estádio do Dragão
9. Justin Timberlake no Parque da Bela Vista
10. Rodrigo Amado Motion Trio com Hernâni Faustino na Galeria Zé dos Bois

Dez filmes:
1. Blue Ruin – Jeremy Saultier
2. The Act of Killing – Joshua Oppenheimer & Christine Cynn
3. Cavalo Dinheiro – Pedro Costa
4. Nebraska – Alexander Payne
5. Under the Skin – Jonathan Glazer
6. 12 Years A Slave – Steve McQueen
7. Nightcrawler – Dan Gilroy
8. 22 Jump Street – Phil Lord & Chris Miller
9. Stand Clear of the Closing Doors – Sam Fleischner
10. Gone Girl – David Fincher

terça-feira, dezembro 23, 2014

10 filmes de 2014 (J. L.)


CAVALO DINHEIRO, de Pedro Costa
DEBAIXO DA PELE, de Jonathan Glazer
MAPAS PARA AS ESTRELAS, de David Cronenberg
JERSEY BOYS, de Clint Eastwood
EM PARTE INCERTA, de David Fincher
DOIS DIAS, UMA NOITE, de Luc e Jean-Pierre Dardenne
BOYHOOD, de Richard Linklater
A TEMPORADA DO RINOCERONTE, de Bahman Ghobadi
CIÚME, de Philippe Garrel

... o contraste, e a comovente cumplicidade, das fotografias de Jacob Riis e das imagens do filme de Pedro Costa.
... a sala onde se sentam as personagens de Alain Resnais para assistirem a algo que, sendo um filme, é sobretudo uma mensagem que transcendeu o próprio silêncio da morte.
... os olhos firmes, translúcidos, à beira das lágrimas, de Marion Cotillard filmada pelos irmãos Dardenne.
Num certo sentido, são apenas essas coisas que contam. Os filmes não são o seu "tema", muito menos o seu "orçamento" ou os seus "efeitos especiais" — a pior televisão que se faz (aqui e por todo o lado) muito se empenha em enganar-nos com tais clichés, afastando-nos do que realmente acontece no interior dos filmes. E é um facto que, num universo audiovisual parasitado pela mediocridade formatada das telenovelas, estar disponível para os acontecimentos específicos de um filme se tornou, afinal, o mais difícil. Clint Eastwood o disse, de forma acutilante e poética, quando respondeu a insinuações mais ou menos pueris sobre o facto de ter feito "apenas" um filme musical... Esclareceu ele que não fez um musical, mas sim um filme com uma acção que envolve personagens que cantam — aqui fica, por isso, como símbolo do melhor cinema do ano, uma imagem do cineasta no local de trabalho.

A IMAGEM: Pompeo Batoni, 1767

POMPEO BATONI
Sagrado Coração de Jesus
1767