terça-feira, dezembro 17, 2013

Leonardo Jardim, futebol e censura

LUCIAN FREUD
Interior em Paddington (1951)


O espaço televisivo do futebol configura um sistema ideológico que, não poucas vezes, tenta impor a outros aquilo que, supostamente, deve ser dito — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (13 Dezembro), com o título 'Censura no futebol'.

1. Para além dos seus méritos como treinador, não posso deixar de admirar a paciência de Leonardo Jardim. Sempre que lhe colocam um microfone à frente, lá vem a pergunta: “Quando é que o Sporting se assume como candidato ao título?”. Podiam questioná-lo sobre temas realmente futebolísticos. Por exemplo: estando ele a tentar construir uma equipa a partir da base, como encara as especulações sobre o interesse de clubes estrangeiros pelos seus jogadores? Ou ainda: há ou não uma nova geração de jogadores portugueses já com condições para entrar na selecção nacional? Mas não: está tudo muito preocupado com aquilo que chamam o seu discurso... São mesmo especialistas em semiologia, herdeiros das grandes aventuras estruturalistas, utilizando a noção de “discurso” por dá cá aquela palha (se um humilde crítico de cinema fizesse o mesmo, seria de imediato sancionado com o rótulo de lamentável pretensiosismo intelectual). Já agora, e porque a sofisticação de tão doutas cabeças exige que elevemos o nível do debate, valerá a pena recordar-lhes que há uma componente de repressão (discursiva, hélas!) nessa insistência com que se pressiona o outro para dizer, não o que ele quer dizer, mas o que nós queremos que ele diga. Releiam Roland Barthes e as suas reflexões, não exactamente sobre a censura que interdita, mas sim a censura que “obriga a dizer”.

2. Ah, o surrealismo burlesco das “flash interviews”!... Porque é que, depois de ouvirem treinadores e jogadores a dizerem que o jogo foi “muito difícil”, quase todos os repórteres se viram para nós, a tragédia na voz, esclarecendo que o entrevistado disse que o jogo foi... “muito difícil”. Decididamente, há maneiras mais subtis de chamar estúpido ao espectador.

3. No rescaldo do Benfica-Arouca (Benfica TV), Toni lembra que não há “vencedores antecipados” nem “vencidos antecipados”. E elogia os méritos do Arouca. Por momentos, a sensatez do discurso levou-me a pensar que tinha feito “zapping” para um canal de outro planeta.